STJ Jul25 - Dosimetria Irregular - Homicídio - Bis in Idem - Afastamento da Qualificado do Perigo comum pelo Júri :(i) circunstâncias - uso de arma de fogo acentuou a periculosidade da ação e colocou em risco a integridade de terceiras pessoas [júri afastou a qualificadora do perigo comum]; (ii) culpabilidade - quantidade de tiros disparados [aspecto abrangido pela qualificadora da dificuldade de defesa da vítima}.
DECISÃO
JOÃO CXXXXXXXXXXX agravou contra a decisão monocrática desta relatoria que não conheceu do habeas corpus, por sua vez, impetrado contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO proferido no julgamento da Apelação Criminal n. 007386-94.2020.8.19.0028.
O paciente foi condenado em primeira instância pela prática de crime de homicídio qualificado. A defesa interpôs apelação perante o Tribunal de origem, o qual negou provimento ao recurso nos termos do acórdão que restou assim ementado (fls. 9/14):
" APELAÇÃO. TRIBUNAL DO JÚRI. IMPUTAÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 121, § 2º, INCISOS I, III, IV E V, NA FORMA DO ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL, POR DUAS VEZES, EM CONCURSO MATERIAL. DECISÃO DOS JURADOS QUE CONDENOU O ACUSADO COMO INCURSO NAS SANÇÕES DO ARTIGO 121, § 2º, INCISOS I, IV E V, NA FORMA DO ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL, POR DUAS VEZES, EM CONCURSO MATERIAL. RECURSO DEFENSIVO PUGNANDO À SUBMISSÃO DO RÉU A NOVO JULGAMENTO, AO ARGUMENTO DE SER O VEREDITO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. NÃO INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 593, INCISO III, “D”, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONJUNTO PROBATÓRIO APTO A PRESTIGIAR A VERSÃO DO MEMBRO DO PARQUET. DECISÃO CONDENATÓRIA QUE SE REVELA CONDIZENTE COM A PROVA DOS AUTOS. REDUÇÃO DO PATAMAR DE AUMENTO DAS PENAS BASE E INTERMEDIÁRIAS QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Recurso de apelação interposto pelo réu, João Victor Pessanha Azeredo, representado por advogado constituído, hostilizando a sentença proferida pelo Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Macaé, o qual, em conformidade com o decidido pelos jurados componentes do Conselho de Sentença, julgou procedente em parte a pretensão punitiva estatal e condenou o mencionado acusado pela prática do crime previsto no artigo 121, § 2º, incisos I, IV e V, na forma do artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, por duas vezes, em concurso material, às penas de 22 (vinte e dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento das despesas processuais, sendo-lhe negado o direito de recorrer em liberdade. Preambularmente, deve-se registrar que, a Constituição da República consagrou no artigo 5º, inciso XXXVIII, no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, a instituição do Tribunal do Júri, atribuindo-lhe a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e garantindo-lhe a soberania dos veredictos decorrentes. Em tal julgamento de conotação leiga, são confrontados os valores sociais e princípios ético-morais da sociedade, cujo pronunciamento meritório do Corpo de Jurados representa uma exceção à regra do artigo 93, inciso IX, Carta Republicana, “razão pela qual não se exige motivação ou fundamentação das decisões do Conselho de Sentença, fazendo prevalecer, portanto, como sistema de avaliação das provas produzidas, a íntima convicção ou a certeza moral dos jurados”. (S.T.J., Rel. Min. Sebastião Reis, 6ª T., HC 162990/DF, julg. em 05.12.2012). Na hipótese vertente, o veredicto condenatório proferido pelo Conselho de Sentença apresenta-se em total consonância com o conjunto probatório produzido nos autos. Com efeito, a materialidade e a autoria delitivas resultaram, inequivocamente, demonstradas, por meio do Registro de Ocorrência de fls. 06/08, aditado às fls. 48/50, pelos Autos de Reconhecimento de Pessoa de fls. 09/10 e 21/22, pelos Termos de Declaração de fls. 11/12, 14/15, 16/17 e 23/24, pelos Laudos de Exame de Corpo Delito de Lesão Corporal de fls. 25/26 e 27/29, além da contundente prova oral produzida ao longo da instrução criminal, rechaçando-se a alegação defensiva de que a decisão dos jurados fora manifestamente contrária à prova dos autos, inclusive quanto às qualificadoras reconhecidas. Por certo, os depoimentos prestados em Plenário, pelas testemunhas arroladas pela Acusação e pelas vítimas, são coerentes e harmônicos entre si, aptos a embasar a narrativa