STJ Jul25 - Júri - Homicídio - Absolvição por Legitima Defesa pelo Conselho de Sentença Revertido pelo TJ - Ilegalidade - Há versão que Respalda os Jurados - soberania do veredito

 Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

VALDEMIR XXXXXXXx interpõe recurso especial fundado no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas na Apelação n. 0700018-45.2016.8.02.0015, que anulou a decisão absolutória dos jurados e determinou a realização de um novo julgamento. Nas razões do especial, a defesa aponta a violação dos arts. 483, III, e 593, III, “d”, do CPP, ao argumento de que a absolvição do réu não é manifestamente contrária à prova dos autos e deve ser restabelecida.

Alegou que o Conselho de Sentença, ao acolher o quesito absolutório genérico, optou por uma das versões do processo (a de que o réu agiu em legítima defesa). Requer o restabelecimento da absolvição do acusado. O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento recursal (fls. 778-784).

Decido. I. Admissibilidade

O recurso especial comporta conhecimento, haja vista a ocorrência do necessário prequestionamento, além de estarem presentes os demais pressupostos de admissibilidade (cabimento, legitimidade, interesse, inexistência de fato impeditivo, tempestividade e regularidade formal), motivo por que avanço na análise de mérito da controvérsia.

Ademais, a análise da tese defensiva não demanda o reexame fático-probatório, mas tão somente a apreciação da tese jurídica de que é cabível a absolvição, no terceiro quesito, quando houver versão nos autos que dê respaldo à decisão dos jurados. Portanto, é possível analisar o recurso a partir das premissas fáticas consignadas no acórdão e na sentença (e sem extrapolá-las ou alterá-las).

II. Contextualização

O réu foi pronunciado pela suposta prática do crime tipificado no art. 121, § 2º, II e IV, do CP. Em plenário, a defesa sustentou a absolvição do agente, pela excludente de ilicitude prevista no art. 25 do Código Penal.

Veja-se (fl. 622, destaquei): Não havendo mais testemunhas arroladas para serem ouvidas cm Plenário, o MM. Juiz Presidente deu a palavra ao Promotor de Justiça, informando que teria 01 (uma) hora e 30 (trinta) minutos, que produziu acusação com início às 13h10min, encerrando a produção da acusação às 14h10 min. onde requereu cm Plenário a condenação do réu nas penas do Artigo 121, § 2o , I e IV. do Código Penal, ou seja, homicídio qualificado, por ter sido cometido por motivo torpe c de emboscada. Após, foi dada a palavra à defesa às 14hl5min, encerrando às I5hl7min, oportunidade em que arguiu como tese principal absolvição do réu pela legítima defesa.

O Conselho de Sentença, depois de reconhecer a materialidade e a autoria delitivas, absolveu o acusado no terceiro quesito – "O jurado absolve o acusado?". Nesse sentido, confira-se a sentença (fl. 619):

Nos debates, o representante do Ministério Público pugnou pela condenação do réu nos termos do art. 121. §2°. lí c IV, do Código Penal. A defesa técnica do réu pugnou por sua absolvição, diante da legítima defesa. Submetido hoje a julgamento, perante o Tribunal Popular do Júri desta reconheceu o Conselho de Sentença, por maioria de votos, a materialidade e a autoria delitiva, respondendo afirmativamente os 1º e 2º quesitos. Prosseguindo na votação, o Conselho de Sentença, por maioria de votos, respondeu “SIM” ao quesito relativo à absolvição do réu (3° quesito).

