STJ Jul25 - Homicídio - Afastamento da Qualificado do Meio Cruel e Dificultou a Defesa da Vítima :incompatibilidade das qualificadoras objetivas com o dolo eventual"

 Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO

Cuida-se de recurso especial interposto por CAYO XXXXXXXXS, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em julgamento do Recurso em Sentido Estrito n. 5002298-76.2024.8.21.0130.

Consta dos autos que o recorrente foi pronunciado pela prática dos delitos tipificados no art. 121, § 2º, incisos III e IV, na forma do art. 18, inciso I, do Código Penal (homicídio qualificado); art. 121, §2°, incisos III e IV, combinado com o § 4º, na forma do art. 18, inciso I, do Código Penal (homicídio qualificado majorado); art. 125, caput, combinado com art. 18, inciso I, do Código Penal (aborto provocado por terceiro); art. 121, § 2°, incisos III e IV, combinado com o art. 14, II, na forma do art. 18, inciso I, do Código Penal (tentativa de homicídio qualificado); art. 121, § 2°, incisos III, IV e IX, combinado com o art. 14, II, na forma do art. 18, inciso I, por duas vezes, do Código Penal (tentativa de homicídio qualificado); e art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (fuga do local de acidente), todos na forma do art. 69 do Código Penal, decorrentes de acidente de trânsito ocorrido na Rodovia BR-290, próximo ao KM 350, em São Sepé/RS. Recurso em sentido estrito interposto pela defesa foi desprovido pelo Tribunal de origem para manter a decisão de pronúncia (fl. 159).

O acórdão ficou assim ementado:

DIREITO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DELITOS DE HOMICÍDIO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO, ABORTO E FUGA DE LOCAL DE ACIDENTE. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PRONÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE. DOLO EVENTUAL. CRIME CONEXO. SUBMISSÃO AO TRIBUNAL DO JÚRI. I. CASO EM EXAME: Recurso em sentido estrito interposto pela defesa contra decisão que pronunciou o réu pelos delitos de homicídio qualificado (duas vezes) e tentativa de homicídio (três vezes), além de aborto, imputados com fundamento na prática de acidente de trânsito sob a influência de álcool e em alta velocidade, em tese, com dolo eventual, além do delito conexo de fuga do local de acidente de trânsito (art. 305, CTB). Pretensão recursal direcionada à absolvição sumária, desclassificação para a modalidade culposa ou impronúncia, entre outros pedidos cumulativos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: as questões em discussão são as seguintes: (a) se estão presentes os requisitos para a pronúncia; (b) se os fatos classificados como homicídios qualificados, consumados e tentados, devem ser desclassificados para a modalidade culposa; (c) se é viável de submissão do caso ao julgamento pelo Tribunal do Júri em relação à imputação de prática do crime de aborto; (d) se há elementos suficientes para a manutenção das qualificadores; (e) se deve ser mantida a pronúncia do delito conexo deve; (f) se deve ser reconhecido o concurso formal de crimes. III. RAZÕES DE DECIDIR: 1. A pronúncia exige a demonstração da materialidade e indícios suficientes de autoria, conforme previsto no art. 413 do CPP. Os laudos periciais e os depoimentos colhidos apontam para a materialidade do fato e indícios suficientes da autoria. 2. A análise dos elementos subjetivos da conduta, como o dolo eventual, e a valoração das provas relativas à assunção do risco dos resultados, compete exclusivamente ao Tribunal do Júri, juízo natural dos crimes dolosos contra a vida, sendo a indicação de elementos como a embriaguez e a velocidade do veículo conduzido pelo réu suficientes para fins de pronúncia. 3. Nos casos de homicídio na condução de veículo automotor, a desclassificação do delito para a modalidade culposa exige prova sólida, o que não se verifica no caso, dadas as circunstâncias de embriaguez e alta velocidade. 4. A pronúncia exige apenas prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, sendo incabível, neste momento processual, análise aprofundada quanto à certeza da presença de todos os elementos típicos do crime, sendo a previsibilidade do resultado em relação ao crime de aborto, para fins de pronúncia, a mesma relativa aos delitos das demais vítimas que se encontravam no automóvel, não podendo ser afastada, neste momento processual, a viabilidade do dolo eventual. 5. As qualificadoras do perigo comum e do recurso que dificultou a defesa das vítimas não se mostram manifestamente improcedentes e devem ser submetidas ao Conselho de Sentença. 6. A existência de indícios relativos ao crime de fuga do local do acidente justifica sua inclusão na pronúncia, nos termos do art. 78, I, do CPP, pela conexão com os crimes dolosos contra a vida. 7. O afastamento do concurso material deve ser apurado quando da fixação da pena e discutido em eventual recurso de apelação. IV. TESES E DISPOSITIVO DE JULGAMENTO: Teses de julgamento: 1. Para fins de pronúncia, a presença de elementos como alta velocidade e embriaguez são fatores aptos a caracterizar o dolo eventual em crimes de trânsito; 2. Somente se admite a desclassificação de homicídio doloso para culposo quando há certeza jurídica da inexistência de dolo eventual; 3. Juízo de valor sobre dolo eventual cabe ao Tribunal do Júri; 4. Em crimes conexos aos dolosos contra a vida, havendo pronúncia, cabe ao Tribunal do Júri decidir sobre todos os delitos conexos. RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO. (fls. 161/162)

