STJ Jul25- Dosimetria Irregular - Estupro de Vulnerável - Bis In Idem no uso da Agravante da Condição de Criança (art. 61, II, h) para os Tipos dos Art. 217-a e Art. 218-a do CP
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus sem pedido de liminar impetrado em favor de E. G. DOS S. em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Consta dos autos que o paciente foi condenado às penas de 42 anos, 7 meses e 25 dias de reclusão no regime fechado e de 41 dias-multa, como incurso nas sanções dos arts. 217-A, c/c o art. 71, e 218-B, c/c o art. 71, todos do CP, em concurso material. A impetrante sustenta que haveria bis in idem na incidência da agravante do art. 61, II, h (contra criança), nos crimes de estupro de vulnerável e favorecimento à prostituição ou exploração sexual de criança.
Além disso, aponta a necessária exclusão da causa de aumento do art. 226, I (concurso de pessoas), do CP no tocante ao delito do art. 218-B, alegando que não houve coautoria, tendo sido o corréu condenado apenas por estupro de vulnerável.
Requer a concessão da ordem para que a pena seja reduzida. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo parcial provimento da ordem, a fim de excluir a agravante genérica do art. 61, II, h, do Código Penal, mantendo-se, contudo, a causa de aumento do art. 226, I, do CP (fls. 64-68).
É o relatório.
O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável a utilização do habeas corpus como sucedâneo de recurso próprio, previsto na legislação, impondo-se o não conhecimento da impetração. Sobre a questão, confiram-se os seguintes julgados desta Corte Superior:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. ABSOLVIÇÃO IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS NA FLUÊNCIA DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS NA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. 1. "O writ foi manejado antes do dies ad quem para a interposição da via de impugnação própria na causa principal, o recurso especial. Dessa forma, a impetração consubstancia inadequada substituição do recurso cabível ao Superior Tribunal de Justiça, não se podendo excluir a possibilidade de a matéria ser julgada por esta Corte na via de impugnação própria, a ser eventualmente interposta na causa principal" (AgRg no HC n. 895.954/DF, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo - Desembargador Convocado do TJSP, Sexta Turma, julgado em 12/8/2024, DJe de 20/8/2024.) 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 939.599/SE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 23/10/2024, DJe de 28/10/2024 – grifo próprio.) DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto por Pablo da Silva contra decisão monocrática que não conheceu de habeas corpus, com base no entendimento de que o habeas corpus foi utilizado em substituição a revisão criminal. O agravante foi condenado a 1 ano de reclusão, com substituição da pena por restritiva de direitos, pela prática de furto (art. 155, caput, CP). A defesa pleiteou a conversão da pena restritiva de direitos em multa, alegando discriminação com base na condição financeira do paciente. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é cabível o conhecimento do habeas corpus utilizado em substituição à revisão criminal; e (ii) estabelecer se a escolha da pena restritiva de direitos, em vez de multa, configura discriminação por condição financeira. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O habeas corpus não é admitido como substituto de revisão criminal, conforme a jurisprudência consolidada do STJ e do STF, ressalvados casos de flagrante ilegalidade. 4. Não houve demonstração de ilegalidade evidente na escolha da pena restritiva de direitos, sendo esta compatível com a natureza do crime e as condições pessoais do condenado. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de revisão criminal, salvo em casos de flagrante ilegalidade. 2. A escolha de pena restritiva de direitos, em substituição à privativa de liberdade, não configura discriminação por condição financeira, desde que adequadamente fundamentada. Dispositivos relevantes citados: Código Penal, art. 155; STJ, AgRg no HC 861.867/SC; STF, HC 921.445/MS. (AgRg no HC n. 943.522/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 22/10/2024, DJe de 4/11/2024 – grifo próprio.)
Portanto, não se pode conhecer da impetração.
A propósito do disposto no art. 647-A do CPP, verifico que o acórdão impugnado possui ilegalidade flagrante que permite a concessão da ordem de ofício no que se refere à aplicação da agravante do art. 61, II, h, do CP, nos delitos dos arts. 217-A e 218-B.
Nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, é vedada a consideração da condição de criança ou adolescente da vítima como agravante genérica, nos crimes previstos nos arts. 217-A e 218-B do Código Penal, pois tal circunstância já integra a elementar dos respectivos tipos penais, o que configura flagrante hipótese de bis in idem.
