STJ Jul25 - Nulidade da Delação Premiada em Face do Paciente - Advogado Delatando Cliente - Quebra de Sigilo Profissional - Crimes de Lavagem de Capitais, Licitação, Tributários

 Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO

Trata-se de recurso ordinário interposto por M A C, contra acórdão proferido pela Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no julgamento do HC n. 5029438-58.2023.4.03.0000.

A Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros da Polícia Federal situada na capital paulista deu início à Operação Silício com a instauração de inquérito policial para apurar crimes contra a ordem tributária, lavagem de dinheiro, fraudes a procedimentos licitatórios e crimes contra o sistema financeiro nacional.

As investigações se iniciaram após acordo de colaboração premiada por meio do qual se descortinou um esquema de emissão de notas fiscais “frias” por empresas controladas por um escritório de advocacia com o objetivo de formar um caixa paralelo para sonegar tributos e lavar o dinheiro da sonegação.

Esse caixa paralelo, segundo os delatores, teria servido de fonte de valores usados para pagar propina a servidores público com o objetivo de vencer procedimento licitatório promovido pela empresa pública federal CEITEC S.A.

No curso das investigações, foram autorizadas medidas cautelares de sequestro financeiro e busca e apreensão. A defesa impetrou habeas corpus na origem alegando nulidade do acordo de colaboração premiada celebrado entre os advogados Luiz Carlos XXXXXXXXXXXX Claro, que teriam se aproveitado de informações privilegiadas, obtidas na condição de advogados contratados pelo ora recorrente e pela empresa por ele administrada, para celebrar o acordo, violando a cláusula de sigilo profissional.

O Tribunal de origem denegou a ordem, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fl. 8974):

PENAL. PROCESSO PENAL. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. NULIDADE DE ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA E DEMAIS PROVAS DECORRENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A colaboração premiada é suficiente para a instauração de investigação policial, mas não serve como único fundamento para o recebimento da denúncia, nos termos do art. § 16, da Lei n. 12.850/2013. 2. A lei 14.365/22 que alterou o Estatuto da Advocacia e determinou a proibição de advogado efetuar colaboração premiada contra quem seja ou tenha sido seu cliente deve incidir sobre acordos que versem sobre fatos ocorridos após o início da vigência da Lei. 3. A inviolabilidade prevista no art. II, da Lei n. 8.906/1994 não se presta para afastar a persecução penal e permitir a suposta prática de delitos pessoais pelos advogados e seus clientes. 4. Ainda que se garanta à defesa do paciente impugnar as provas oriundas de acordo de colaboração premiada firmado pelos advogados, não é cabível aos impetrantes questionar o conteúdo da celebração na via eleita, de cognição sumária, já que a análise de eventual autoria e materialidade delitivas demanda revolvimento aprofundado de fatos e provas. 5. Ordem denegada. (TRF3. HC n. 5029438-58.2023.4.03.0000. Rel. Des. Fed. Maurício Kato. Quinta Turma. Julgado em 11 de dezembro de 2023).

Neste recurso (e-STJ, fls. 9016-9042), a defesa reitera os argumentos já apresentados em favor do reconhecimento da nulidade do inquérito policial iniciado por colaboração premiada prestada por advogados contratados pelo investigado.

Reafirma que as investigações se iniciaram somente a partir das declarações prestadas pelos advogados que prestavam consultoria jurídica ao recorrente e à empresa por ele administrada em sede de colaboração premiada celebrada entre os patronos e o Ministério Público Federal.

Diante disso, requer o provimento deste recurso para declarar nulos os acordos de colaboração premiada celebrados pelos advogados Luiz Carlos XXXXXXX, com o desentranhamento de suas declarações e das provas daí derivadas, com o consequente trancamento do inquérito policial por ausência de justa causa para sua continuidade.

Não há pedido liminar. Os autos foram remetidos ao Ministério Público Federal, que se manifestou pelo não provimento do recurso (e-STJ, fls. 9066-9075).

É o relatório. Decido.

