STJ Ago25 - Execução Penal - Semiaberto Harmonizado Concedido - Homicídio Qualificado - Questão Objetiva não pode fundamentar Negativa - Aspectos devem ser subjetivos - Lei n. 14.843/2024, ao alterar o § 2º do art. 122 da LEP, é Irretroativa

 Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO 

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de JOÃO BXXXXXX contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO no agravo em execução penal n. 0000877-96.2025.8.17.9480. 

Depreende-se dos autos que o juízo de primeiro grau concedeu o regime semiaberto harmonizado ao apenado, para que ele pudesse estudar e exercer trabalho externo em cidade diversa da sede da unidade prisional. 

No julgamento do agravo em execução penal, o Tribunal de origem deu provimento ao recurso do Ministério Público para restabelecer o regime semiaberto ao paciente, em julgado assim ementado (fls. 29-30): 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. REGIME SEMIABERTO HARMONIZADO. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO E QUALIFICADO. CRIME HEDIONDO. PREVISÃO DE PROGRESSÃO PARA O REGIME ABERTO EM 17/03/2027. BENEFÍCIO CONCEDIDO LOGO NO INÍCIO DA EXECUÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. IMPOSSIBILIDADE. PROVIMENTO DO AGRAVO EM EXECUÇÃO. RESTABELECIMENTO DO REGIME SEMIABERTO. DECISÃO UNÂNIME. I. Caso em exame: 1. Trata-se de agravo em execução interposto pelo Ministério Público contra decisão do Juízo da 3ª Vara Regional de Execução Penal que concedeu ao apenado o regime semiaberto harmonizado, permitindo-lhe estudar e trabalhar em local diverso do estabelecimento prisional, com monitoramento eletrônico. II. Questão em discussão: 2. A questão em discussão consiste em saber se é juridicamente possível a concessão do regime semiaberto harmonizado a apenado condenado, inclusive, por homicídio qualificado, com previsão de progressão ao regime aberto para data futura distante, e que iniciou recentemente o cumprimento do regime semiaberto. III. Razões de decidir: 3. O regime semiaberto harmonizado não constitui direito subjetivo do apenado, sendo cabível apenas diante de circunstâncias excepcionais, mediante juízo de cautela. 4. O agravado cumpre pena de 19 (dezenove) anos, 04 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, por homicídio privilegiado e homicídio qualificado (crime hediondo), com início do regime semiaberto em 18/11/2024 e previsão de progressão ao regime aberto para 17/03/2027. 5. A concessão antecipada do regime harmonizado esvaziou o conteúdo retributivo da pena, ferindo os princípios da prevenção geral e especial e colocando em risco a credibilidade do sistema penal, notadamente em casos de maior gravidade. IV. Dispositivo e tese: 6. Agravo em execução provido. Restabelecido o regime semiaberto com determinação de retorno do apenado ao estabelecimento prisional. Tese de julgamento: 1. Não há direito subjetivo do agravado em ser beneficiado com o chamado regime semiaberto harmonizado, sendo de cautela do Juízo das Execuções a análise dos pormenores de cada pleito, para fins de seu deferimento. 2. A concessão prematura do regime semiaberto harmonizado, especialmente em se tratando de crime hediondo, compromete os fins da pena e deve ser reavaliada com rigor, observando-se os princípios da prevenção e da proteção à ordem pública." 

Daí o presente writ, no qual a defesa aponta a fundamentação genérica do TJ para cassar o benefício. Alega que "o art. 37 da LEP prevê o cumprimento de 1/6 da reprimenda total e não em regime semiaberto.

 Esse entendimento foi consolidado na Súmula 40 do STJ, o qual determina que “Para obtenção dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de cumprimento da pena no regime fechado" (fl. 11).

 Argumenta que é desnecessário o adimplemento de qualquer requisito temporal para concessão e trabalho externo no regime semiaberto. Aduz que o paciente preenche o requisito subjetivo para a concessão do trabalho externo, pois não praticou nenhuma falta grave e o exame criminológico não foi desfavorável. 

Requer, liminarmente e no mérito, o restabelecimento da decisão de 1º grau que concedeu o regime semiaberto harmonizado e autorizou o trabalho externo ao paciente. As informações foram prestadas, às fls. 84-181 e 184-219. O MPF manifestou pelo não conhecimento do habeas corpus, às fls. 224-229. 

É o relatório. DECIDO.

