STJ Mar25 - Cannabis Medicinal - Transtorno do Autismo - Deferimento para Plantio Domiciliar

     Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de PXXXXXX LEMOS, apontando como autoridade coatora o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no julgamento do Recurso em Sentido Estrito n. 5008287-83.2024.4.03.6181.

O paciente informa ser portador de transtorno do espectro do autismo. Após o tratamento com medicamentos convencionais, foi receitado o tratamento com medicamentos à base de Cannabis sativa L. para reduzir as dores crônicas, comportamentos ansiosos e irritabilidade.

Os custos do tratamento, no entanto, dificultam sua continuidade. Diante disso, o paciente iniciou o cultivo e a preparação dos produtos de que necessita. Essa necessidade levou o paciente a buscar respaldo no Poder Judiciário para obter habeas corpus preventivo para impedir repressão criminal do cultivo para fins terapêutico-medicinais.

O juízo de primeiro grau denegou a ordem. O paciente interpôs recurso em sentido estrito, desprovido pelo Tribunal Regional Federal (e-STJ, fls. 40-76).

Neste habeas corpus, a defesa reitera os argumentos em favor da concessão do salvo-conduto, reforçando a necessidade dos produtos derivados da maconha para a continuidade do tratamento de saúde do paciente.

Neste habeas corpus, a defesa reitera os argumentos em favor da concessão do salvo-conduto, reforçando a necessidade dos produtos derivados da maconha para a continuidade do tratamento de saúde do paciente.

Ao final, requer o impetrante a concessão da ordem para autorizar a importação de até 60 sementes de Cannabis sativa L. por ano, bem como o plantio, cultivo, porte e manipulação de até 500 plantas da mesma espécie., determinando que as autoridades policiais se abstenham de apreender os vegetais, insumos e utensílios empregados no preparo e consumo dos medicamentos.

É o relatório. Decido.

Diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça passou a acompanhar a orientação do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser inadmissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.

Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. Assim, em princípio, incabível o presente habeas corpus substitutivo do recurso próprio.

Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, tem se admitido o exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.

Registro, no mais, que as disposições previstas no art. 64, inciso III, e no art. 202, ambos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, bem como no art. 1º do Decreto-Lei n. 552/1969, não impedem o relator de decidir liminarmente o mérito do habeas corpus e do recurso em habeas corpus, nas hipóteses em que a pretensão se conformar com súmula ou com jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contrariar.

De fato, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido (EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Relator Ministro Gurgel De Faria, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).

Assim, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).

O entendimento jurisprudencial consolidado no Tribunal da Cidadania é no sentido de que a conduta de plantar maconha para fins medicinais não preenche a tipicidade material das condutas previstas na Lei n. 11.343/2006, motivo pelo qual se faz imperativa a expedição de salvo-conduto, desde que comprovada a necessidade médica do tratamento, evitando-se, assim, criminalizar pessoas que estão em busca do seu direito fundamental à saúde.

