STJ Jul25 - Réu Reconhecido Como Inimputável - Medida de Segurança de Internação Ilegal - Ausência de Contemporaneidade - Tratamento Ambulatorial é Suficiente - Advogado Acusação de Apropriação Indébito de Valores de Cliente - Doença Mental

 Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO

RICARDO XXXXXXXXXXalega sofrer coação ilegal pelo Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (Apelação n. 202400301066; Ação Penal n. 201620300710; Processo n. 0030974-88.2016.8.25.0001).

Nesta Corte, sustenta a defesa a inexistência de contemporaneidade da medida de internação aplicada ao paciente.

A liminar foi indeferida (fls. 628-630). Foram prestadas informações pelo Tribunal de origem (fls. 636-639) e pelo Juízo de primeiro grau (fls. 671-675). O Ministério Público Federal posicionou-se pela denegação da ordem (fls. 676-677).

Decido.

I. Contextualização

Consta dos autos que o paciente Ricardo AlXXXXXXs, advogado, foi denunciado pelo Ministério Público do Estado de Sergipe pela prática do crime de apropriação indébita (art. 168, §1º, III, do CP), por se haver apropriado de valores pertencentes a um cliente em 2015.

Durante o processo, foi reconhecida sua inimputabilidade por doença mental, o que resultou em sentença absolutória imprópria com imposição de medida de segurança de internação por tempo indeterminado, com prazo mínimo de 1 ano, com os seguintes fundamentos (fls. 544-552):

Registre-se ainda que, embora o magistrado não esteja adstrito à prova pericial, dada a prerrogativa de apreciar com liberdade as provas produzidas no processo, estou convencida acerca da inimputabilidade do réu, como já decidido no incidente de insanidade mental em apenso. No caso em comento, portanto, não há nenhuma dúvida acerca da doença mental que acomete o réu, razão pela qual reputo válido considerar que o denunciado, ao tempo do crime cometido, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Ademais, embora os fatos praticados pelo acusado sejam típicos e antijurídicos, o réu era inimputável à época, de modo que deve ser afastada a sua culpabilidade, sendo isento de pena, nos termos do art. 26, caput, do Código Penal, embora sujeito a medida de segurança. Registre-se que existem em desfavor do réu uma pluralidade de feitos criminais, e, vários incidentes de insanidade mental, o que demonstra que a medida de tratamento ambulatorial tem-se mostrado ineficaz para o caso em comento, sendo imperioso a determinação de uma medida mais adequada ao caso. Assim, diante do contexto, considerando a gravidade das condutas imputadas ao acusado, revelo adequado e proporcional ao caso concreto a aplicação de medida de segurança de internação, nos termos do art. 97, primeira parte, do Código Penal. Ante o expendido, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva para, em consequência, absolver RICARDO ALEXANDRE DEMATOS RAMOS, já qualificado, com fundamento no art. 386, inciso VI, do CPP e, face à inimputabilidade comprovada, impor a MEDIDA DE SEGURANÇA consistente em Internação, pelo prazo mínimo de 01 (um) ano, até que se conclua, por perícia médica, ter cessado a sua periculosidade, nos termos do art. 97, caput, primeira parte, e §1º do CP. A defesa interpôs apelação, que foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça de Sergipe, de modo a manter a internação (fls. 96-117): Nesse sentido, o apelante almeja a modificação da espécie de medida de segurança que lhe foi aplicada em razão da prática do fato típico e punível da apropriação indébita qualificada, conduta capitulada no art. 168, § 1º, inciso III, do CP e que possui a seguinte redação: Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. Aumento de pena § 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa: I - em depósito necessário; II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; III - em razão de ofício, emprego ou profissão. (Destacado) Com efeito, de acordo com o disposto no art. 97 do CP, ao réu inimputável a medida de segurança a ser aplicada é a internação, salvo se “o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial”. Ora, nos exatos termos do art. 97 do CP, a regra é a aplicação da medida de segurança de internação, contudo, abre-se a faculdade para o Magistrado aplicar a medida de tratamento ambulatorial quando o fato cometido é punível com detenção, o que não é o caso dos autos, pois o crime de apropriação indébita comina em seu preceito secundário a pena de reclusão. Neste ponto, esta Relatoria tem a registrar que não desconhece a flexibilização que a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem dado à aplicabilidade da medida de segurança da espécie tratamento ambulatorial ao agente inimputável, mesmo nos casos em que o fato seja penalmente punível com reclusão, [...]. Transpondo o entendimento suso para o caso dos autos, passo a analisar as particularidades do caso bem como a periculosidade do agente a fim de optar pelo tratamento mais apropriado”, oportunidade em que consigno que a periculosidade do agente não decorre apenas da gravidade de suas ações penalmente puníveis, mas também pela reiteração delitiva, principalmente, em tipos penais puníveis com reclusão ou, ainda, quando verificada a ineficiência do tratamento ambulatorial. Assim, compulsando os autos (p. 377/397) e em consulta ao Sistema de Controle Processual deste Tribunal de Justiça, verifiquei a existência de inúmeras ações penais em que o apelante figura como réu e responde pela mesma conduta em apreço ( multirreincidência específica), sendo inoportuna a aplicação do tratamento ambulatorial ao caso dos autos, conforme bem apontado pela eminente Procuradora de Justiça Maria Conceição de Figueiredo Rolemberg, a quem peço vênia para transcrever o seguinte trecho do bem lançado parecer: “(...) Recorrente foi apropriação indébita qualificada, prevista no art. 168, §1º, inciso III, do Código Penal, cujo crime é punido com pena de reclusão, o que, por si só, evidencia a legalidade da aplicação da medida de segurança imposta, nos moldes do art. 97, primeira parte, do Código Penal. Neste sentido, ao reverso do alegado na peça recursal, o Magistrado fundamentou a necessidade da aplicação da medida de internação, especialmente, porque os tratamentos ambulatoriais anteriormente empregados foram ineficazes e não serviram na prevenção da prática de outros delitos da mesma espécie, não sendo imprescindível que a sentença especificasse quais deles foram ineficazes, até porque, a imputação criminal atual denota que nenhum foi suficiente para reverter a contumácia do Recorrente. (...)” Desta forma, considerando que o apelante é contumaz na prática ilícita, resta evidenciado o seu perfil complexo, razão pela qual concluo se tratar uma temeridade, neste momento, a aplicação do tratamento ambulatorial pretendido, devendo ao recorrente ser imposta medida de segurança de internação e, posteriormente, havendo evolução no quadro clínico, esta pode ser substituída para o tratamento ambulatorial. Registro que tal conversão pode ser formulada, diretamente, ao Juízo das Execuções por ser o competente para adequar a medida de segurança ao caso concreto, levando em consideração as especificidades deste, conforme dispõe o art. 66, inciso V, alíneas “d”, “e” e “f” c/c art. 176, todos da LEP [...].