Embargos de declaração opostos pela defesa não foram acolhidos (fl. 192/193). O acórdão ficou assim ementado:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRETENSÃO DE PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. EMBARGOS DESACOLHIDOS. I. CASO EM EXAME: Trata-se de embargos de declaração opostos em face de acórdão que rejeitou teses defensivas em recurso em sentido estrito, objetivando o prequestionamento de matérias relativas à manutenção de qualificadoras dos crimes de homicídio na decisão de pronúncia. A defesa alegou omissões quanto à fundamentação das qualificadoras de perigo comum e de recurso que dificultou a defesa da vítima, apontando suposta incompatibilidade com o dolo eventual e ausência de provas materiais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: A questão em discussão consiste em verificar se o acórdão recorrido apresenta omissões, contradições ou obscuridades que justifiquem a integração dos fundamentos decisórios para fins de prequestionamento. III. RAZÕES DE DECIDIR: 1. Os embargos de declaração não se prestam à rediscussão de mérito, sendo cabíveis apenas para sanar omissão, obscuridade ou contradição nos termos do art. 619 do Código de Processo Penal. 2. A análise do pedido recursal evidencia que o embargante não sustentou, nas razões originais, a tese de incompatibilidade entre o dolo eventual e as qualificadoras acolhidas na pronúncia, em especial aquelas previstas no art. 121, §2º, III e IV, do Código Penal. Trata-se, portanto, de inovação recursal, não admissível em sede de embargos de declaração, dado que o recurso não se destina à introdução de questões não debatidas no momento oportuno. Não obstante, a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça reconhece a compatibilidade entre o dolo eventual e as referidas qualificadoras (p. todos: AgRg no R Esp n. 2.095.975/SP). 3. O acórdão impugnado examinou devidamente as questões relativas às qualificadoras do perigo comum e de recurso que dificultou a defesa da vítima, indicando os motivos pelos quais a prova dos autos permitia acolhê-las na pronúncia, inexistindo qualquer colidência entre o decidido e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 4. Não há obrigatoriedade de refutar todos os argumentos das partes, mas sim de fundamentar a decisão sobre os aspectos relevantes, o que foi cumprido pelo aresto recorrido. 5. A jurisprudência dispensa o prequestionamento explícito quando a matéria é enfrentada adequadamente, mesmo sem menção expressa a todos os dispositivos legais invocados. IV. TESES E DISPOSITIVO DE JULGAMENTO: Tese de julgamento: 1. Embargos de declaração são cabíveis apenas para sanar omissão, contradição ou obscuridade; 2. O dolo eventual é compatível com as qualificadoras previstas no art. 121, §2º, III e IV, do Código Penal. EMBARGOS DESACOLHIDOS. (fls. 192/193)

Em sede de recurso especial (fls. 200/259), a defesa alegou violação ao art. 415, III, do CPP c/c art. 125 do CP, sustentando que o Tribunal de origem deveria ter decretado a absolvição sumária do acusado por ausência do elemento subjetivo de sua conduta, bem como das circunstâncias elementares do tipo.