descrita na inicial acusatória. Cumpre observar que o fato de as vítimas terem se equivocado em relação ao corréu, Luís Paulo dos Santos Dias Júnior, absolvido nos termos da decisão de fls. 431/438, integrada às fls. 486/487, se justifica pelo fato de o outro indivíduo envolvido nas tentativas de homicídio não ter descido do veículo utilizado na empreitada criminosa. No entanto, tal não ilide a robustez da narrativa dos ofendidos, no tocante ao ora recorrente, que desceu do carro e ficou próximo aos mesmos. Insta salientar, por relevante, que o ônus da prova fica a cargo da Defesa do réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo, vez que o art. 156 do C.P.P. se aplica a ambas as partes, no processo penal. Tal vem explicitado, também, no artigo 373, incisos I e II, do C.P.C/2015. Na espécie dos autos, além da completa inverossimilhança da tese defensiva e sua impertinência frente às circunstâncias dos fatos, não há qualquer elemento probatório convincente, com produção a cargo da Defesa (C.P.P., art. 156), postado no sentido de eximir o réu apelante da responsabilidade penal a ele imputada. Outrossim, sequer haveria que se falar em decisão contrária à prova dos autos tão somente em relação às qualificadoras devidamente reconhecidas, uma vez que constam, in casu, elementos suficientes, no sentido de que o acusado agiu por motivo torpe, em razão de disputas entre facções criminosas. Além disso, indiscutível que os delitos de homicídio tentado foram praticados com emprego de recurso que dificultou a defesa das vítimas, uma vez que os ofendidos foram surpreendidos por elementos armados, dentre eles o ora recorrente, tendo sido efetuados mais de trinta disparos contra os mesmos. Ademais, inegável que os crimes ora em comento foram praticados também com intuito de assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem dos crimes perpetrados pela facção a qual o ora apelante integrava, notadamente o tráfico de drogas, tendo em vista a notória rivalidade entre as organizações criminosas conhecidas como ‘Comando Vermelho’ e ‘ADA’. Portanto, dessume-se da prova dos autos que, o órgão do Ministério Público logrou comprovar a ocorrência dos fatos, conforme descritos na exordial oferecida, haja vista não ter sido produzido, pela Defesa, qualquer prova idônea a supedanear o arguido. Percebe-se, afinal, a existência de duas teses antagônicas entre si, contrapostas uma à outra, sendo certo que a opção dos jurados por uma delas não autoriza a anulação do julgamento, nos termos do que dispõe o artigo 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal. Ora, se diante do conjunto probatório, os jurados optaram pela tese ministerial, é induvidoso que, com supedâneo nas mesmas provas, segundo os princípios do livre convencimento e da íntima convicção que lhes é ínsito, no desempenho do munus que se lhes atribui, rejeitaram a tese defensiva. Decerto, a decisão dos jurados é soberana, conforme determina o art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “c”, da Constituição da República, não sendo possível o reexame da prova, mas somente a análise se é, ou não, o decisum prolatado pelos juízes naturais da causa contrário à prova dos autos. Precedentes jurisprudenciais. No caso, o entendimento adotado pelo Conselho de Sentença, no julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, encontra-se respaldado em provas produzidas na própria sessão plenária, e, tendo este optado por uma das vertentes apresentadas em Plenário, deve ser mantida a decisão soberana, proferida pelo Corpo de Jurados. No prumo dessa orientação, afigura-se incabível a pretensão defensiva de submissão do réu a novo julgamento pelo Tribunal do Júri, se a decisão condenatória se ancora nas firmes provas produzidas pela acusação. Diante dessa realidade fática, vê-se perfectibilizado, sob o manto do contraditório e da ampla defesa, um conjunto probatório seguro, harmônico e uníssono, a autorizar que o Corpo de Jurados votasse o veredito condenatório, em face do réu, João Victor Pessanha Azeredo, pela prática do crime previsto no artigo 121, § 2º, incisos I, IV e V, na forma do artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, por duas vezes, em concurso material, não havendo que se falar, assim, em decisão dos jurados manifestamente contrária às provas dos autos, devendo ser mantida a decisão soberana, proferida pelo Conselho de Sentença. Passa-se ao exame da dosimetria. No presente caso, o Juiz de