STJ Mar25 - Dosimetria Irregular - Fração da Reincidência Reduzida de 1/2 para 1/6 da Pena Base :"Em Recurso Exclusivo do MP ao STJ, Foi dado HC de Ofício em favor do Réu - Art. 647-a do CPP

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

O‎ ‎MINISTÉRIO‎ ‎PÚBLICO‎ ‎DO‎ ‎ESTADO‎ ‎DE‎ ‎MATO GROSSO DO SUL agrava da decisão que inadmitiu o recurso especial que interpôs, fundado no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão do‎ ‎Tribunal‎ ‎de‎ ‎Justiça‎ ‎daquele‎ Estado‎ ‎prolatado‎ ‎no‎s Embargos de Declaração n. 0000246-22.2021.8.12.0043/50000, que reduziu, de ofício, a fração da agravante da reincidência de 1/2 para 1/3.

Nas‎ ‎razões‎ ‎do‎ ‎especial,‎ ‎o‎ ‎recorrente‎ ‎apontou ‎a‎ ‎violação‎ ‎dos‎ ‎arts.‎ ‎574 e 619, § 2º, ‎do‎ ‎Código‎ de Processo ‎Penal, ao argumento de que a Corte local não poderia haver atuado de ofício nos aclaratórios.‎

‎ Alegou:

"o recurso é voluntário e a defesa técnica não apresentou inconformismo em sede de apelação quanto a fração utilizada para agravar a pena intermediária é porque concordou com os argumentos sustentados pelo magistrado de primeira instância para fixá-la acima de 1/6, sendo que o efeito devolutivo da apelação interposta pelo recorrido não alcançou tal questão" (fl. 283).

Requer‎eu a manutenção da fração usada pelo Juízo de primeira instância referente à agravante prevista no art. 61, I, do CP. O Tribunal de origem não admitiu o recurso especial, em decorrência da Súmula n. 83 do STJ, o que ensejou esta interposição.

O‎ ‎Ministério‎ ‎Público‎ ‎Federal‎, em parecer do Subprocurador-Geral da República Mário Ferreira Leite, ‎opinou‎ ‎pelo‎ ‎conhecimento do agravo para negar provimento‎ ‎ao‎ ‎recurso‎, com a concessão de habeas corpus, de ofício, para adotar o patamar de 1/6 quanto à circunstância agravante ‎(fls.‎ ‎369-373). Decido

. O agravo é tempestivo e impugna adequadamente os fundamentos da decisão recorrida, razão pela qual deve ser conhecido.

O recurso especial, todavia, comporta parcial conhecimento. Quanto à alegada violação do art. 619, § 2º, do CPP, aplica-se a Súmula n. 284 do STF, pois não existe esse dispositivo legal na referida lei. Ilustrativamente:

"Evidenciado que no recurso especial a parte aponta violação a dispositivos de lei inexistentes, aplica-se o disposto no enunciado nº. 284 da Súmula do STF" (AgInt no AREsp n. 2.530.039/GO, relator Ministro Marco Buzzi, 4ª T., DJe de 29/8/2024.)

Quanto à infringência do art. 574 do CPP, o recurso deve ser conhecido. A matéria em discussão foi devidamente prequestionada e estão preenchidos os demais requisitos necessários (cabimento, legitimidade, interesse recursal, inexistência de óbices processuais, tempestividade e regularidade formal).

O‎ ‎ora‎ ‎recorrido‎ ‎foi‎ ‎condenado a 1 ano e 3 meses de detenção, em regime inicial aberto, 30 dias-multa, e 9 meses de suspensão da CNH pela prática dos crimes previstos nos arts. 306, § 1º, II, e 309, ambos do CTB.

A defesa interpôs apelação, em que pleiteou a absolvição do réu, a aplicação do princípio da consunção e o reconhecimento da confissão espontânea. O‎ ‎Tribunal‎ ‎estadual‎ negou provimento ao recurso.

A parte opôs embargos de declaração, ao suscitar que a Corte local foi omissa em se pronunciar sobre o aumento da reprimenda em fração equivalente a 1/2 em razão da reincidência do réu.

Na ocasião, a defesa destacou que, embora não haja sido matéria formulada na apelação, caberia ao Tribunal sanar a ilegalidade, em virtude do efeito devolutivo amplo do recurso.

O Juízo de segunda instância acolheu em parte os aclaratórios, conforme se observa (fl. 269):

Da dosimetria da pena do crime do art. 306, § 1º, inc. II, do CTB, verifica-se que a sentença, na primeira fase, fixou a pena-base de 6 meses de detenção, 10 dias-multa e suspensão do direito de dirigir pelo mesmo período; na segunda etapa, agravou a pena em 1/2, levando-a para 9 meses de detenção, 20 dias multa e suspensão do direito de dirigir pelo mesmo período em razão de uma única condenação pela prática do mesmo crime (reincidência específica, p. 74); e na terceira fase, não houve alterações. Entretanto, em que pese tratar-se de reincidente específico, entendo que agravar a pena na metade, em razão apenas de uma condenação transitada em julgado, mostra-se desproporcional, sendo suficiente a fixação no patamar de 1/3.

