STJ Jul25 - Dosimetria Irregular - Homicídio - Agravante da Reincidência Aplicada com Base no Interrogatório do Réu na Sessão do Júri :(i) inexistência de documentos aos autos; (ii) Inexistência de debates; (iii) inexistência de quesitação sobre o tema

 Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO Trata-se de agravo regimental interposto por SCCCCCCCCCCI contra a decisão que não conheceu do habeas corpus por ser substitutivo de recurso próprio.

A parte agravante reitera os argumentos deduzidos na impetração, informando que foi condenado pelo Tribunal do Júri de Foz do Iguaçu/PR à pena de 19 anos e 3 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I e III, do Código Penal).

Sustenta a defesa, em síntese, que a reincidência não poderia ter sido considerada na dosimetria da pena, sob o argumento de que não houve menção à referida agravante nos debates em plenário, tampouco quesitação sobre o tema aos jurados, devendo, por conseguinte, ser afastada a majoração da reprimenda.

Aduz, assim, que a decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus merece ser reformada, requerendo o conhecimento e provimento do recurso, com o consequente redimensionamento da pena.

É o relatório.

Com fundamento no § 3º do art. 258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, reconsidero a decisão agravada e, preenchidos os requisitos de admissibilidade do agravo, passo a novo exame do habeas corpus.

Conforme consignado na decisão agravada, o presente habeas corpus foi impetrado em substituição a recurso próprio, providência que não vem sendo admitida por esta Corte Superior. A esse respeito, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC n. 535.063/SP, firmou o entendimento de que não cabe habeas corpus substitutivo de recurso próprio, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada alguma teratologia no ato judicial impugnado (relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de 25/8/2020).

Todavia, revendo os autos, à luz de recentes precedentes da Sexta Turma, especialmente o AgRg no HC n. 798.685/DF, relator Ministro Teodoro Silva Santos, DJe de 15/3/2024, reconhece-se a existência de ilegalidade manifesta na consideração da reincidência com base exclusivamente em declarações prestadas pelo réu durante seu interrogatório em plenário, o que não satisfaz o requisito de efetivo "debate em plenário" previsto na jurisprudência.

Confira-se: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. WRIT SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO CABIMENTO. ILEGALIDADE FLAGRANTE EVIDENCIADA. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE DEBATE. UTILIZAÇÃO DO INTERROGATÓRIO DO RÉU. INCABÍVEL. ÔNUS DA ACUSAÇÃO. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. PENA REDIMENSIONADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Embora seja incognoscível o habeas corpus substitutivo de revisão criminal, se reconhecida manifesta ilegalidade, é possível, nos termos do art. 654, § 2.º, do Código de Processo Penal, a concessão da ordem ex officio pelo Superior Tribunal de Justiça em controvérsias já analisadas em segundo grau de jurisdição. 2. No âmbito do Júri, o Juiz presidente somente poderá considerar, no momento da dosimetria da pena, as circunstâncias agravantes e atenuantes alegadas nos debates, conforme regra expressa constante do art. 492, inciso I, alínea b, do Código de Processo Penal. 3. Ao ressaltar que a questão foi debatida em plenário, o Tribunal de origem se limitou a afirmar que o Acusado, durante o seu interrogatório, afirmou que ostenta duas condenações criminais anteriores. Vê-se que a orientação exposta no acórdão impugnado diverge do entendimento desta Corte Superior, segundo o qual não se admite, "para fins do reconhecimento da reincidência, que a acepção da expressão 'debate em plenário' esteja calcada tão somente na autodefesa realizada pelo próprio acusado no momento do interrogatório, sob pena de subverter o próprio princípio estampado no brocardo nemo tenetur se detegere" (AgRg no AgRg no HC n. 525.453/MS, relator Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 23/6/2020, DJe de 1/7/2020). 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 798.685/DF, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 11/3/2024, DJe de 15/3/2024.) No mesmo sentido: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUNAL DO JÚRI. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE MENÇÃO À REFERIDA CIRCUNSTÂNCIA NOS DEBATES ORAIS EM PLENÁRIO. ÔNUS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 476 DO CPP. AGRAVO DESPROVIDO. 1. 'Com o advento da Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008 - a qual modificou o capítulo sobre o procedimento do júri -, as circunstâncias agravantes e atenuantes não mais são objeto de quesitação, de tal sorte que caberá ao magistrado considerá-las no momento da dosimetria da pena, em consonância com o que foi sustentado em plenário pelas partes, nos termos do art. 492, I, 'b' do Código de Processo Penal. Precedentes (AgRg no HC 580.498/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 24/8/2020)' (AgRg no HC 573.181/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 13/4/2021, DJe 16/4/2021) 2. Compete ao Ministério Público, nos termos do art. 476 do Código de Processo Penal, sustentar, se for o caso, a existência de circunstância agravante. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.919.373/PR, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 20/9/2021; grifei.) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. REVISÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 61, I, DO CP E 492, I, B, DO CPP. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. APLICAÇÃO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. AFASTADA PELO TRIBUNAL A QUO, ANTE A CARÊNCIA DE DEBATE EM PLENÁRIO. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. O Tribunal de origem dispôs que no que concerne à reincidência, a revisão criminal deve ser julgada parcialmente procedente para afastar a agravante, porquanto não debatida durante a sessão de julgamento do Tribunal do Júri (fl. 40). 2. Tendo a instância ordinária ressaltado que a questão atinente à agravante da reincidência não fora debatida em plenário, inviável o provimento do quanto requerido pelo agravante. 3. Compete ao Ministério Público, nos termos do art. 476 do Código de Processo Penal, sustentar, se for o caso, a existência de circunstância agravante (AgRg no REsp n. 1.919.373/PR, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 20/9/2021). 4. Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp n. 1.964.221/PR, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 2/5/2022; grifei)