piso, atento às circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, decidiu corretamente, ao recrudescer as penas-bases do réu nomeado, que atuou com extrema culpabilidade, considerando os diversos disparos de arma de fogo perpetrados, seus maus antecedentes, bem como as consequências do crime, em relação à vítima Arthur, que teve sequelas permanentes decorrentes das lesões sofridas. De outro vértice, verifica-se que, a exasperação das reprimendas iniciais se deu em patamar desproporcional e incompatível com o entendimento adotado pela jurisprudência dos tribunais superiores e acompanhado por esta Câmara Criminal. Dessa forma, impõe-se a redução do aumento realizado na primeira fase da dosimetria, sendo adequado ao feito o patamar de 1/5 (um quinto), para o delito perpetrado contra a vítima Yan, e de 1/4 (um quarto), para o crime praticado contra o lesado Arthur. Na segunda fase, acertada a utilização das qualificadoras excedentes, para exasperar a reprimenda intermediária, devendo ser feito pequeno ajuste para que o aumento seja o mesmo para as duas tentativas de homicídio, já que igual o número dos referidos moduladores, devendo ser fixado o patamar de 1/5 (um quinto), proporcional e adequado, considerando todas as especificidades do caso em questão. Dessa forma, mantidos os demais parâmetros utilizados pelo Juiz primevo, resulta a pena definitiva do acusado sedimentada em 17 (dezessete) anos, 07 (sete) meses e 20 (vinte) dias de reclusão. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO."
No presente writ, a defesa sustenta a ocorrência de erro na dosimetria da pena, especialmente na majoração da pena-base pelo vetor culpabilidade, que teria sido desvalorado indevidamente, uma vez que a qualificadora de perigo comum foi rejeitada pelos jurados. Sustenta que a fração de 1/3 utilizada para exasperar as penas intermediárias foi excessiva e não adequadamente motivada, merecendo reforma para aplicação da fração de 1/5.
O Ministério Público Federal—MPF manifestou-se pela requisição de informações, conforme parecer de fls. 56/57. A decisão agravada não conheceu do habeas corpus, por falta de juntada da sentença condenatória, documento essencial (fls. 60/63).
No agravo regimental, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro apresenta a cópia da sentença e pede a reconsideração da decisão agravada (fls. 73/74).
É o relatório. Decido.
Superada a deficiência de instrução deste writ, reconsidero a decisão monocrática e passo a avaliar as razões da impetração para eventual concessão da ordem de ofício.
As insurgências da impetração dirigem-se contra a negativação do vetor da culpabilidade na pena-base, assim como aplicação da fração de aumento de 1/5 na segunda fase da dosimetria, diante da presença de duas agravantes.
As instâncias precedentes trataram destas questões da seguinte forma:
" O Ministério Público ofereceu denúncia em face de JOÃO VICTOR PESSANHA AZEREDO, qualificado nos autos em epígrafe, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 121, §2º, I, III, IV e V, na forma do art. 14, II, duas vezes, nos termos do art. 69 do Código Penal. O réu foi pronunciado, conforme decisão de fls. 431/438. Esgotados todos os trâmites procedimentais, o Conselho de Sentença, reconheceu a materialidade do delito, atribuindo a autoria ao acusado JOÃO VICTOR PESSANHA AZEREDO, tudo por maioria. Reconheceu, ainda, por maioria, as qualificadoras previstas no art. 121, §2º, I, IV e V, do Código Penal. Ante o exposto, atendendo à vontade soberana do Egrégio Conselho de Sentença desta comarca, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia para condenar JOÃO VICTOR PESSANHA AZEREDO nas sanções do art. 121, §2º, I, IV e V, na forma do art. 14, II, duas vezes, nos termos do art. 69 do Código Penal. [...] a) 1ª fase De início, verifica-se que o Conselho de Sentença reconheceu a presença de quatro qualificadoras. Desta forma, utilizo uma das qualificadoras (motivo torpe) para alterar, em abstrato, as escalas penais. Nos termos do art. 59, do Código Penal, verifico que a culpabilidade extrapola ao usual dos tipos penais, porquanto o acusado, para cometer os delitos, empregou arma de fogo, fato que, inegavelmente, acentuou a periculosidade da ação, colocando em risco a integridade física de terceiras pessoas, considerando-se o potencial lesivo de aparatos bélicos. Registre-se, ainda, que a vítima YAN narrou, em juízo, que foram efetuados mais de vinte disparos de arma de fogo, o