STJ Maio25 - Júri - Homicídio - Paciente reconhecido como Incapaz - Recambiamento da Prisão Preventiva Inadequada Para Estabelecimento Adequado à Medida de Segurança - tratamento ambulatorial

 Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

Trata-se de pedido liminar deduzido em sede de habeas corpus impetrado em favor de GILDEU CCCCCCCCCC, contra acórdão prolatado pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. Depreende-se dos autos que o paciente se encontra preso, cautelarmente, desde 14 de outubro de 2020, sob a acusação da prática de crimes tipificados no art. 121, §2º, incisos I, III, IV e VI do Código Penal, e artigo 5º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006- (fl. 15).

Irresignada, a Defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem. A ordem foi denegada pela Corte local, em acórdão (fls. 15-20). No presente writ, a Defesa alega, em linhas gerais, a existência de constrangimento ilegal consubstanciado no encarceramento provisório mantido em desfavor do Paciente, apontando a ocorrência de excesso de prazo.

Aduz que o Paciente está com sua liberdade restringida há mais de 4 anos na condição de preso preventivamente sem a finalização da instrução criminal (fl. 9). Requer: a) seja reconhecida a flagrante ilegalidade pelo excesso de prazo e, via de consequência, deferida, liminarmente– em face da evidência do direito e da urgência do cárcere –, ordem de HABEAS CORPUS em favor do paciente, para relaxar sua prisão preventiva, considerando-se ainda sua inimputabilidade e a desnecessidade da prisão no caso concreto; b) ao final, seja confirmada a decisão liminar, ainda que mediante aplicação de medidas cautelares diversas da prisão; c) na hipótese de não ser conhecida a presente petição, espera seja, pelo menos, concedida a ordem de ofício, porquanto flagrante o constrangimento ilegal a que submetido o paciente, nos termos do art. 654, § 2°, do CPP. (fl. 13).

A liminar foi indeferida (fls. 1495-1496). As informações foram prestadas (fls. 1506-1515).

Em parecer, o MPF opinou pela concessão da ordem para que "o paciente seja incluído em tratamento ambulatorial, até o surgimento da respectiva vaga em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico" (fls. 1521-1526).

É o relatório. DECIDO.

O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.

Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014.

Este é exatamente o caso dos autos, em que a presente impetração faz as vezes de recurso próprio. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.

No caso concreto, paciente encontra-se preso, desde 14/10/2020, na Unidade Prisional Especial Núcleo de Custódia de Aparecida de Goiânia, sendo denunciado pela suposta prática do crime do art. 121, §2º, incisos I, III, IV e VI, do CP, combinado com o artigo 5º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006. Sobreveio laudo pericial, concluindo que o paciente era inteiramente incapaz de se autodeterminar à época dos fatos, sendo determinada pelo juízo a internação provisória.

Em que pese a determinação e os esforços empreendidos pelo juízo, o paciente permaneceu em unidade prisional comum. Ocorre que a jurisprudência desta Corte entende que “Sendo aplicada ao recorrente a medida de segurança de internação, constitui constrangimento ilegal sua manutenção em prisão comum, ainda que o motivo seja a alegada inexistência de vaga para o cumprimento da medida aplicada (precedentes)” (HC n. 385.198/SC, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 23/5/2017, DJe de 6/6/2017).