O art. 217-A, caput, do Código Penal criminaliza a prática de conjunção carnal ou de outro ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos, o que já pressupõe a vulnerabilidade da vítima. Do mesmo modo, o art. 218-B do mesmo diploma exige como sujeito passivo pessoa menor de 18 anos ou vulnerável. Nesse sentido:
PROCESSO PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 217-A, CAPUT, C.C. O ART. 226, II, E ART. 225, PARÁGRAFO ÚNICO, TODOS DO CÓDIGO PENAL. NULIDADE. INTIMAÇÃO DA DATA DE SESSÃO DE JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. DEFENSOR CONSTITUÍDO. CIÊNCIA PELA IMPRENSA OFICIAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. DOSIMETRIA. SEGUNDA FASE. RECONHECIDA A INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, H, DO CP (CRIME COMETIDO CONTRA CRIANÇA). BIS IN IDEM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. AFASTAMENTO DA AGRAVANTE. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE. 1. A intimação de defensor, constituído pelo réu, da data da sessão de julgamento do recurso de apelação, por meio da imprensa oficial, não acarreta nulidade do julgamento. 2. O artigo 217-A do Código Penal dispõe sobre o crime de estupro cometido contra pessoa menor de 14 anos, o que torna inviável à exasperação da pena, na segunda fase da dosimetria, em razão da incidência da agravante prevista no art. 61, II, h, do Código Penal (crime cometido contra criança), sob pena de bis in idem. Na espécie, deve ser afastada a referida agravante, diante da ocorrência de bis in idem. 3. Ordem parcialmente concedida, a fim de reduzir a pena do paciente para 12 (doze) anos de reclusão, mantidos os demais termos da condenação. (HC n. 396.017/SP, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 22/8/2017, DJe de 31/8/2017.) HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. NULIDADE DO PROCESSO E ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. SEGUNDA FASE DA DOSIMETRIA. AGRAVANTE DO ART. 61, II, "H", DO CÓDIGO PENAL. BIS IN IDEM. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. As instâncias antecedentes, ainda que de modo implícito, entenderam pela desnecessidade da realização de laudos para reforço na formação da convicção, dadas as demais provas já produzidas. 2. O Juiz sentenciante - no que foi corroborado pela Corte de origem -, após toda a análise do conjunto fático-probatório amealhado aos autos, concluiu pela existência de elementos concretos, coesos e idôneos a ensejar a condenação do paciente pelo crime de estupro de vulnerável, sendo certo que o Tribunal estadual, por ocasião do julgamento da apelação, apresentou fundamentação suficiente para a manutenção da sentença condenatória quanto ao referido crime. 3. Não é cabível a apreciação do pedido de anulação do processo, nem de absolvição, pois, além da constatada regularidade das decisões proferidas pelas instâncias de origem, a alteração da convicção motivada da instância ordinária demandaria reexame aprofundado do quadro fático-probatório, inviável no rito de cognição sumária da ação constitucional. 4. A agravante do art. 61, II, "h", do Código Penal não pode ser considerada na segunda etapa da dosimetria, tendo em vista que o tipo inserto no art. 217-A do Código Penal, com redação dada pela Lei n. 12.015/2009, já considerou como sendo vulnerável a pessoa menor de 14 anos. Bis in idem configurado. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reduzir a pena para 25 anos de reclusão. (HC n. 344.277/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 8/3/2016, DJe de 15/3/2016.)
De outro lado, quanto à aplicação da majorante do art. 226, I, do Código Penal, que prevê causa de aumento de pena quando o crime contra a liberdade sexual é cometido em concurso de pessoas, não se vislumbra ilegalidade.
No caso dos autos, o Tribunal de origem consignou que o paciente atuou em unidade de desígnios com o corréu ao permitir a exploração sexual da filha em troca de dinheiro, cedendo espaço e promovendo os encontros para os abusos. Confira-se (fls. 19-20):
Há que se registrar que os crimes foram praticados na forma do art. 226, II, do CP, eis que o Réu era pai da vítima, prevalecendo-se da autoridade exercida para praticar os abusos sexuais. Deve, pois, ser mantida a aludida causa de aumento. Finalmente, mantenho a causa de aumento do art. 226, I, do CP, corretamente aplicada no crime de favorecimento à prostituição. Como robustamente visto, João Tonelli, vizinho da vítima, tinha a permissão de Eliandro para entrar em sua casa e tomar café com a família. Ademais, Eliandro obrigava a menor praticar sexo com João e permitia que este praticasse sexo com ela, em troca de dinheiro. O dinheiro, inclusive, ia para o pai da vítima. Eliandro, portanto, era o autor intelectual do crime de favorecimento à prostituição, eis que ele convidava João Tonelli para sua casa, bem como fornecia o espaço e os meios para este praticar os abusos. Logo, é patente que os Réus agiram em unidade de desígnios para a prática do crime em questão, incidindo, portanto, a causa de aumento do concurso de agentes.
Embora o corréu não tenha sido condenado especificamente pelo delito previsto no art. 218-B do Código Penal, a participação conjunta e consciente dos agentes na consecução do fato típico imputado ao paciente é suficiente para a caracterização do concurso de pessoas, nos termos do art. 29 do Código Penal.
A coautoria pode ser reconhecida mesmo na ausência de condenação simultânea dos corréus pelo mesmo tipo penal, desde que evidenciado o liame subjetivo e a atuação conjunta no fato. Além disso, a pretensão defensiva demandaria revolvimento fático-probatório, para infirmar a existência de coautoria no crime de exploração sexual da vítima, providencia incompatível com os estreitos limites do rito do habeas corpus.
Assim, ausente ilegalidade evidente, não há como afastar a majorante prevista no art. 226, I, do CP. Ante o exposto, na forma do art. 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício para afastar a incidência da agravante do art. 61, II, h, do Código Penal em relação aos crimes dos arts. 217-A e 218-B do Código Penal, devendo ser redimensionadas as penas pelo Juízo da execução ou pelas instâncias ordinárias. Comunique-se. Publique-se. Intimem-se.
Relator
OG FERNANDES
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