Irresignado, o Ministério Público interpôs apelação, à qual foi dado provimento nestes termos (fls. 723-725, grifei):

No caso em tela, o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Valdemir dos Santos Silva por ter, no dia 24 de agosto de 2012, por volta das 17h e 25min ceifado a vida da vítima José Paulo Nunes da Silva que caminhava pela rua Oscar Mangabeira, bairro Casal, em Joaquim Gomes, quando o apelado que já o esperava, usando pedras e tábua de madeira, desferiu diversos golpes na cabeça da vítima, parando apenas quando populares gritaram que a vítima já estaria morta. Em decorrência das lesões a vítima veio a óbito. O atestado de óbito (fl. 07) e o laudo de exame cadavérico (fl. 210) confirmam a existência do crime. Com base nessas evidências, reforçadas pela confissão do réu, argumenta-se que a absolvição dele está em clara contradição com as provas apresentadas no processo. Em contrapartida, o apelante admitiu, durante a plenária do julgamento do Tribunal do Júri em 09 de novembro de 2023, ter cometido o delito, alegando que agiu em legítima defesa, pois a vítima estava supostamente o ameaçando há um longo período. Em juízo, prestaram depoimentos Maria de Lourdes dos Santos, Maria Selma Nunes da Silva e Ana Cláudia da Silva. Maria de Lourdes dos Santos, irmã da vítima, disse que recebeu a notícia de que seu irmão havia sido morto. Comentou sobre uma antiga inimizade entre o réu e seu irmão, os quais já haviam se esfaqueado anteriormente, e mencionou ter ouvido das pessoas que seu irmão estava ameaçando o réu, inclusive andava portando uma faca. Segundo relatos, especulava-se que haveria um acerto de contas entre seu irmão e o réu, embora ela desconheça as razões da desavença. Ana Cláudia da Silva, esposa da vítima, afirmou desconhecer a motivação do crime, porém mencionou que ocorreu um conflito de facas entre eles, e que um ameaçou o outro de morte. Salientou que ouviu comentários de que eles estavam se ameaçando. Maria Selma Nunes da Silva, mãe da vítima, disse ter conhecimento de que ambos se feriram com facas em outra oportunidade, contudo desconhece a razão. Com base nas evidências apresentadas no processo, é possível notar que havia um conflito entre a vítima e o acusado, com relatos inclusive de que aquela andava portando uma faca, entretanto, levando-se em consideração que a alegação da defesa foi de que o acusado agiu em legítima defesa, não havendo provas seguras da sua ocorrência, é razoável a submissão do réu a novo julgamento perante o júri. Na hipótese em tela, muito embora não se olvide o fato de que havia desavença entre réu e a vítima, as quais já teriam se esfaqueado em momento diverso, mesmo diante da ausência de testemunha ocular, as ameaças mútuas entre vítima e réu não necessariamente comprovam que o réu teria agido em legítima defesa e, consequentemente, não justificam o acolhimento da referida tese defensiva, sobretudo por ter sido a vítima atingida por golpes de pedras e tábua na cabeça que lhe causaram as lesões descritas no laudo cadavérico, as quais foram causa de sua morte, como bem pontuou a Procuradoria de Justiça, em parecer de fls. 701/707: Em que pese a desconstituição do veredicto por contrariedade à prova dos autos pressupõe que esta seja manifesta ou evidente, percebida a partir de um simples exame ou análise não aprofundada dos elementos constantes do caderno processual haja vista o risco de invadir a competência privativa do Tribunal do Júri. No entanto, in casu, a materialidade e a autoria estão devidamente comprovadas nos autos, com a própria confissão do réu, enquanto a tese da excludente de ilicitude não encontra amparo nas provas dos autos, sobretudo diante da causa da morte, pelos depoimentos testemunhais e pela confissão do réu, em que se evidencia que os requisitos para a configuração da legítima defesa não foram preenchidos, sendo uma nova apreciação dos fatos pelo Júri a medida a ser aplicada.

III. Arts. 483, III, e 593, III, “d”, do CPP

A decisão tomada pelos jurados, ainda que não seja a mais justa ou a mais harmônica com a jurisprudência dominante, é soberana, conforme disposto no art. 5º, XXXVIII, "c", da Constituição Federal.

Tal princípio, todavia, é mitigado quando os jurados proferem decisão em manifesta contrariedade às provas colacionadas nos autos, casos em que o veredito deve ser anulado pela instância revisora e o réu submetido a novo julgamento perante o Tribunal do Júri.