 A presente impetração investe contra acórdão, funcionando como substituto do recurso próprio, motivo pelo qual não deve ser conhecida. A 3ª Seção, no âmbito do HC 535.063-SP, de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/06/2020, e o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AgRg no HC 180.365, de relatoria da Ministra Rosa Weber, julgado em 27/03/2020, consolidaram a orientação de que não cabe habeas corpus substitutivo ao recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

Conforme consta, a defesa espera restabelecer o trabalho externo antes concedido pelo juiz da execução. No presente caso, da análise dos elementos informativos constantes dos autos, se verifica flagrante ilegalidade a legitimar a atuação deste Sodalício. 

Ora, o trabalho externo, segundo a Lei de Execução penal, será admissível mesmo para os presos em regime fechado (em serviços ou obras públicas, tomadas as cautelas contra a fuga) e dependerá, além do cumprimento mínimo de 1/6 da pena, da aptidão, disciplina e responsabilidade do sentenciado. 

Vejamos os requisitos exigidos para a sua concessão, verbis: Art. 36. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina. § 1º O limite máximo do número de presos será de 10% (dez por cento) do total de empregados na obra. § 2º Caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse trabalho. § 3º A prestação de trabalho à entidade privada depende do consentimento expresso do preso. Art. 37. A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena. Parágrafo único. Revogar-se-á a autorização de trabalho externo ao preso que vier a praticar fato definido como crime, for punido por falta grave, ou tiver comportamento contrário aos requisitos estabelecidos neste artigo.

 Já, quanto à saída temporária, convém registrar o que dispõem os arts. 122-125 da Lei de Execução Penal (redação atual): 

Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: [...] II - freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução; [...] § 1º A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução. [...] § 2º Não terá direito à saída temporária de que trata o caput deste artigo ou a trabalho externo sem vigilância direta o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa. § 3º Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante ou de instrução de ensino médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes. Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos: I - comportamento adequado; II - cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente; III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena. [...] Art. 125. O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso. Parágrafo único. A recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.

 Vale destacar que esta Corte Superior entende ainda que a simples progressão ao regime semiaberto não concede o direito automático aos demais benefícios extramuros, devendo o aspecto subjetivo do apenado ainda ser apreciado em cada caso. 

Nesse sentido: 

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. VISITA PERIÓDICA AO LAR. TRABALHO EXTRAMUROS. PEDIDOS NEGADOS. FUNDAMENTO IDÔNEO. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. INSUFICIÊNCIA DA RECENTE PROGRESSÃO DE REGIME AO SEMIABERTO. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. [...] 2. A Lei 7.210, de 11/07/1984 (Lei de Execução Penal) estabelece que os benefícios poderão ser negados acaso não se mostrem compatíveis com o objetivos da pena (art. 123, III), entendendo a jurisprudência desta Corte Superior, a mais disso, que a progressão ao semiaberto não autoriza, ipso facto, a visita periódica ao lar. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 669.419/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Olindo Menezes, Des. Convocado do TRF 1ª Região, DJe de 17/9/2021, grifei).

 In casu, o juiz da execução concedeu o benefício do trabalho externo com recolhimento em residência ao sentenciado e monitoramento eletrônico, diante da seguinte fundamentação (fls. 60-61):

 [...] Inicialmente, vale ressaltar que cabe à direção da unidade prisional autorizar o trabalho externo, levando-se em consideração a aptidão, disciplina e responsabilidade do sentenciado (requisitos subjetivos), além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena (requisito objetivo). [...] No caso em epígrafe, o apenado que apresentou proposta séria de emprego formal em município diverso da sede do estabelecimento prisional, cumpre pena pela condenação imposta no art. 121 do Código Penal, progrediu para o regime semiaberto em 21.11.2024 e não conta com faltas ou descumprimentos das regras de encarceramento que desabonem sua conduta. Isto posto, concedo o benefício do trabalho externo com recolhimento em residência ao sentenciado, determinando a aplicação do MONITORAMENTO ELETRÔNICO e sujeitando-o a observância dos seguintes critérios: [...] (grifei)

 O Tribunal de origem, por sua vez, reformou a decisão singular, nos seguintes termos (fls. 21-22):