Além disso, alegou violação aos arts. 121, § 2º, incisos III e IV c/c art. 18, I, parte final, do CP, sustentando a incompatibilidade das qualificadoras do perigo comum e do recurso que dificultou a defesa da vítima com o dolo eventual, apontando dissídio jurisprudencial sobre a questão. Por fim, apontou violação ao art. 70 do CP, pugnando pela aplicação da regra do concurso formal em substituição ao concurso material. Contrarrazões do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (fls. 261/285).

Admitido o recurso no Tribunal de origem (fls. 290/292), os autos foram protocolados e distribuídos nesta Corte. Aberta vista ao Ministério Público Federal, este opinou pelo desprovimento do recurso especial (fls. 306/308).

É o relatório. Decido.

Sobre a violação ao art. 415, III, do CPP e ao art. 125 do CP, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul manteve a pronúncia do recorrente nos seguintes termos do voto do relator:

"Na hipótese concreta, os elementos objetivos contidos nos autos, relativos a condição de embriaguez, a indicação de estar conduzindo o veículo em alta velocidade, o contexto prévio da primeira colisão com o automóvel Chevrolet/Onix (7º fato), permitem, em um juízo de mera admissibilidade, reconhecer a existência de indicativos aptos à caracterização do dolo eventual na conduta atribuída ao réu. Isso porque, no dolo eventual, não há o desejo direto da realização do resultado, senão o seu assentimento como possível, verificável a partir da vontade de realização da conduta pelo agente, isto é, existindo a possibilidade do resultado em decorrência da ação e, mesmo assim, o agente mantém sua conduta, configurada está a assunção do risco de produzir do resultado, embora não seja por ele buscado. (...) A discussão a respeito da certeza quanto a presença de todos os elementos típicos do referido crime ultrapassa os limites cognitivos da decisão de pronúncia, bastando, neste momento processual, reconhecer a viabilidade de caracterização do delito, cujo art. 125 do Código Penal exige um agir apto a provocar a morte intrauterina do feto, conforme indica o Laudo Pericial nº 143.334/2023 (Necropsia - natimorto): "realizada a Docimásia de Galeno para verificar se houve vida extra-uterina, a qual teve resultado negativo (pulmões não aerados, em princípio)". Por essas razões, compreendo que a decisão de pronúncia demonstra a presença de indícios suficientes de autoria em relação ao recorrente nos delitos dolosos contra a vida que a denúncia lhe imputa a prática, cabendo aos jurados, juízes constitucionais competentes, a definição de qual das versões dos autos deve ser acolhida." (fls. 157/158)

Extrai-se dos trechos acima que o Tribunal de origem fundamentou adequadamente sua decisão, reconhecendo que, na fase da pronúncia, não compete ao julgador fazer análise aprofundada sobre a presença de todos os elementos do tipo penal, sendo suficientes os indícios de autoria e a prova da materialidade.

A avaliação definitiva sobre o elemento subjetivo do tipo (dolo eventual ou culpa consciente) seria matéria reservada ao Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida. Tal entendimento encontra amparo na jurisprudência desta Corte.