No caso em exame, observa-se que a única menção à existência de condenações anteriores do paciente ocorreu no curso de seu interrogatório judicial. Destaco o trecho do acordão do Tribunal de origem (fls. 71-72):

Sendo assim, embora não haja, de fato, menção explícita à reincidência na Ata da Sessão Plenária (mov. 258.1, autos 0013793-65.2018.8.16.0030), é imprescindível destacar que o então acusado, em seu depoimento prestado em juízo, reconheceu, de forma clara e objetiva, que respondeu a outros processos. Portanto, a matéria relativa à reincidência foi efetivamente debatida em Plenário (mov. 257.1. Para corroborar essa afirmação, apresenta-se a transcrição realizada pela d. Procuradoria-Geral de Justiça, a qual foi minuciosamente verificada por este Relator, conforme se encontra registrado no mov. 14.1: JUÍZA: O Sr. tem outras passagens pela polícia, certo? SILVINO: Verdade, tenho JUÍZA: Por que motivo? SILVINO: O primeiro foi uma desavença com um vizinho lá, entendeu, que me perseguiu e usei a defesa para me defender. A segunda foi uma acidentalmente com outra pessoa lá, JUÍZA: Mas as acusações e as condenações, principalmente, que o Sr. teve foram por quais crimes? SILVINO: Tentativa de homicídio. JUÍZA: Uma condenação ou duas? SILVINO: Duas. JUÍZA: E quando o Sr. foi preso agora por esse fato, o Sr. já estava em liberdade condicional? SILVINO: Verdade, fiquei sabendo que estava em liberdade condicional quando fui preso, porque quando tirei a tornozeleira não chegou nenhum papel para mim explicando que eu estava em livramento condicional. JUÍZA: Quanto tempo o Sr. ficou preso por conta das outras condenações? SILVINO: Eu fiquei quase 5 anos, mas como trabalhei peguei 4 e pouco. JUÍZA: E dai Sr. saiu com a tornozeleira, o Sr. ficou quanto tempo com a tornozeleira? SILVINO: 1 ano. JUÍZA: Então quando aconteceu os fatos que estão sendo apurados hoje, o Sr. já não estava com a tornozeleira. SILVINO: Fazia 1 ano que estava sem a tornozeleira, só assinava no fórum [...].

Consoante se extrai, o réu, ao ser questionado pela magistrada, confirmou possuir duas condenações por tentativa de homicídio e que, à época dos fatos, estava em livramento condicional.

Não há, entretanto, nenhuma outra manifestação das partes ou debate efetivo entre acusação e defesa sobre a referida circunstância durante a sessão do Tribunal do Júri.

Logo, a consideração da reincidência no presente caso violou o devido processo legal e o princípio da não autoincriminação, havendo flagrante ilegalidade a autorizar a reconsideração da decisão anterior e a concessão da ordem de ofício.

Ante o exposto, reconsidero a decisão impugnada e, com amparo no art. 210 do RISTJ, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício para afastar a agravante da reincidência na segunda fase da dosimetria da pena, determinando ao juízo competente o redimensionamento da pena aplicada, com o necessário recálculo da reprimenda. Cientifique-se o Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se.

Relator

OG FERNANDES

(STJ - AgRg no HABEAS CORPUS Nº 994660 - PR (2025/0122018-4) RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES, Publicação no DJEN/CNJ de 10/07/2025.)

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