Feitos esses registros, passo ao exame das pretensões defensivas.

II. Medida de segurança

Este Superior Tribunal é firme ao consignar que configura constrangimento ilegal a manutenção da medida de segurança por tempo superior à reprimenda cominada em abstrato para o delito.

Nesse sentido, o enunciado da Súmula n. 527 desta Corte Superior dispõe:

“O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado”. Ilustrativamente: [...] 1. De acordo com os princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade, o limite para a duração da medida de segurança deve ser o máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, de forma a não conferir tratamento mais severo e desigual ao inimputável. 2. Sobre o tema, esta Corte Superior enunciou, ainda, a Súmula 527 que assim dispõe: "O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado." 3. No caso dos autos, tendo em vista que o tratamento ambulatorial conta com mais de 1 ano e 7 meses e que a pena máxima cominada para o delito do art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/1941, é de 3 (três) meses, observa-se o constrangimento ilegal causado ao paciente, decorrente do excesso de prazo no cumprimento da medida de segurança. [...] (AgRg no HC n. 672.542/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 16/12/2021.) [...] 2. Esta Superior Corte de Justiça estabeleceu, em atenção aos princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade, como limite para a duração da medida de segurança, o máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, de forma a não conferir tratamento mais severo e desigual ao inimputável. 3. A matéria, inclusive, encontra-se sumulada neste Tribunal, nos termos do seguinte enunciado: 'O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado (Súmula n. 527). [...] (HC n. 377.097/MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, 5ª T., DJe 28/11/2016.)

Na espécie, a procedência da demanda decorreu da prática, pelo acusado, de crime cuja sanção máxima prevista, abstratamente, é de 5 anos e 4 meses de reclusão.

Nada obstante, não olvido que as condutas que deram ensejo ao cumprimento da medida de segurança pelo acusado ocorreram há mais de 9 anos. A propósito, o decisum de absolvição imprópria do ora paciente foi prolatado em consequência de atos cometidos em dezembro de 2015, sem o emprego de violência ou grave ameaça.

Assim, a despeito da gravidade dos fatos atribuídos ao réu, não há falar em urgência atual capaz de amparar a continuidade da providência de internação.

Ainda, pelo que exibem as peças deste mandamus, nenhuma outra conduta do paciente dá esteio à adoção da referida cautela. Saliento, aliás, que o laudo do incidente de insanidade mental, que subsidiou a decisão condenatória, foi produzido no ano de 2018.