Nesse sentido:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. PRONÚNCIA POR SUPOSTO HOMICÍDIO. DOLO EVENTUAL. INDÍCIOS SUFICIENTES. REVOLVIMENTO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. AGRAVO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu do habeas corpus, em que o agravante foi pronunciado pela prática, em tese, dos crimes previstos nos arts. 121, n/f do art. 18, inciso I, 2ª parte, do Código Penal, nos arts. 304, 305 e 306 do Código de Trânsito Brasileiro e no art. 28 da Lei n. 11.343/06. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se há indícios suficientes para a pronúncia do agravante por homicídio com dolo eventual, considerando a suposta condução de veículo automotor sob influência de álcool (atestada por laudo pericial), sem habilitação e em situação fática de fuga do local. 3. A defesa alega inexistência de elementos mínimos que indiquem a assunção do risco de matar, sustentando que as circunstâncias do caso configuram um homicídio culposo no máximo. III. Razões de decidir 4. O Tribunal de origem considerou que os indícios de autoria e materialidade delitivas, bem como o liame causal entre o acidente de trânsito e a morte da vítima, pela prova colhida, são suficientes para a pronúncia, cabendo ao Tribunal do Júri decidir sobre a efetiva caracterização do dolo. 5. A exclusão do dolo e das qualificadoras na sentença de pronúncia somente é possível se manifestamente improcedente, devendo a decisão sobre a sua caracterização ser feita pelo Conselho de Sentença. 6. A análise de mérito em processos de competência do Júri demanda revolvimento do conjunto fático-probatório, tarefa que não cabe ao STJ em sede de habeas corpus. IV. Dispositivo e tese 7. Agravo desprovido, mantendo a decisão agravada por seus próprios fundamentos. Tese de julgamento: "1. A pronúncia não demanda juízo de certeza, mas sim apenas indícios suficientes de autoria e materialidade. 2. A exclusão do dolo ou de qualificadoras na sentença de pronúncia é possível apenas se manifestamente improcedente, cabendo ao Conselho de Sentença decidir sobre a sua caracterização em regra". Dispositivos relevantes citados: Código Penal, art. 121; Código de Trânsito Brasileiro, arts. 304, 305, 306; Lei n. 11.343/06, art. 28. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg nos EDcl no AREsp 1.383.234/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, DJe 21/3/2019; STJ, AgRg no AREsp 1.791.170/SP, Quinta Turma, Rel. Min. João Otávio De Noronha, DJe 28/5/2021; STJ, AgRg no REsp 1.937.506/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 3/3/2022. (AgRg no HC n. 963.360/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 19/5/2025.) DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. CRIME DE TRÂNSITO. DOLO EVENTUAL. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que deu provimento ao recurso especial do Ministério Público, restabelecendo a sentença de pronúncia do réu por crime de trânsito. 2. O réu, ao dirigir embriagado e participar de um racha em alta velocidade, causou a morte de duas pessoas e lesão corporal gravíssima em outra. A decisão agravada considerou que a configuração do dolo eventual ou culpa consciente deve ser examinada pelo Tribunal do Júri. II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se a conduta do réu, ao dirigir embriagado e participar de um racha, configura dolo eventual ou culpa consciente, e se a decisão de pronúncia deve ser mantida para apreciação pelo Tribunal do Júri. 4. Há também a discussão sobre a incidência da Súmula n. 7 do STJ, quanto à análise da presença de dolo eventual ou culpa consciente, e a alegada incerteza sobre o uso de álcool e excesso de velocidade. III. Razões de decidir 5. A decisão agravada está fundamentada nos fatos concretos expostos no acórdão de origem, que reconhece a embriaguez do réu e a prática de racha em alta velocidade, afastando a incidência da Súmula n. 7 do STJ. 6. A configuração do dolo eventual ou culpa consciente deve ser apreciada pelo Tribunal do Júri, órgão competente para julgar crimes dolosos contra a vida, devido à presença de elementos indiciários que geram dúvida sobre a atuação culposa. 7. A relação afetiva do réu com as vítimas não afasta a gravidade da conduta de dirigir embriagado e realizar um racha, sendo irrelevante para a configuração do dolo eventual. IV. Dispositivo e tese 8. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: "1. A configuração do dolo eventual ou culpa consciente em crimes de trânsito deve ser apreciada pelo Tribunal do Júri. 2. A relação pessoal do réu com as vítimas não afasta a gravidade da conduta de dirigir embriagado e realizar um racha. 3. A decisão de pronúncia deve ser mantida quando há elementos indiciários que geram dúvida sobre a atuação culposa". Dispositivos relevantes citados: Código Penal, art. 121; Código de Processo Penal, art. 413.Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp n. 2.069.872/MG, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19/2/2025; STJ, AgRg no AREsp n. 2.795.012/SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/3/2025. (AgRg no REsp n. 2.035.205/MG, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 19/5/2025.)

Ademais, para se concluir de modo diverso seria necessário o revolvimento fático-probatório, vedado conforme Súmula n. 7 do STJ.

Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. CRIME DE TRÂNSITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DIREÇÃO SOB EFEITO DE ÁLCOOL. DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DOLO EVENTUAL. PRONÚNCIA. JUSTA CAUSA. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JURI. REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA. IMPOSSIBILIDADE. SOMENTE PODE SER AFASTADA QUANDO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "O julgamento monocrático encontra previsão no art. 253, parágrafo único, inciso II, alínea b, do RISTJ, que permite ao relator negar provimento ao recurso quando a pretensão recursal esbarrar em súmula do STJ ou do STF, ou ainda, em jurisprudência dominante acerca do tema, inexistindo, portanto, ofensa ao princípio da colegialidade" (AgRg no AREsp n. 1.249.385/ES, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 13/12/2018, DJe 4/2/2019). 2. No caso dos autos, o Tribunal local concluiu que há indícios suficientes de que o acusado teria conduzido seu carro em estado de embriaguez, vindo a colidir na traseira do carro em que estavam as vítimas, fazendo com que o veículo perdesse o controle e capotasse. Tem-se, daí, a presença de indícios de dolo eventual do homicídio, com a demonstração de justa causa para a pronúncia. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está sedimentada no sentido de que compete ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, solucionar a controvérsia se o réu atuou com culpa consciente ou dolo eventual, fazendo incidir a Súmula n. 83/STJ. 4. Ademais, cabe registrar que não há a aventada incompatibilidade lógico- jurídica entre a forma tentada do homicídio e o dolo eventual, nos delitos de trânsito. 5. Ao se prolatar a decisão de pronúncia, as qualificadoras somente podem ser afastadas quando se revelarem manifestamente improcedentes, o que não é o caso dos autos. 6. Assim, para desconstituir o entendimento firmado pelo Tribunal de origem e decidir pela despronúncia do recorrente, desclassificação do delito ou mesmo para decotar a qualificadora, conforme pleiteado pela defesa, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é vedado pela já mencionada Súmula n. 7/STJ. 7. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.940.835/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/4/2025, DJEN de 24/4/2025.)

Sobre a violação aos arts. 121, § 2º, incisos III e IV c/c art. 18, I, do CP, quanto à alegada incompatibilidade das qualificadoras objetivas com o dolo eventual, assiste razão ao recorrente.

Embora a jurisprudência atual desta Corte admita abstratamente a compatibilidade entre as qualificadoras objetivas e o dolo eventual (AgRg no REsp n. 2.095.975/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 19/12/2023; AgRg no AgRg no REsp 1.836.556/PR, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 15/6/2021, DJe de 22/6/2021), no caso concreto de crime de trânsito praticado com dolo eventual, não se poderia concluir que tivesse o agente deliberadamente agido com perigo comum ou com recurso que dificultou a defesa das vítimas.