que eleva o juízo de reprovabilidade da conduta. O réu ostenta antecedentes [...] Não disponho de elementos para valorar a conduta social e a personalidade do réu. Os motivos, de natureza torpe, foram utilizados para alterar, em abstrato, as escalas penais, não podendo ser nesta sede analisadas, sob pena de caracterização de bis in idem. As consequências do crime, em relação à vítima YAN, são usuais. Por outro lado, as consequências do delito, considerando o acusado ARTHUR, são graves. Ouvido em juízo, nesta oportunidade, o réu afirmou que, por força dos disparos de arma de fogo, sofre dores diuturnas e, em razão da lesão na perna, anda mancando. As vítimas em nada contribuíram para a prática dos crimes. HOMICÍDIO (vítima YAN) Presentes duas circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade e antecedentes), exaspero a pena base, fixando-a em 16 anos de reclusão. HOMICÍDIO (vítima ARTHUR) Presentes três circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade, antecedentes e consequências do crime), exaspero a pena base, fixando-a em 18 anos de reclusão. b) 2ª fase Como é cediço, o Conselho de Sentença reconheceu a presença de quatro qualificadoras. Em havendo pluralidade de qualificadoras, a primeira foi utilizada para alterar, em abstrato, as escalas penais. Por outro lado, utilizo as demais qualificadoras à guisa de agravante, nos termos do art. 61, II, "b" e "c", do Código Penal. Registre-se que, em caso de pluralidade de qualificadoras, a jurisprudência do STJ e do TJRJ é assente quanto à possibilidade de se utilizar uma delas para agravar o delito, caso a circunstância seja prevista, em lei, como agravante. Nesse sentido, trago à baila recente precedente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. [...] HOMICÍDIO (vítima YAN) Desta forma, verificando-se a presença de duas agravantes, agravo as sanções, fixando a pena intermediária em 21 anos e 04 meses de reclusão. HOMICÍDIO (vítima ARTHUR) Desta forma, verificando-se a presença de três agravantes, agravo as sanções, fixando a pena intermediária em 24 anos de reclusão. c) 3ª fase Considerando o iter criminis percorrido, na forma do art. 14, II, do Código Penal, verifica-se, à luz dos laudos periciais acostados aos autos (fls. 594/598), que as vítimas foram atingidas por disparos de arma de fogo. Contudo, em momento algum houve risco concreto de vida. Com efeito, conclui-se que o delito foi interrompido, por circunstâncias alheias à vontade do acusado, em uma etapa intermediária, a justificar o emprego da fração de diminuição no patamar de ½. HOMICÍDIO (vítima YAN) Em assim sendo, fixo a pena definitiva em 10 anos e 08 meses de reclusão. HOMICÍDIO (vítima ARTHUR) Em assim sendo, fixo a pena definitiva em 12 anos de reclusão. Procedendo ao somatório das sanções, na forma do art. 69 do Código Penal, alcança-se a pena definitiva de 22 anos e 08 meses de reclusão." (Sentença, fls. 75/78). "No presente caso, o Juiz de piso, atento às circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, decidiu corretamente, ao recrudescer as penas-bases do réu nomeado, que atuou com extrema culpabilidade, considerando os diversos disparos de arma de fogo perpetrados, seus maus antecedentes, bem como as consequências do crime, em relação à vítima Arthur, que teve sequelas permanentes decorrentes das lesões sofridas. De outro vértice, verifica-se que, a exasperação das reprimendas iniciais se deu em patamar desproporcional e incompatível com o entendimento adotado pela jurisprudência dos tribunais superiores e acompanhado por esta Câmara Criminal. Dessa forma, impõe-se a redução do aumento realizado na primeira fase da dosimetria, sendo adequado ao feito o patamar de 1/5 (um quinto), para o delito perpetrado contra a vítima Yan, e de 1/4 (um quarto), para o crime praticado contra o ofendido Arthur. Na segunda fase, acertada a utilização das qualificadoras excedentes, para exasperar a reprimenda intermediária, devendo ser feito pequeno ajuste para que o aumento seja o mesmo para as duas tentativas de homicídio, já que igual o número dos referidos moduladores, devendo ser fixado o patamar de 1/5 (um quinto), proporcional e adequado, considerando todas as especificidades do caso em questão. Dessa forma, mantidos os demais parâmetros utilizados pelo Juiz primevo, resulta a pena definitiva do acusado apelante sedimentada em 17 (dezessete) anos, 07 (sete) meses e 20 (vinte) dias de reclusão." (Voto do relator, fls. 24/25).
