STJ Jul25 - Revogação de Prisão Preventiva - Tipo do Aliciamento de Menor (art. 241-D ECA) para Fins Libidinosos - Ferimento ao Art. 313, I do CPP (Pena Máxima Abaixo de 4 anos) - Réu com reiteração delitiva em outros crimes não são argumentos para ultrapassar o Art. 313, i do CPP.
DECISÃO
Trata-se de recurso em habeas corpus com pedido de liminar interposto por J. F. DA S. contra acórdão proferido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ALAGOAS. Consta dos autos que o recorrente foi preso em flagrante em 15/2/2025, posteriormente convertida a custódia em preventiva, pela suposta prática da conduta descrita no art. 241-D da Lei n. 8.069/1990.
A defesa sustenta que a decisão que decretou a prisão preventiva carece de fundamentação concreta e idônea, não demonstrando a imprescindibilidade da prisão para o desenvolvimento regular do processo.
Alega que os fundamentos utilizados para manter a prisão preventiva visam antecipar a sanção penal, em violação do princípio constitucional da presunção de inocência.
Afirma que a suposta configuração de maus antecedentes e de reincidência não constituem fundamento válido para justificar a segregação cautelar. Defende que a segregação corporal é desproporcional ao apenamento projetado.
Considera adequadas e suficientes as medidas cautelares alternativas positivadas no art. 319 do Código Penal.
É o relatório.
No caso, a decisão que decretou a prisão preventiva do recorrente teve a seguinte fundamentação (fls. 18-19, grifei):
No caso em tela, verifico a presença de requisitos para a decretação da prisão preventiva do flagranteado. Estão perfeitamente configurados os elementos de materialidade, bem como os indícios de autoria suficientes à configuração da situação de flagrância homologada nesta decisão. Cumpre esclarecer, neste ponto, que a materialidade e indícios de autoria estão presentes pelos depoimentos colhidos no APF (fls. 4 e 5) e termo de declaração (fl. 9). Trata-se de situação grave, na qual foi imputada ao autuado a prática de aliciamento de criança, tendo-lhe oferecido R$ 100,00 (cem reais) para levá-la a um local possivelmente destinado à prática de abuso sexual. Corroborando essa presunção, verifica-se que o autuado já foi condenado por vias de fato no contexto da violência doméstica, em 2019, por ter espremido um de seus filhos contra a parede, pendurado outro de cabeça para baixo e agredido sua esposa. Ademais, já respondeu por tentativa de estupro de vulnerável, tendo como vítima uma de suas filhas, mas foi absolvido por falta de provas. Destaca-se, portanto, que a soltura do autuado acarreta grave risco à ordem pública e à instrução criminal, assim como traz sérios riscos à integridade física e psicológica da vítima, que estará, mais uma vez, sujeita à influência do comportamento do autuado. Desse modo, ainda que o crime indicado no APF tenha pena inferior a quatro anos, entendo cabível e necessária a segregação cautelar para garantir medidas protetivas de urgência em favor da vítima, nos termos do art. 313, III, do CPP. Considerando o contexto fático e as circunstâncias pessoais do autuado, a imposição de medidas cautelares diversas da prisão mostra-se claramente insuficiente. Assim, entendo que a liberdade do autuado representa risco à garantia da ordem pública, razão pela qual se impõe sua segregação cautelar, com fundamento nos arts. 312 e 313, III, ambos do CPP, sendo insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão.
A prisão preventiva é medida excepcional (art. 282, § 6º, do CPP), cuja decretação exige, invariavelmente, a presença de (i) prova da existência do crime; (ii) indício suficiente de autoria; e (iii) elemento indicativo de risco decorrente da liberdade do imputado, a fim de garantir, alternativamente, as ordens pública e econômica, a conveniência da instrução criminal ou a aplicação da lei penal (art. 312, caput, do CPP).
Cumulativamente a esses requisitos, deve constar, no fundamento do decreto prisional, ao menos uma destas circunstâncias (art. 313, do CPP):
(i) ocorrência de crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos; (ii) ocorrência de crime envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; e (iii) condenação do agente por outro crime doloso, com sentença transitada em julgado.
