STJ Mar25 - Réu Foragido - Direito de Ser Interrogado Por Audiência Virtual -
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de RAFAEL XXXXXX, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC nº 2074276-94.2025.8.26.0000). Eis a ementa do julgado:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS E TENTADOS. (1) PACIENTE FORAGIDO. IMPETRAÇÃO QUE BUSCA A REALIZAÇÃO DE INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA. INADEQUAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO DO PACIENTE PARA O VÍCIO APONTADO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA DA DECISÃO. (2) ORDEM DENEGADA LIMINARMENTE. 1. A jurisprudência é torrencial no sentido de não caracterizar constrangimento ilegal o indeferimento de pedido objetivando a realização de interrogatório de réu foragido, por videoconferência, sobretudo à luz dos princípios da legalidade, da boa-fé objetiva e da cooperação entre os sujeitos processuais, haja vista que o réu não pode escolher o meio pelo qual a audiência de instrução será realizada (presencial ou virtual) e porque não lhe é lícito arguir vício para o qual concorreu em sua produção. Precedentes do STF (HC 243.295- AgR/SP Rel. Min. CRISTIANO ZANIN Primeira Turma j. em 19/08/2024 D Je de 22/08/2024; HC 226.723-AgR/SP Rel. Min. ANDRÉ MENDONÇA Segunda Turma j. em 20/05/2024 D Je de 28/06/2024; HC 238.659-AgR/SP Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES Primeira Turma – j. em 15/04/2024 – D Je de 17/04/2024 e HC 229.714-AgR/RJ Rel. Min. NUNES MARQUES Segunda Turma j. em 26/02/2024 D Je de 03/04/2024) e do STJ (AgRg no HC 914.007/MS Rel. Min. Messod Azulay Neto Quinta Turma j. em 04/11/2024 D Je de 07/11/2024; AgRg no HC 929.979/SP Rel. Min. Daniela Teixeira Quinta Turma j. em 04/11/2024 D Je de 06/11/2024; AgRg no HC 867.378/SP Rel. Min. Joel Ilan Paciornik Quinta Turma j. em 16/09/2024 D Je de 18/09/2024 e AgRg no HC 838.136/SP Rel. Min. Teodoro Silva Santos Sexta Turma j. em 26/02/2024 D Je de 05/03/2024). Ausência de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão proferida pela autoridade coatora. 2. Ordem denegada liminarmente.
No presente writ, a Defesa sustenta que o indeferimento do pedido de participação do paciente na audiência de instrução por videoconferência, devido à sua condição de foragido, caracteriza constrangimento ilegal, violando os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Afirma que não há previsão legal de sanção processual para a situação de foragido e que o réu foragido tem o direito de participar do processo penal exercendo na máxima amplitude o direito ao confronto, à ampla defesa e ao contraditório.
No mérito, a Defesa requer a concessão da ordem para garantir a participação do paciente na audiência de instrução, debates e julgamento, por meio de videoconferência, designada para o dia 09 de abril de 2025.
É o relatório. Decido.
Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, como forma de racionalizar o emprego do habeas corpus e prestigiar o sistema recursal, não admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio.
Cumpre analisar, contudo, em cada caso, a existência de ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, em razão de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão impugnada, a ensejar a concessão da ordem de ofício.
Na espécie, embora a impetrante não tenha adotado a via processual adequada, para que não haja prejuízo à defesa do paciente, passo à análise da pretensão formulada na inicial, a fim de verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Acerca do rito a ser adotado para o julgamento desta impetração, as disposições previstas nos arts. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforme com súmula ou com a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria (AgRg no HC 513.993/RJ, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1°/7/2019; AgRg no HC 475.293/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC 499.838/SP, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC 426.703/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018 e AgRg no RHC 37.622/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n.45/2004 com status de princípio fundamental (AgRg no HC 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido (EDcl no AgRg no HC 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica (AgRg no HC 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
Possível, assim, a análise do mérito da impetração, já nesta oportunidade.
Conforme relatado, a defesa busca, em síntese, a possibilidade de participar da audiência de instrução e julgamento, designada para o dia 9/4/2025, de forma virtual, haja vista o paciente se encontrar foragido. Não se trata aqui de pedido para anular audiência já realizada, o que atrairia os dispostos nos arts. 563 e 565, ambos do CPP (necessidade de se demonstrar o prejuízo e impossibilidade de se alegar nulidade que deu causa).
Na espécie, a audiência ainda ocorrerá. Assim, conquanto as instâncias ordinárias indiquem precedentes da 1ª Turma da Suprema Corte acerca do tema, em consonância com as diretrizes que melhor se coadunam com o direito de defesa, tem se assegurado ao réu foragido a possibilidade de participar, de forma virtual, da audiência de instrução e julgamento, independentemente de prévio recolhimento do acusado, dando, assim, primazia ao direito à autodefesa.