Foi necessário consulta processual no portal do Judiciário (www.jus.br) para conferir quantas foram as qualificadoras reconhecidas pelo Júri. Isto porque há menção em sua parte inicial de que a qualificadora do art. 121, §2º, III, não teria sido reconhecida, remanescendo três qualificadoras (incisos I, IV e V do mesmo parágrafo).
Em seguida, a sentença menciona, em duas ocasiões, que foram quatro as qualificadoras reconhecidas pelo Conselho de Sentença. De acordo com o termo de votação (Ação Penal n. 0007389-94.2020.8.18.0028):
"1ª SÉRIE (crime tentado em relação à vítima Arthur) 1) No dia 22 de Agosto de 2020, por volta das 20:15 h, em via pública na Rua Sessenta e Um, Parque Aeroporto, nesta cidade, a vítima ARTHUR SILVEIRA ALVES foi atingida por diversos disparos de arma de fogo, que atingiram o seu quadril e suas nádegas, causando-lhe as lesões descritas no AECD 4986/20? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS SIM, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1º, do CPP. 2) O denunciado JOÃO VICTOR PESSANHA AZEREDO efetuou diversos disparos de arma de fogo contra a vítima ARTHUR SILVEIRA ALVES? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS SIM, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1º, do CPP. 3) Assim agindo, o denunciado JOÃO VICTOR PESSANHA AZEREDO deu início à execução de um crime de homicídio, que somente não se consumou por circunstância alheia à sua vontade, em razão do socorro prestado por populares com a imediata hospitalização da vítima? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS SIM, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1º, do CPP. 4) O jurado absolve o acusado JOÃO VICTOR PESSANHA AZEREDO? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS NÃO, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1º, do CPP. 5) O crime foi cometido por motivo torpe, sendo motivados por disputa pelo controle do tráfico de drogas na localidade entre as organizações criminosas A.D.A (Amigo dos Amigos) e CV (Comando Vermelho), sendo a prática de crimes graves fator determinante na disputa e manutenção de pontos de comercialização de drogas no local? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS SIM, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1º, do CPP. 6) O crime foi praticado por meio de que poderia resultar perigo comum, já que praticado em via pública, e ainda, em período de calamidade pública causada pela pandemia de COVID-19, consoante Decreto Lei nº 06 de 20.03.2020? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS NÃO, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1º, do CPP. 7) O crime foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, que foi surpreendida mediante emboscada, estando desarmada, e sendo alvejada incontáveis vezes por disparos de armas de fogo? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS SIM, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1º, do CPP. 8) O crime foi praticado a fim de assegurar a vantagem de outros crimes, já que o denunciado queria eliminar adversários, os quais poderiam comprometer o sucesso da empreitada criminosa (tráfico de drogas) realizada pela facção que integra? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS SIM, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1º, do CPP. 2ª SÉRIE (crime tentado em relação à vítima Yan) 1) No dia 22 de Agosto de 2020, por volta das 20:15 h, em via pública na Rua Sessenta e Um, Parque Aeroporto, nesta cidade, a vítima YAN CARLOS OLIVEIRA DA SILVA, foi atingida por diversos disparos de arma de fogo, que atingiram sua coxa esquerda e sua região glútea, causando-lhe as lesões descritas no AECD 4987/20? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS SIM, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1°, do CPP. 2) O denunciado JOÃO VICTOR PESSANHA AZEREDO efetuou diversos disparos de arma de fogo contra a vítima YAN CARLOS OLIVEIRA DA SILVA? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS SIM, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1°, do CPP. 3) Assim agindo, o denunciado JOÃO VICTOR PESSANHA AZEREDO deu início à execução de um crime de homicídio, que somente não se consumou por circunstância alheia à sua vontade, em razão do socorro prestado por populares com a imediata hospitalização da vítima? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS SIM, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1°, do CPP. 4) O jurado absolve o acusado JOÃO VICTOR PESSANHA AZEREDO? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS NÃO, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1°, do CPP. 5) O crime foi cometido por motivo torpe, sendo motivados por disputa pelo controle do tráfico de drogas na localidade entre as organizações criminosas A.D.A (Amigo dos Amigos) e CV (Comando Vermelho), sendo a prática de crimes graves fator determinante na disputa e manutenção de pontos de comercialização de drogas no local? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS SIM, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1°, do CPP. 6) O crime foi praticado por meio que de que poderia resultar perigo comum já que praticado em via pública, e ainda, em período de calamidade pública em razão da pandemia de COVID-19, consoante Decreto Lei n° 06 de 20.03.2020? Resposta: MAIORIA DOS VOTOS NÃO, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1°, do CPP 7) O crime foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, que foi surpreendida mediante emboscada, estando desarmada, e sendo alvejada incontáveis vezes por disparos de armas de fogo? Resposta: MAIORIA DE VOTOS SIM, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1°, do CPP. 8) O crime foi praticado a fim de assegurar a vantagem de outros crimes, já que o denunciado queria eliminar adversários, os quais poderiam comprometer o sucesso da empreitada criminosa (tráfico de drogas) realizada pela facção que integra? Resposta: MAIORIA DE VOTOS SIM, encerrando-se a apuração, na forma do art. 483, §1°, do CPP."