No caso dos autos, a prisão preventiva decorre da prática delitiva prevista no art. 241-D da Lei n. 8.069/1990, cuja pena máxima não alcança o patamar previsto no art. 313, I, do Código de Processo Penal.
Ademais, o decreto prisional não se fundou em eventual reincidência do acusado, bem como não houve descumprimento de medida protetiva anterior.
Ausentes, portanto, as hipóteses do art. 313 do CPP, impondo-se o provimento recursal, sendo dispensada, inclusive, a análise da presença ou não dos requisitos do art. 312 do CPP.
Nesse ponto, convém destacar que entendimento em sentido contrário equivaleria a esvaziar o conteúdo normativo do art. 313 do CPP. Em idêntica direção:
AGRAVO REGIMENTAL MINISTERIAL EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES DE CABIMENTO DA CUSTÓDIA CAUTELAR DO ART. 313 DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Hipótese na qual o Ministério Público impugna a concessão da liberdade clausulada ao agravado, alegando que a conduta imputada se reveste de gravidade concreta. 2. Todavia, a reprovação da conduta foi devidamente reconhecida e ressaltada na decisão agravada. Entretanto, após tais considerações, demonstrou-se a impossibilidade de manutenção da custódia, tendo em vista não estar presente nenhuma das hipóteses de cabimento do art. 313 do Código de Processo Penal. 3. No caso, o agravado, encontrando-se bêbado e, após discutir com a vítima, a teria ofendido verbalmente e a agredido com uma mordida no nariz. 4. Todavia, embora indiciado por lesão corporal em contexto de violência doméstica e injúria, o agravado foi denunciado tão somente pelo primeiro crime, cuja pena abstratamente prevista é de reclusão de 1 a 4 anos. 5. Sendo a pena privativa de liberdade máxima não superior a 4 anos, resta desatendido o inciso I do art. 313 do CPP. Ademais, em exame da sua folha de antecedentes, não se constata a existência de condenação pretérita por outro crime doloso, o que afasta o enquadramento no inciso II do mesmo artigo. Por fim, não há registro de imposição anterior de medidas protetivas de urgência em desfavor do agravado. Tampouco há dúvidas sobre sua identidade civil (art. 313, § 1º, do CPP). 6. Ausentes, portanto, as hipóteses de cabimento da segregação cautelar, sua manutenção configura constrangimento ilegal. 7. Os relevantes apontamentos tecidos pelas instâncias ordinárias, especialmente as notícias de agressões anteriores, todavia, justificam que a sua liberdade seja conjugada com medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, nos termos previstos no art. 321 do mesmo diploma processual, inclusive medida de proibição de contato e aproximação em relação à vítima, e de frequentar lugares onde sejam comercializadas bebidas alcoólicas, sem prejuízo de outras, a serem fixadas pelo juízo local. 8. Agravo desprovido. (AgRg no HC n. 822.075/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 14/6/2023.) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. AMEAÇA. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULUM LIBERTATIS. ARTS. 312 E 313 DO CPP. PENA MÁXIMA INFERIOR A 4 ANOS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A prisão preventiva possui natureza excepcional, sempre sujeita a reavaliação, de modo que a decisão judicial que a impõe ou a mantém, para compatibilizar-se com a presunção de não culpabilidade e com o Estado Democrático de Direito - o qual se ocupa de proteger tanto a liberdade individual quanto a segurança e a paz públicas -, deve ser suficientemente motivada, com indicação concreta das razões fáticas e jurídicas que justificam a cautela, nos termos dos arts. 312, 313 e 282, I e II, do Código de Processo Penal. 2. Consoante previsão dos incisos e do parágrafo único do art. 313 do CPP, para a decretação da prisão preventiva é necessária a configuração de uma entre as seguintes hipóteses, consideradas requisitos de admissibilidade da segregação cautelar: (a) crime doloso punido com pena máxima superior a 4 anos; (b) existência de condenação definitiva anterior por outro crime doloso; (c) delito praticado em situação de violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência ou (d) existência de dúvida sobre a identidade do agente. 