Nesse sentido, confira-se recente julgado do Supremo Tribunal Federal:
HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. IMPETRAÇÃO FORMALIZADA CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA PROFERIDA PELA PRESIDÊNCIA DO STJ. APLICAÇÃO DA SÚMULA 691/STF NO ATO COATOR. NÃO CONHECIMENTO. ILEGALIDADE FLAGRANTE. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. RÉU FORAGIDO. DIREITO DE AUTODEFESA. DIREITO DE PRESENÇA. DIREITO DE PARTICIPAÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERROGATÓRIO. NULIDADE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA GARANTIR AO ACUSADO QUE PARTICIPOU DE AUDIÊNCIA POR VIDEOCONFERÊNCIA O DIREITO DE SER INTERROGADO. 1. A teor da Súmula 691/STF, é inadmissível a superposição de habeas corpus contra decisões denegatórias de liminar, salvo em hipóteses excepcionais, em que o impetrante demonstre a existência de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão hostilizada, como se verifica no caso. 2. A responsabilização criminal no Estado de Direito deve observar, impreterivelmente, o devido processo legal, que consiste, a um só tempo, em garantia fundamental do jurisdicionado e elemento legitimador do exercício da jurisdição. Nesse sentido, o Estado-Juiz deve conduzir o processo respeitando o procedimento predeterminado na lei e as garantias fundamentais do acusado, dentre elas, a plenitude de defesa, que pode ser exercida por meio da autodefesa (direito de presença e participação efetiva do réu nos atos processuais) e da defesa técnica. 3. Embora a plenitude de defesa seja um dos elementos estruturais do processo, o réu foragido não tem direito a escolher o meio pelo qual a audiência de instrução e julgamento será realizada (presencial ou virtual) ou mesmo a participar de audiência virtual por endereço eletrônico não rastreável. Isso porque a circunstância de o réu estar foragido não foi prevista pelo legislador dentre aquelas que permitem ao magistrado realizar, excepcionalmente, audiência por videoconferência (art. 185, §2º, I a IV, do CPP). Além disso, a função limitadora do princípio da boa-fé processual impede o abuso de direito e o gozo de benefício decorrente da própria torpeza. 4. Por outro lado, não há justo motivo para negar ao réu foragido o direito de se fazer presente e ser ouvido em audiência virtual, previamente designada pelo magistrado. A existência de mandado de prisão pendente de execução não consiste em impedimento legal para a participação do acusado no ato. 5. A condição do réu foragido não implica renúncia tácita ao direito de presença e participação em audiência virtual, especialmente quando o acesso é previamente requerido pela defesa. 6. No caso concreto, o réu compareceu, virtualmente, à audiência de instrução, logo competiria ao Juízo da causa proceder, como último ato de instrução, ao interrogatório do acusado, nos moldes dos arts. 185 e 400 do CPP. 7. A ausência do interrogatório do réu presente em audiência de instrução e julgamento é causa de nulidade processual, conforme prevê o art. 564, III, “e”, do CPP. 8. Ordem concedida, de ofício, com fulcro no art. 654, §2º, do CPP, a fim de determinar que o Juízo da causa realize o interrogatório do paciente, garantindo-lhe o pleno exercício da autodefesa, por meio do direito de presença e de participação. (HC 233191, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 29- 04-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 20-06-2024 PUBLIC 21-06-2024).
No mesmo sentido, veja-se o seguinte precedente desta Corte Superior:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRESENÇA DO RÉU NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. DESDOBRAMENTO DO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ORDEM CONCEDIDA. LIMINAR CONFIRMADA. 1. Segundo já decidiu esta Corte Superior, "o direito de presença do réu é desdobramento do princípio da ampla defesa, em sua vertente autodefesa, franqueando-se ao réu a possibilidade de presenciar e participar da instrução processual, auxiliando seu advogado, se for o caso, na condução, direcionamento dos questionamentos e diligências" (HC 419.393/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 20/08/2019, DJe 03/09/2019; sem grifos no original). 2. A despeito de não constituir direito absoluto, esta Corte posiciona-se no sentido da conveniência da participação do acusado nas audiências realizadas ao longo da persecução penal, como forma de melhor oportunizar o exercício das garantias constitucionais à ampla defesa e ao contraditório. 3. Ressalta-se que nem o texto Constitucional, nem a legislação infraconstitucional, condicionam o exercício do direito de presença ao prévio recolhimento do acusado à prisão. 4. Ordem de habeas corpus concedida para, confirmando a liminar, determinar ao Juízo de origem que autorize a participação virtual do Paciente na audiência de instrução e julgamento marcada para o dia 27/09/2022. (HC n. 751.644/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 14/9/2022, DJe de 27/9/2022).
Ante o exposto, não conheço do mandamus. Porém, concedo a ordem de ofício para possibilitar a participação do paciente de forma virtual na audiência de instrução e julgamento marcada para o dia 9/4/2025. Comunique-se, com urgência. Publique-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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