Portanto, para ambas as vítimas, os jurados reconheceram as qualificadoras de motivo torpe (disputa de tráfico), recurso que dificultou defesa da vítima (emboscada e vários disparos de arma de fogo) e assegurar vantagem de outro crime (eliminar adversários).
Mas recusou a qualificadora do perigo comum (disparos de arma de fogo em via pública).
Tal como transcrito, o juiz sentenciante elegeu a qualificadora do motivo torpe como a principal, usada para modular as penas cominadas. Ficam como excedentes as qualificadoras de recurso que dificulta a defesa e a de vantagem de outro crime.
Tem razão à defesa ao se insurgir contra o incremento do vetor da culpabilidade.
O juiz sentenciante não poderia ter considerado que o uso de arma de fogo acentuou a periculosidade da ação e colocou em risco a integridade de terceiras pessoas, já que a qualificadora do perigo comum, que abarcava justamente estes aspectos, não foi admitida pelos jurados. Tampouco o vetor da culpabilidade poderia levar em consideração o grande número de disparos, porque tal aspecto foi abrangido pela qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, usada na segunda fase da dosimetria.
Neste sentido: PENAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. HOMICÍDIO SIMPLES. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS QUE SE CONFUNDEM COM ELEMENTARES DE QUALIFICADORAS NÃO RECONHECIDAS PELOS JURADOS. VIOLAÇÃO DA SOBERANIA DOS VEREDITOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. REDUÇÃO DA PENA AO MÍNIMO LEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. - O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, não tem admitido a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso próprio, prestigiando o sistema recursal ao tempo que preserva a importância e a utilidade do writ, visto permitir a concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. - O julgador possui discricionariedade vinculada para fixar a pena-base, devendo observar o critério trifásico (art. 68, do Código Penal), e as circunstâncias delimitadoras do art. 59 do Código Penal, em decisão concretamente motivada e atrelada às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente. Assim, a revisão desse processo de dosimetria da pena somente pode ser feita, por esta Corte, mormente no âmbito do habeas corpus, em situações excepcionais. - A ponderação das circunstâncias judiciais não constitui mera operação aritmética, em que se atribuem pesos absolutos a cada uma delas, mas sim exercício de discricionariedade vinculada, devendo o Direito pautar-se pelo princípio da proporcionalidade e, também, pelo elementar senso de justiça. - A defesa argumenta que a motivação empregada para exasperar a sanção básica do paciente seria inidônea, porque a descrição das circunstâncias legitimadoras do incremento punitivo confundir-se-ia com qualificadoras não reconhecidas pelo Conselho de Sentença. - Veda-se que o juiz presidente do Tribunal do Júri, desrespeitando a soberania dos vereditos, reconheça, na prática, as mesmas qualificadoras não admitidas pelo Conselho de Sentença, em violação reflexa ao que foi decidido. - Quanto à personalidade, constata-se que sua valoração negativa decorreu da futilidade da motivação que levou o agente à realização do crime. Contudo, a referida circunstância constitui qualificadora do delito de homicídio, prevista no artigo 121, § 2º, inciso II, do Código Penal, e, como tal, deveria ter constado da denúncia e da sentença de pronúncia, para que, sobre ela, se pronunciasse o Tribunal do Júri e também a defesa, de maneira que a sua retomada, por ocasião da dosimetria da pena, viola o princípio do contraditório e provoca usurpação da competência do Conselho de Sentença. - As circunstâncias do crime, por sua vez, foram desfavorecidas pelo elemento surpresa presente na agressão do paciente. Este modus operandi consubstancia recurso que dificultou a defesa do ofendido, nos termos do art. 