3. Os elementos dos autos atestam a plausibilidade jurídica do direito tipo por violado, visto que o recorrente teve o flagrante convertido em prisão preventiva, apesar de ter sido autuado pelos crimes de lesão corporal e ameaça, delitos cujas penas somadas não preenchem o requisito objetivo inscrito no art. 313, I, do CPP. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no RHC n. 160.139/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 16/5/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. DESOBEDIÊNCIA, RESISTÊNCIA E TRÁFEGO EM VELOCIDADE INCOMPATÍVEL COM A VIA. CRIMES CUJA SOMA DAS PENAS MÁXIMAS É INFERIOR A 4 ANOS. PACIENTE PRIMÁRIO. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. SUFICIÊNCIA E ADEQUAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Julgados do STF e STJ. 2. No caso, em que pese a gravidade concreta da conduta do agravado - acusado de desobedecer ordem de parada dos policiais, empreender fuga com o veículo em alta velocidade, invadindo a contramão e bater em outro veículo e em uma árvore, e, após a colisão, tentar fugir pulando a cerca de um colégio, sendo perseguido e capturado pelos agentes públicos - e a alegação do Parquet de que o agravado foi reconhecido pelo proprietário do carro como sendo o responsável pelo roubo do seu veículo dias atrás, a sua prisão preventiva foi decretada pela suposta prática dos crimes de resistência, desobediência e tráfego em velocidade incompatível, cuja soma das penas máximas é inferior a 4 anos. 3. Além disso, embora o decreto preventivo mencione que o agravado responde a outro processo pelo crime de furto, no qual foi beneficiado com a liberdade provisória recentemente, trata-se de réu primário. 4. A ausência das condições elencadas no artigo 313 do Código Penal, por si só, impede a decretação da prisão preventiva, mesmo quando, em tese, estão presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Nesse caso se torna adequada a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão para a manutenção da ordem pública, da aplicação da lei penal e para garantir a instrução criminal. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 193.442/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 18/3/2024.)
Por fim, ainda que não estejam preenchidos os requisitos do art. 313 do CPP, a situação concreta demanda providência cautelar voltada à preservação da ordem pública, em especial a proteção da ofendida.
Nessa perspectiva, e tendo em vista o princípio da proporcionalidade, bem como as medidas alternativas à prisão, mostra-se adequada, sem prejuízo de reavaliação pelo Juízo natural da causa, a imposição das medidas cautelares previstas nos incisos do art. 319 do CPP.
A esse respeito: HC n. 992.292/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, DJEN de 9/6/2025; HC n. 1.008.921/ES; Ministro Ribeiro Dantas, DJEN de 11/6/2025; e HC n. 1.007.970/ES, de minha relatoria, DJEN de 9/6/2025. Assim, necessário mostra-se a imposição das seguintes medidas cautelares penais diversas da prisão processual: (a) apresentação a cada dois meses, para verificar a manutenção da inexistência de riscos ao processo e à sociedade; (b) proibição de mudança de domicílio sem prévia autorização judicial, vinculando o acusado ao processo; (c) manutenção de endereço e telefone atualizados para futuros atos de intercâmbio processual; (d) proibição de contato, por qualquer meio, com a parte ofendida; e (e) outras medidas cautelares alternativas que venham a ser estabelecidas pelo Juízo de primeiro grau, caso assim entenda necessário.
Ante o exposto, nos termos do art. 34, XVIII, c, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, dou provimento ao recurso em habeas corpus para revogar a prisão preventiva decretada em desfavor do recorrente, salvo se por outro motivo estiver preso, mediante a prévia assunção do compromisso de cumprir as medidas cautelares descritas, sem prejuízo da decretação de nova prisão pelo Juízo de origem, inclusive em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas, desde que concretamente fundamentada. Comunique-se, com urgência, às instâncias ordinárias. Cientifique-se o Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se.
Relator
OG FERNANDES
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