Na mesma linha:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA. INIMPUTABILIDADE. INTERNAÇÃO. AUSÊNCIA DE VAGA EM ESTABELECIMENTO ADEQUADO. PRESÍDIO COMUM. FLAGRANTE ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE TRATAMENTO AMBULATORIAL. PERICULOSIDADE DO AGENTE. POSSÍVEL INSERÇÃO EM RESIDÊNCIA TERAPÊUTICA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça tem se firmado no sentido de reconhecer a ocorrência de constrangimento ilegal decorrente da inserção do inimputável em presídio comum para cumprimento de medida de segurança, ainda que não existam vagas no estabelecimento adequado. 2. Na hipótese em exame, constatado o encarceramento indevido do paciente em estabelecimento prisional comum, cabível sua transferência imediata a hospital de custódia. 3. Demonstrada, contudo, a alta periculosidade do agente, o tratamento ambulatorial como alternativa à ausência de vagas em hospital psiquiátrico não poderá ser implementado. 4. De forma subsidiária, em atenção à particular situação do paciente - que oferece risco à sociedade e a si mesmo quando em condições inadequadas -, possível seu acolhimento no programa de serviços residenciais terapêuticos, com limitações. 5. Ordem concedida para determinar a imediata transferência do paciente para hospital de custódia, em qualquer unidade da Federação, ou, esgotadas todas as possibilidades e constatada a ausência de vagas, sua inserção para tratamento em residência terapêutica. (HC n. 381.907/TO, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 14/8/2018, DJe de 27/8/2018.) EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FURTO. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA. DEPENDENTE QUÍMICO. MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO DE DESINTOXICAÇÃO. SEGREGAÇÃO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL COMUM. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Consoante entendimento deste Superior Tribunal, é indevida a segregação, em estabelecimento prisional comum, de inimputável submetido a medida de segurança de internação em hospital de custódia e tratamento, mesmo na hipótese de ausência de vaga nas instituições adequadas. 2. Recurso em habeas corpus a que se dá provimento, confirmando a liminar, a fim de determinar a imediata transferência do recorrente para hospital de custódia e tratamento para desintoxicação o ou, na falta de vaga, permitir que ele aguarde o surgimento desta em regime de tratamento ambulatorial. (RHC n. 73.677/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 16/5/2017, DJe de 19/5/2017.) EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. PRÉVIO MANDAMUS DENEGADO. PRESENTE WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. VIA INADEQUADA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA. INTERNAÇÃO. ESTABELECIMENTO ADEQUADO. AUSÊNCIA DE VAGA. INCLUSÃO DO PACIENTE EM PENITENCIÁRIA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Conquanto tratar-se de mandamus substitutivo de recurso ordinário, proceder-se-á ao exame da alegação defensiva de flagrante ilegalidade. 2. Viola o princípio da individualização da pena, cujo espectro de incidência é ampliado, teleologicamente, para englobar a medida de segurança, a segregação, em penitenciária, de inimputável que aguarda vaga em hospital de custódia para receber tratamento em regime de internação. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de determinar a imediata inclusão do paciente em hospital de custódia, ou em tratamento ambulatorial, até que surja vaga para a internação. (HC n. 297.529/SP, relator Ministro Ericson Maranho (Desembargador Convocado do TJ/SP), relatora para acórdão Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 10/3/2015, DJe de 16/3/2015.)

Isso posto, no caso concreto, a despeito das informações prestadas, demonstrando o efetivo empenho para transferência do paciente para o estabelecimento adequado ao cumprimento da medida de segurança que lhe foi imposta, a providência, pelo que consta dos autos, não foi realizada até o presente momento.

No mesmo sentido, opinou o Parquet Federal, em parecer assim ementado (fls. 1521-1526):

"No presente caso, sendo aplicada ao recorrente a medida de segurança de internação, constitui constrangimento ilegal sua manutenção em prisão comum, ainda que o motivo seja a alegada inexistência de vaga para o cumprimento da medida aplicada. [...] Ante o exposto, o Ministério Público Federal manifesta-se pela concessão da ordem para que o paciente seja incluído em tratamento ambulatorial, até o surgimento da respectiva vaga em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico."

De se concluir, portanto, que mesmo diante do tempo pelo qual o paciente vem sendo mantido em prisão incompatível com a medida a ele imposta, vislumbro constrangimento ilegal pelo excesso de prazo no efetivo recambiamento para cumprimento em estabelecimento compatível com a medida de segurança imposta.

Ante o exposto com base no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus; todavia, concedo a ordem, de ofício, para determinar que o Juízo de origem promova, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, a transferência do paciente para hospital psiquiátrico ou estabelecimento compatível com a medida de segurança imposta ou, na impossibilidade de efetivação da medida, que a converta em tratamento ambulatorial Comunique-se, com urgência, o Juízo de Direito da Vara Criminal e Execuções Penais da Comarca de Descoberto/GO (Autos nº 5506613-78.2020.8.09.0158) e o Tribunal de Justiça. Publique-se. Intimem-se.

Relator

MESSOD AZULAY NETO

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 970788 - GO (2024/0487239-1) RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO, Publicação no DJEN/CNJ de 15/05/2025.)

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉GRUPO 02 Whatsaap de Jurisprudências Favoráveis do STJ e STF para A Advocacia Criminal

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STJ Jun24 - Consunção Aplicada entre Receptação e Adulteração de Sinal de Identificador de Veículos - Exclusão da Condenação da Receptação

STJ Fev25 - Execução Penal - Prisão Domiciliar para Mãe Com Filho Menor de 12 Anos se Aplica para Presas Definitivas

STJ Set24 - Júri - MP Proibido de Usar Documentos da Vida Pregressa do Réu em Plenário - Uso Como Argumento de Autoridade :"Direito Penal do Autor - Ilegalidade Absoluta"