No caso, o Ministério Público estadual se insurge contra o reconhecimento, de ofício, pelo Tribunal de origem, da desproporcionalidade na fixação da reprimenda em favor do réu.

Deveras, a Corte local, ao verificar que a exasperação da pena pela reincidência em fração de 1/2 era excessiva diante de apenas uma condenação anterior transitada em julgado, atuou dentro de sua competência ao corrigir a ilegalidade de ofício.

O artigo 647-A do Código de Processo Penal confere ao julgador (independentemente da instância em que atue) a prerrogativa de conceder habeas corpus de ofício sempre que, no curso de um processo, constatar a existência de violação ao ordenamento jurídico que implique coação ilegal à liberdade de locomoção do réu.

Veja-se:

Art. 647-A. No âmbito de sua competência jurisdicional, qualquer autoridade judicial poderá expedir de ofício ordem de habeas corpus, individual ou coletivo, quando, no curso de qualquer processo judicial, verificar que, por violação ao ordenamento jurídico, alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção. Parágrafo único. A ordem de habeas corpus poderá ser concedida de ofício pelo juiz ou pelo tribunal em processo de competência originária ou recursal, ainda que não conhecidos a ação ou o recurso em que veiculado o pedido de cessação de coação ilegal.

Saliento que o referido dispositivo legal apenas reafirma, no texto legal, entendimento já consolidado nos tribunais, especialmente com fundamento no § 2º do art. 654 do CPP. Há muito, o STJ e demais Cortes concedem a ordem de ofício em casos de manifesta ilegalidade, ainda que o recurso interposto não fosse admitido.

Nesse sentido: [...] 1. Dispõe o novel parágrafo único do art. 647-A do CPP que "a ordem de habeas corpus poderá ser concedida de ofício pelo juiz ou pelo tribunal em processo de competência originária ou recursal, ainda que não conhecidos a ação ou o recurso em que veiculado o pedido de cessação de coação ilegal. (Incluído pela Lei n. 14.836, de 2024)". 2. A inclusão do indigitado dispositivo, a despeito da inovação legal, nada mais fez do que consolidar a previsão, no texto da lei adjetiva, de prática jurisprudencial há muito adotada pelos tribunais pátrios - entendimento esse extraído da intelecção do § 2º do art. 654 do CPP -, quando, diuturnamente, ainda que no âmbito de recursos que não mereciam conhecimento, concediam a ordem de ofício diante de flagrante ilegalidade. [...] (AgRg no HC n. 919.319/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024.)

A propósito, tal como sinalizou o Ministério Público Federal, embora houvesse tentado corrigir a desproporcionalidade de aumento da pena, a fração eleita pelo Tribunal estadual ainda não atendeu a razoabilidade necessária, conforme orientação desta Corte Superior.

Confira-se trecho do parecer (fls. 372-373): Portanto, não é viável acolher o pedido ministerial para fixar a fração de 1/2 apenas em razão da reincidência específica do réu. Além disso, há flagrante ilegalidade na dosimetria da pena, o que, com base no artigo 654, §2º, do Código de Processo Penal, permite a concessão da ordem de habeas corpus de ofício No caso em questão, a pena foi aumentada em 1/3 apenas em razão da reincidência específica, sem a devida fundamentação.

Dessa forma, deve ser aplicada a fração mínima de 1/6, em razão de única reincidência específica (Nesse sentido: AgRg no AREsp n. 2.282.442/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 17/3/2023)

Ao julgar o Tema Repetitivo n. 1.172, o STJ fixou a seguinte tese: "A reincidência específica como único fundamento só justifica o agravamento da pena em fração mais gravosa que 1/6 em casos excepcionais e mediante detalhada fundamentação baseada em dados concretos do caso".

No caso, não houve motivação para justificar o patamar de aumento de 1/3, na segunda fase da dosimetria, em virtude de uma única anotação do acusado, de modo que deve ser concedida a ordem, de ofício, para readequar a fração para 1/6.

Passo, assim, à reforma da‎ ‎dosimetria. A pena-base foi fixada, pela Corte estadual, em 6 meses de detenção, 10 dias-multa, e suspensão do direito de dirigir em 6 meses. Na segunda etapa, aumento a reprimenda em 1/6, em virtude da reincidência do acusado, a resultar em 7 meses de detenção, suspensão do direito de dirigir pelo mesmo período e 11 dias-multa, sanção que torno definitiva, pois não existem outras moduladoras. À‎ ‎vista‎ ‎do‎ ‎exposto,‎ ‎conheço do agravo para conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, nego-lhe ‎‎provimento. Todavia, concedo a ordem, de ofício, ‎a‎ ‎fim‎ ‎de‎ readequar a pena do réu para 7 meses de detenção, suspensão do direito de dirigir pelo mesmo período e 11 dias-multa, sanção que torno definitiva, pois não existem outras moduladoras. Publique-se‎ ‎e‎ ‎intimem-se.

Relator

ROGERIO SCHIETTI CRUZ

(STJ - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2835775 - MS (2025/0009721-2) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Publicação no DJEN/CNJ de 28/03/2025.)

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