Nesse sentido: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. SUPOSTOS CRIMES DE TRÂNSITO. HOMICÍDIOS, UM CONSUMADO E OUTROS TRÊS TENTADOS. ORDEM CONCEDIDA PELA RELATORIA ANTERIOR. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. PRONÚNCIA. AFASTAMENTO DE QUALIFICADORA DETERMINADO NESTE STJ. ALEGADA INCOMPATIBILIDADE. DOLO EVENTUAL E QUALIFICADORA DO MEIO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. PRECEDENTES. AGRAVO DO MPMG DESPROVIDO. I - A análise da existência ou não de qualificadoras, em processos de competência do Tribunal do Júri, demanda aprofundado revolvimento do conjunto fático-probatório. Cabe, portanto, precipuamente ao juiz natural da causa, o Conselho de Sentença (art. 5º, XXXVII, "d", da Constituição Federal), debater a classificação e qualificação dos delitos imputados. Precedentes. II - A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça se consolidou no sentido de admitir abstratamente a compatibilidade entre a qualificadora do meio que dificultou a defesa da vítima e o dolo eventual, quando as circunstâncias objetivas do cometimento do delito impediram a reação da vítima. Precedentes. III - Contudo, no caso concreto, de crime de trânsito, praticado com suposto dolo eventual, não se poderia concluir que tivesse o agente deliberadamente agido de surpresa, de maneira a dificultar ou impossibilitar de propósito uma eventual defesa das vítimas. Precedentes. IV - Embora as memoráveis considerações tecidas pelo agravante, o entendimento já consagrado pela jurisprudência desta Corte Superior impõe a manutenção da decisão agravada por seus próprios fundamentos. Agravo regimental do MPMG desprovido. Ordem anterior de habeas corpus mantida. (AgRg no HC n. 717.365/MG, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 29/2/2024.) Portanto, deve ser acolhido o pleito defensivo para afastar as qualificadoras dos incisos III e IV do § 2º do art. 121 do Código Penal dos crimes imputados ao recorrente. Sobre a suposta violação ao art. 70 do CP, quanto ao alegado afastamento incorreto do concurso formal, o Tribunal de origem expressamente fundamentou que: "No que diz respeito ao pedido de afastamento do concurso material, sua avaliação deve se dar quando da fixação de eventual pena em caso de condenação, não sendo a fase da pronúncia o momento processual adequado para se proceder tal análise, que tem na apelação a via apta a ensejar a apreciação pelo Tribunal" (fl. 159). De fato, o pleito de reconhecimento do concurso formal não tem cabimento em sede de decisão de pronúncia, devendo ser analisado pelo juiz-presidente após o julgamento pelo Tribunal do Júri, se porventura os jurados votarem pela condenação do acusado. Neste sentido: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. NULIDADES PROCESSUAIS. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO VIOLADO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. 2. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. INICIATIVA DO ÓRGÃO JULGADOR. 3. AUSÊNCIA DE DEFESA. NÃO VERIFICAÇÃO. SÚMULA 523/STF. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. 4. OFENSA AOS ARTS. 413 E 156 DO CPP. DECISÃO DE PRONÚNCIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO VERIFICAÇÃO. REVERSÃO DA CONCLUSÃO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SÚMULA 7/STJ. 5. CONCURSO FORMAL PERFEITO. PEDIDO DE RECONHECIMENTO. ART. 73 DO CP. MATÉRIA A SER ANALISADA EM PLENÁRIO. 6. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O agravante indicou a existência de nulidades processuais, sem, entretanto, apontar quais dispositivos legais não teriam sido observados, o que impede o conhecimento do recurso especial, no ponto, em razão da sua deficiente fundamentação. Inteligência do enunciado n. 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 2. "É incabível o pedido de concessão de habeas corpus de ofício para burlar o não conhecimento de recurso por esta Corte. A aplicação do art. 654, § 2°, do CPP ocorre por iniciativa do próprio órgão julgador, quando constatada flagrante ilegalidade a direito de locomoção" (AgRg no AREsp n. 1.235.019/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 18/8/2020, DJe 25/8/2020). 3. Nos termos do enunciado n. 523 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, "no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu", o que nem ao menos se indicou, de forma concreta, na hipótese dos autos. 4. No que concerne à alegada ofensa aos arts. 413 e 156, ambos do Código de Processo Penal, observo que a decisão de pronúncia encontra-se suficientemente fundamentada, indicando a materialidade e os indícios de autoria, e descrevendo a qualificadora imputada, não havendo se falar, dessarte, em carência de fundamentação nem em ausência de indícios de autoria. Nesse contexto, não se revela possível desconstituir as conclusões alcançadas pelas instâncias ordinárias, com relação à decisão de pronúncia, sob pena de indevido reexame de fatos e provas, o que encontra óbice no verbete n. 7 da Súmula desta Corte. 5. Quanto ao pedido de reconhecimento do concurso formal perfeito, conforme art. 73 do Código Penal, verifica-se que o pleito não tem cabimento em sede de decisão de pronúncia, devendo ser analisada pelo juiz-presidente após o julgamento pelo Tribunal do Júri. De fato, a pronúncia não "deve fazer menção ao concurso de crimes (material, formal ou crime continuado), já que tal matéria interessa à fixação da pena, devendo ser analisada após o julgamento em plenário, se porventura os jurados votarem pela condenação do acusado" (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 3. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2015). 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.720.005/CE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/6/2021, DJe de 14/6/2021.)

Ante o exposto, conheço do recurso especial e, som fundamento na Súmula n. 568 do STJ, dou-lhe parcial provimento para afastar as qualificadoras previstas nos incisos III e IV do § 2º do art. 121 do Código Penal, conforme fundamentação. Publique-se. Intimem-se.

Relator

JOEL ILAN PACIORNIK

(STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 2213877 - RS (2025/0177883-5) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK, Publicação no DJEN/CNJ de 15/07/2025.)

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