 [...] Em se tratando de concessão de regime semiaberto harmonizado, as decisões desta Turma dão primazia à cautela do juízo de execuções penal. No entanto, o caso em tela apresenta nuances que não permitem a aplicação desse entendimento. O agravado iniciou o cumprimento da pena no regime semiaberto no dia 18/11/2024 e, de acordo com o atestado de pena colacionado nos autos, a previsão de alcance do regime aberto para o agravado seria apenas em 17/03/2027, de modo que, na hipótese, a concessão do regime semiaberto harmonizado esvaziou o caráter retributivo da pena, violando a prevenção geral e especial, uma vez que o benefício foi concedido de forma prematura, logo no início da execução da pena em regime semiaberto. Ademais, o agravado foi condenado nos autos do processo nº 0016630-84.2012.8.17.0480, pela prática de homicídio privilegiado, tipificado no art. 121, § 1º, do Código Penal, bem como no processo nº 0001022-74.2006.8.17.0280, por homicídio qualificado, previsto no art. 121, § 2º, inciso IV, do mesmo diploma legal, totalizando uma pena de 19 (dezenove) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, sendo este último crime classificado como hediondo. Ao permitir a transferência do agravado para o regime semiaberto harmonizado tão cedo, estamos oportunizando seu retorno ao convívio social sem que tenha cumprido parte considerável da pena, o que coloca em risco a segurança da sociedade. Além disso, é preciso considerar a mensagem que essa decisão envia à sociedade: a concessão de regime semiaberto harmonizado tão cedo sugere que o sistema penal não está levando a sério a gravidade dos crimes hediondos, o que desencadeia a sensação de impunidade e de incentivo a esse tipo de delito. [...] 

No caso disposto, a hediondez do crime levada em consideração pelo TJ não se mostrou adequada pelo princípio da irretroatividade da lei penal:

 AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. SAÍDAS TEMPORÁRIAS. LEI N. 14.843/2024. VEDAÇÃO DE GOZO DO BENEFÍCIO. IRRETROATIVIDADE DA NORMA PENAL MAIS GRAVOSA. DISPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL. ART. 5º, XL, DA CF/88. EXECUÇÃO JÁ INICIADA. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Sobre o tema, consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "[a] Lei n. 14.843/2024, ao alterar o § 2º do art. 122 da Lei de Execução Penal, torna mais gravosa a execução penal, ao vedar a concessão de saídas temporárias para condenados por crimes hediondos ou cometidos com violência ou grave ameaça contra a pessoa" (AgRg no HC n. 943.656/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, DJEN de 26/3/2025.) 2. Em referendo à caracterização das normas relativas a benefícios executórios como dispositivos de direito material, o Supremo Tribunal Federal, ao debruçar-se sobre a possibilidade de retroação dos patamares de progressão da Lei n. 11.464.2007, que deu nova redação ao art. 2º da Lei n. 8.072/1990, o qual dispõe sobre os crimes hediondos, assentou que, "em homenagem à garantia da irretroatividade de lei penal mais gravosa (inciso XL, do art. 5º da CF), entendo que tal diploma legal (11.464/2007) é de se aplicar apenas a fatos praticados após a sua entrada em vigor". (HC n. 92709, Rel. Ministro CARLOS BRITTO, Primeira Turma, DJe-162 DIVULG 28-08-2008 PUBLIC 29-08-2008 EMENT VOL-02330-03 PP-00486). 3. Aliás, "no âmbito do Supremo Tribunal Federal, ao analisar as modificações trazidas pela Lei n. 14.843/2024 no direito às saídas temporárias, o Ministro André Mendonça, relator do HC n. 240.770/MG, entendeu que se trata de novatio legis in pejus, incidente, portanto, aos crimes cometidos após o início de sua vigência. [...] Cabe estender esse raciocínio à nova redação do art. 112, § 1º, da LEP, que passou a exigir exame criminológico para progressão de regime, de modo que deve ser mantido o entendimento firmado na Súmula n. 439/STJ, segundo o qual 'admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.'" (AgRg no HC n. 929.034/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 4/10/2024.) 4. Agravo regimental não provido (AgRg no HC n. 959.116/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 4/6/2025, DJEN de 9/6/2025.)

 Ao fim, tem-se que o paciente, embora condenado por crime grave, foi considerado pelo juiz da execução como apto ao trabalho "sério" (nas suas palavras) por ele apresentado em proposta. Além disso, o Tribunal de origem não foi capaz de infirmar os aspectos subjetivos antes levados em conta pelo juízo primevo, embora tenha até confirmado a sua inserção no regime semiaberto. Diante disso, se constatou a flagrante ilegalidade apontada. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo a ordem, de ofício, para restabelecer a decisão do juízo de primeiro grau, claro, caso nenhum aspecto desabonador superveniente tenha sido registrado. Intime-se, com urgência, a origem para o cumprimento. Publique-se. Intimem-se.

Relator

MESSOD AZULAY NETO

(STJ -  HABEAS CORPUS Nº 1005341 - PE (2025/0182331-6) RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO,  Publicação no DJEN/CNJ de 13/08/2025.)

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