A propósito, confira-se o seguinte precedente da Terceira Seção:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CULTIVO DOMÉSTICO DA PLANTA CANNABIS SATIVA PARA FINS MEDICINAIS. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. UNIFORMIZAÇÃO DO ENTENDIMENTO DAS TURMAS CRIMINAIS. RISCO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DIREITO A SAÚDE PÚBLICA E A MELHOR QUALIDADE DE VIDA. REGULAMENTAÇÃO. OMISSÃO DA ANVISA E DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA. 1. O conjunto probatório dos autos aponta que o uso medicinal do óleo extraído da planta Cannabis sativa encontra-se suficientemente demonstrado pela documentação médica, pois foram anexados Laudo Médico e receituários médicos, os quais indicam o uso do óleo medicinal (CBD Usa Hemp 6000mg full spectrum e Óleo CBD/THC 10%). 2. O entendimento da Quinta Turma passou a corroborar o da Sexta Turma que, na sessão de julgamento do dia 14/6/2022, de relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, por unanimidade, negou provimento ao Recurso Especial n. 1.972.092-SP do Ministério Público, e manteve a decisão do Tribunal de origem, que havia concedido habeas corpus preventivo. Então, ambas as turmas passaram a entender que o plantio e a aquisição das sementes da Cannabis sativa, para fins medicinais, não se trata de conduta criminosa, independente da regulamentação da ANVISA. 3. Após o precedente paradigma da Sexta Turma, formou-se a jurisprudência, segundo a qual, "uma vez que o uso pleiteado do óleo da Cannabis sativa, mediante fabrico artesanal, se dará para fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo subscrito por profissional médico especializado, chancelado pela ANVISA na oportunidade em que autorizou os pacientes a importarem o medicamento feito à base de canabidiol - a revelar que reconheceu a necessidade que têm no seu uso - , não há dúvidas de que deve ser obstada a iminente repressão criminal sobre a conduta praticada pelos pacientes/recorridos" (REsp n. 1.972.092/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 30/6/2022). 4. Os fatos, ora apresentados pelos agravantes, não podem ser objeto da sanção penal, porque se tratam do exercício de um direito fundamental garantido na Constituição da República, e não há como, em matéria de saúde pública e melhor qualidade de vida, ignorar que "a função judicial acaba exercendo a competência institucional e a capacidade intelectual para fixar tais conceitos abstratos, atribuindo significado aos mesmos, concretizando-os, e até dando um alcance maior ao texto constitucional, bem como julgando os atos das outras funções do Poder Público que interpretam estes mesmos princípios" (DUTRA JÚNIOR, José Felicio. Constitucionalização de fatos sociais por meio da interpretação do Supremo Tribunal Federal: Análise de alguns julgados proativos da Suprema Corte Brasileira. Revista Cadernos de Direito, v. 1, n. 1, UDF: Brasília, 2019, pags. 205-206). 5. Agravo regimental provido, para conceder o habeas corpus, a fim de garantir aos pacientes o salvo-conduto, para obstar que qualquer órgão de persecução penal turbe ou embarace a aquisição de 10 (dez) sementes de Cannabis sp., bem como o cultivo de 7 (sete) plantas de Cannabis sp. e extração do óleo, por ser imprescindível para a sua qualidade de vida e saúde. Oficie-se à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e ao Ministério da Saúde. (AgRg no HC n. 783.717/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato —Desembargador Convocado do TJDFT, Terceira Seção, julgado em 13/9/2023, DJe de 3/10/2023.) O entendimento jurisprudencial consolidado no Tribunal da Cidadania é no sentido de que a conduta de plantar maconha para fins medicinais não preenche a tipicidade material das condutas previstas na Lei n. 11.343/2006, motivo pelo qual se faz imperativa a expedição de salvo-conduto, desde que comprovada a necessidade médica do tratamento, evitando-se, assim, criminalizar pessoas que estão em busca do seu direito fundamental à saúde. A propósito, confira-se o seguinte precedente da Terceira Seção: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CULTIVO DOMÉSTICO DA PLANTA CANNABIS SATIVA PARA FINS MEDICINAIS. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. UNIFORMIZAÇÃO DO ENTENDIMENTO DAS TURMAS CRIMINAIS. RISCO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DIREITO A SAÚDE PÚBLICA E A MELHOR QUALIDADE DE VIDA. REGULAMENTAÇÃO. OMISSÃO DA ANVISA E DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA. 1. O conjunto probatório dos autos aponta que o uso medicinal do óleo extraído da planta Cannabis sativa encontra-se suficientemente demonstrado pela documentação médica, pois foram anexados Laudo Médico e receituários médicos, os quais indicam o uso do óleo medicinal (CBD Usa Hemp 6000mg full spectrum e Óleo CBD/THC 10%). 2. O entendimento da Quinta Turma passou a corroborar o da Sexta Turma que, na sessão de julgamento do dia 14/6/2022, de relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, por unanimidade, negou provimento ao Recurso Especial n. 1.972.092-SP do Ministério Público, e manteve a decisão do Tribunal de origem, que havia concedido habeas corpus preventivo. Então, ambas as turmas passaram a entender que o plantio e a aquisição das sementes da Cannabis sativa, para fins medicinais, não se trata de conduta criminosa, independente da regulamentação da ANVISA. 3. Após o precedente paradigma da Sexta Turma, formou-se a jurisprudência, segundo a qual, "uma vez que o uso pleiteado do óleo da Cannabis sativa, mediante fabrico artesanal, se dará para fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo subscrito por profissional médico especializado, chancelado pela ANVISA na oportunidade em que autorizou os pacientes a importarem o medicamento feito à base de canabidiol - a revelar que reconheceu a necessidade que têm no seu uso - , não há dúvidas de que deve ser obstada a iminente repressão criminal sobre a conduta praticada pelos pacientes/recorridos" (REsp n. 1.972.092/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 30/6/2022). 4. Os fatos, ora apresentados pelos agravantes, não podem ser objeto da sanção penal, porque se tratam do exercício de um direito fundamental garantido na Constituição da República, e não há como, em matéria de saúde pública e melhor qualidade de vida, ignorar que "a função judicial acaba exercendo a competência institucional e a capacidade intelectual para fixar tais conceitos abstratos, atribuindo significado aos mesmos, concretizando-os, e até dando um alcance maior ao texto constitucional, bem como julgando os atos das outras funções do Poder Público que interpretam estes mesmos princípios" (DUTRA JÚNIOR, José Felicio. Constitucionalização de fatos sociais por meio da interpretação do Supremo Tribunal Federal: Análise de alguns julgados proativos da Suprema Corte Brasileira. Revista Cadernos de Direito, v. 1, n. 1, UDF: Brasília, 2019, pags. 205-206). 5. Agravo regimental provido, para conceder o habeas corpus, a fim de garantir aos pacientes o salvo-conduto, para obstar que qualquer órgão de persecução penal turbe ou embarace a aquisição de 10 (dez) sementes de Cannabis sp., bem como o cultivo de 7 (sete) plantas de Cannabis sp. e extração do óleo, por ser imprescindível para a sua qualidade de vida e saúde. Oficie-se à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e ao Ministério da Saúde. (AgRg no HC n. 783.717/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato —Desembargador Convocado do TJDFT, Terceira Seção, julgado em 13/9/2023, DJe de 3/10/2023.)

Na hipótese dos autos, verifica-se que o paciente apresentou ao juízo de primeiro grau documentação que comprova a necessidade do uso de cannabis para a continuidade do tratamento das enfermidades de que é portador. Nesse contexto, deve ser concedida a ordem para que as autoridades responsáveis pelo combate ao tráfico de drogas, inclusive da forma transnacional, abstenham-se de promover qualquer medida de restrição de liberdade, bem como de apreensão e destruição dos materiais destinados ao tratamento da saúde do paciente, dentro dos limites da prescrição médica. Pelo exposto, não conheço do habeas corpus.

Porém, concedo a ordem de ofício para expedir salvo-conduto em favor do paciente, impedindo-se qualquer medida de natureza penal em razão do cultivo artesanal da planta Cannabis sativa L. com finalidade estritamente medicinal e nos limites da prescrição médica específica, autorizando-se, por conseguinte, a importação das sementes na quantidade suficiente para suprir as necessidades médicas do paciente. Publique-se. Oficie-se à Agência Nacional de Vigilância Sanitária e ao Ministério da Saúde.

Relator

REYNALDO SOARES DA FONSECA

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 991180 - SP (2025/0103552-2) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA, Publicação no DJEN/CNJ de 31/03/2025.)

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