No sistema de votação anterior à reforma de 2008, o questionário submetido à votação dos jurados apresentava maior complexidade, pois procurava desdobrar, em tantos quesitos quantos fossem necessários, as teses que as partes, durante os debates em plenário, houvessem oferecido.

O objetivo, então, era o de transformar em quesitos cada um dos componentes normativos dos institutos jurídico-penais que integram a teoria do crime, nomeadamente aqueles que perfazem a sua estrutura.

Após a vigência da Lei n. 11.689/2008, a quesitação não foi apenas simplificada, mas também passou a permitir ao jurado absolver o acusado com base nas teses e nas informações trazidas ao seu conhecimento e discutidas no julgamento.

Assim, a simples resposta positiva ao quesito "O jurado absolve o acusado?” começa a comportar inúmeras teses defensivas, tendo como premissas anteriormente assentadas (nos dois primeiros quesitos do questionário) a efetiva ocorrência material de um crime e o reconhecimento de que o réu foi seu autor.

O veredito dos jurados não é motivado, como indicam as circunstâncias do julgamento – a votação é sigilosa, a sala onde se recolhem os votos é secreta e a comunicação entre os jurados é vedada –, o que denota que a aferição das provas e o julgamento do réu ocorrem em conformidade com a íntima convicção dos juízes populares.

Portanto, se a resposta for SIM ao quesito do art. 483, III, "d", do CPP – por fatores diversos (desnecessidade da pena, inexigibilidade de conduta diversa, falta de provas, clemência etc.) –, o jurado não só não precisa como, em verdade, não pode explicar o motivo pelo qual votou.

Conclui-se, portanto, que, nessa hipótese de insurgência – decisão manifestamente contrária à prova dos autos –, ao órgão recursal se permite, apenas, a realização de um juízo de constatação acerca da existência de suporte probatório para a decisão tomada pelos jurados integrantes da Corte Popular.

Se o veredito estiver flagrantemente desprovido de elementos mínimos de prova capazes de sustentá-lo, admite-se a sua cassação. Caso contrário, deve ser preservado o juízo feito pelos jurados, no exercício da sua soberana função constitucional.

O Tribunal de origem fez indevida valoração das provas dos autos e não respeitou a soberania do veredito proferido pelo Tribunal do Júri. Na espécie, os advogados do réu sustentaram, em plenário, tese expressa de absolvição com base na legítima defesa, ancorada em depoimentos que apontaram a existência de uma desavença entre a vítima e o réu, com relatos de ameaças mútuas e episódios anteriores de agressão entre ambos.

O réu, inclusive, confessou o crime, mas afirmou que agiu para se defender de ameaça que sofria de forma continuada. Tais elementos constituem contexto fático que autoriza, ao menos em tese, a absolvição com base em uma excludente de ilicitude e demonstram que o Conselho de Sentença, ao acolher a versão defensiva, não se dissociou por completo dos elementos dos autos.

O veredito não foi flagrantemente contrário às provas, porque o Tribunal do Júri optou por uma das teses defendidas em plenário: a de que a conduta do réu estava abarcada por uma excludente de ilicitude. Ressalto que não compete aos jurados avaliar tecnicamente os requisitos exigidos para o reconhecimento da legítima defesa, pois são juízes leigos que julgam com base na íntima convicção e na percepção direta do que foi exposto em plenário.

Não se exige, portanto, que reconheçam expressamente os requisitos legais do art. 25 do Código Penal e basta que encontrem na tese apresentada um motivo plausível para absolver.

Assim, no caso, os jurados escolheram a versão que lhes pareceu mais verossímil e decidiram a causa conforme suas convicções. Não cabe ao Tribunal estadual, tampouco a esta Corte Superior, cotejar as provas e decidir pela tese prevalente, sob pena de violação da competência constitucional conferida ao Conselho de Sentença.

IV. Dispositivo

À vista do exposto, dou provimento ao recurso especial, a fim de restabelecer a absolvição do réu. Publique-se e intimem-se.

Relator

ROGERIO SCHIETTI CRUZ

(STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 2194043 - AL (2025/0019783-8) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Publicação no DJEN/CNJ de 25/07/2025)

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