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, também não podendo ser recuperado pelo juiz singular, por incompatibilidade com o veredicto dos jurados. - Redimensionada a reprimenda, com a pena-base fixada no mínimo legal e sendo o paciente réu primário, além de lhe haver sido imposto novo quantum definitivo que não mais justifica, por si, o regime inicialmente fechado, deve a ordem ser concedida para abrandar o regime para a modalidade intermediária, nos termos do art. 33, § 2º, alínea 'b', e § 3º, do Código Penal. - Habeas corpus não conhecido. - Ordem concedida, de ofício, para reduzir a pena definitiva do paciente ao novo patamar de 6 anos de reclusão, em regime inicialmente semiaberto, mantidos os demais termos da condenação. (HC n. 476.618/PE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/2/2019, DJe de 1/3/2019.)
Na primeira fase da dosimetria, as penas-bases devem ser reajustadas para se considerar neutro o vetor de culpabilidade. O Juiz de primeiro grau se valera do critério do aumento de 1/6 da pena mínima para cada vetorial (2 anos de acréscimo para cada vetor) na exasperação da pena-base, tendo sido aplicado aumento de 2/6 com relação à vítima Yan (pena-base de 16 anos de reclusão) e 3/6 para a vítima Arthur (pena-base de 18 anos reclusão).
Este critério estava em plena consonância com remansosa jurisprudência do STJ. "[...] 4. A jurisprudência reconhece a discricionariedade do julgador na escolha do critério de exasperação da pena-base, admitindo a utilização da fração de aumento de 1/6 sobre pena mínima abstratamente cominada para o delito ou 1/8 sobre o intervalo entre as penas mínima e máxima abstratamente cominadas, ressalvadas as hipóteses em que haja fundamentação idônea e bastante que justifique aumento superior às frações acima mencionada [...]" (AgRg no AgRg no AREsp n. 2.497.407/PR, minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 22/10/2024, DJe de 25/10/2024).
Entretanto, em segundo grau, foi aplicado um critério mais benevolente do que o preconizado pelo STJ para exasperação da pena-base, tendo-se aplicado uma progressão análoga àquela prevista no enunciado da Súmula n. 659 do STJ para unificação de penas por continuidade delitiva ("A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações.").
Como nesta impetração a situação do paciente não pode ser agravada, mantém-se este critério eleito pelo TJRJ, aplicando-se a fração de aumento de 1/6 (um vetor negativo) quanto à vítima Yan e 1/5 (dois vetores negativos) quanto à vítima Arthur. Quanto à vitima Yan fica redimensionada a pena-base para 14 anos de reclusão; quanto à vítima Arthur, pena-base para 14 anos 4 meses e 24 dias de reclusão. Quanto ao aumento aplicado na segunda fase da dosimetria, não há interesse na impetração, haja vista que o Tribunal de origem já havia reformado a sentença para, diante das duas qualificadoras remanescentes, apreciadas como agravantes, aplicar a fração de aumento de 1/5.
Assim, a pena intermediária quanto à vítima Yan é de 16 anos 9 meses e 18 dias de reclusão; e quanto à vítima Arthur, de 17 anos 3 meses e 10 dias de reclusão. Na terceira fase, a causa de redução de pena da tentativa foi aplicada na fração de 1/2, de modo que a pena definitiva quanto à vítima Yan é de 8 anos 4 meses e 24 dias de reclusão; e a pena definitiva quanto à vítima Arthur é de 8 anos 7 meses e 22 dias. As penas somadas (concurso material) são de 17 anos e 16 dias de reclusão. Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, c/c art. 203, II, do Regimento Interno do STJ, não conheço do habeas corpus, entretanto, concedo a ordem, de ofício, para redimensionar a pena de reclusão imposta ao paciente para 17 anos e 16 dias. Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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