Outrossim, o Tribunal de origem sustenta que o paciente seria multirreincidente. No entanto, verifico que o fundamento não é correto, pois argumenta a Corte estadual “verifiquei a existência de inúmeras ações penais em que o apelante figura como réu e responde pela mesma conduta em apreço” (fl. 115).

Assim, não há precisão de condenações com trânsito em julgado anteriores aos fatos apurados na ação penal em análise.

Não vislumbro, pois, a contemporaneidade dos fatos justificadores dos riscos que se pretende com a internação evitar.

Ademais, conforme se extrai dos autos n. 5001586-47.2023.8.25.0086, do Sistema SEEU — e como também registrado na sentença de extinção às fls. 580-581 —, o paciente encontrava-se em tratamento ambulatorial, havendo sido liberado em dezembro de 2023.

Tal circunstância, contudo, não foi devidamente considerada, embora fosse suficiente para afastar a imposição de medida mais gravosa, posteriormente aplicada pelo Tribunal a quo em maio de 2024.

Na mesma orientação:

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ESTUPRO TENTADO. INIMPUTABILIDADE DO RÉU. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA. MEDIDA DE SEGURANÇA. INTERNAÇÃO EM MANICÔMIO JUDICIÁRIO. SUBSTITUIÇÃO POR TRATAMENTO AMBULATORIAL. CRIME PUNIDO COM PENA DE RECLUSÃO. ART. 97 DO CP. POSSIBILIDADE. PERICULOSIDADE DO AGENTE NÃO DEMONSTRADA. FLAGRANTE ILEGALIDADE EVIDENCIADA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. [...] 2. A medida de segurança é utilizada pelo Estado na resposta ao comportamento humano voluntário violador da norma penal, pressupondo agente inimputável ou semi-imputável. 3. A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência 998.128/MG, firmou o entendimento de que, à luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, em se tratando de delito punível com reclusão, é facultado ao magistrado a escolha do tratamento mais adequado ao inimputável, nos termos do art. 97 do Código Penal, não devendo ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente. 4. Considerando que a medida de internação foi aplicada ao paciente em razão da gravidade do delito praticado e do fato de a pena corporal a ele imposta ser de reclusão, sem que nada de concreto tenha sido explicitado acerca de sua eventual periculosidade social, sendo certo que se trata de agente primário, sem qualquer envolvimento anterior com a prática delitiva, ou notícia de que tenha reiterado no crime, é cabível o abrandamento da medida de segurança, sendo suficiente e adequado o tratamento ambulatorial. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para aplicar ao paciente a medida de segurança de tratamento ambulatorial, a ser implementada pelo Juízo da Execução. (HC n. 617.639/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 12/2/2021, grifei).

O julgado não analisa a periculosidade do paciente, ficando adstrito à natureza da pena – reclusão – e à multirreincidência, que verifico não haver sido justificada.

O laudo conclui que o “réu apresentava, ao tempo da ação, quadro psicopatológico compatível com a CID F32.2 (Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos), F41.2 (Transtorno misto ansioso e depressivo) e F60.3(Transtorno de personalidade com instabilidade emocional)” (fl. 549).

O tratamento apropriado para a patologia mental que acomete o paciente (depressão) não foi demonstrado a partir de elementos referentes à sua periculosidade, ou seja, que o tratamento ambulatorial colocaria em risco a comunidade, considerada a possibilidade de novas práticas delitivas.

Pontuo que não se trata de revolvimento do material fático-probatório amealhado nos autos, providência vedada na via estrita do habeas corpus. As conclusões acima, partem de premissas estabelecidas nas decisões originárias e nos documentos que acompanham o writ. Dessa maneira, há ilegalidade manifesta na aplicação de medida de segurança de internação sem indicação de elementos concretos sobre a adequação dessa medida mais gravosa, a partir de elementos referentes à periculosidade do paciente.

III. Dispositivo

À vista do exposto, concedo a ordem, a fim de que se substitua a internação do paciente pela medida de tratamento ambulatorial pelo prazo fixado na sentença, se por outra razão não estiver privado da liberdade – sem prejuízo da edição de novo decisum, apoiado em fatos supervenientes e em laudo pericial contemporâneo sobre a higidez mental do réu, com a demonstração da sua periculosidade. Comunique-se, com urgência, ao Juízo da ação penal (n. 0030974-88.2016.8.25.0001 - 3ª Vara Criminal de Aracaju), bem como ao Juízo da execução penal (n. 5001586-47.2023.8.25.0086 - 7ª Vara Criminal de Aracaju) para as providências cabíveis. Publique-se e intimem-se.

Relator

ROGERIO SCHIETTI CRUZ

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 937630 - SE (2024/0306164-3) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Publicação no DJEN/CNJ de 25/07/2025.)

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