Este recurso é tempestivo e atende aos demais requisitos formais de admissibilidade. Passo ao exame de seu mérito. Conforme relatado, a defesa se insurge, em síntese, contra a colaboração premiada realizada pelos advogados do recorrente, incriminando-o.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, em mais de uma oportunidade, no sentido da impossibilidade de o advogado delatar fatos cobertos pelo sigilo profissional, uma vez que, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, o sigilo profissional é premissa fundamental para exercício efetivo de defesa e para a relação de confiança entre defensor técnico e cliente (Rcl 37.235/RO, Dje 27/5/2020).

As instâncias antecedentes informam que houve a instauração de inquérito policial após a celebração de acordo de colaboração premiada celebrada por Gabriel SilveiraXXXXXXXXXXXXXXX.

O procedimento visava apurar possíveis crimes contra a ordem tributária, lavagem de dinheiro, crime contra a Administração Pública e contra o Sistema Financeiro Nacional.

As apurações foram motivadas pelo fato de o ora recorrente, na condição de sócio da Ima do Brasil Importação e Exportação LTDA, ter negociado com o escritório de advocacia dos colaboradores a emissão de notas fiscais “frias” por empresas controladas pelo escritório com o objetivo de formar um caixa paralelo, sonegar tributos federais e lavar o dinheiro da sonegação.

Ainda de acordo com os colaboradores, uma parte do caixa paralelo gerado teria sido utilizada para pagamento de suborno para servidores públicos, com o objetivo de vencer licitação promovida pela empresa pública federal CEITEC S/A, que tem a IMA DO BRASIL como fornecedora, pelo menos desde 2012, conforme informação disponível no portal da transparência, do governo federal.

Outra parte do caixa dois teria sido remetida ao exterior por meio de operação dólar cabo viabilizada por doleiro apresentado ao recorrente pelos colaboradores (e-STJ, fl. 8962).

O pleito defensivo foi analisado pelo Tribunal de origem, que entendeu inexistir vício na colaboração prestada pelos advogados por não ser esta a única ferramenta utilizada para fundamentar o oferecimento e o recebimento da denúncia.

A Corte destacou que as informações repassadas pelos colaboradores foram corroboradas com os elementos objetivos e materiais encontrados anteriormente no material apreendido quando do cumprimento de mandados de busca e apreensão expedidos em desfavor de Luiz CarlosXXXXXXXXo, por ocasião da deflagração das Operações DESCARTE e CHIAROSCURO. Na ocasião foram encontrados e-mails, planilhas e notas fiscais fictícias sobre a simulação de operações mercantis e contratos simulados de prestação de serviços advocatícios e consultorias, utilizados para o branqueamento de valores oriundos da prática de crimes. (e-STJ, fl. 8970).

Não há dúvidas quanto à existência da relação de patrocínio firmada entre o recorrente e os réus colaboradores, de maneira que deve prevalecer o entendimento acerca da impossibilidade de o advogado delatar seu cliente, sob pena de se fragilizar o direito de defesa. dessa maneira, deve ser considerada inválida a colaboração premiada naquilo que se refere ao recorrente, bem como as provas a partir daí derivadas.

No mesmo sentido, cito:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO RIQUIXÁ. ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. QUESTIONAMENTO FORMULADO POR DELATADOS. LEGITIMIDADE E INTERESSE. PRECEDENTES DA SEGUNDA TURMA DO STF E DA QUINTA TURMA DO STJ. VIOLAÇÃO DO SIGILO PROFISSIONAL. CONDIÇÃO DE INVESTIGADO/DENUNCIADO. IRRELEVÂNCIA. 1. Cabe ao Poder Judiciário fazer o controle da legalidade do acordo de colaboração premiada a partir da provocação do delatado, cuja esfera jurídica é atingida devido à quebra do sigilo profissional do advogado, corréu, colaborador. 2. Caso em que o advogado delator estava sendo investigado e foi acusado de crimes ligados à organização criminosa formada com o objetivo de fraudar licitações. O modus operandi, os supostos agentes e partícipes já tinham sido identificados pelo Ministério Público, tanto que a denúncia já havia sido oferecida antes de o acordo de colaboração premiada ser firmado com o então advogado da principal empresa foco das investigações. 3. É inegável que o acordo de colaboração premiada em questão repercute na esfera jurídica dos recorrentes, uma vez que a denúncia foi aditada por causa das provas dali decorrentes e, sobretudo, porque o pacto adveio da quebra do sigilo profissional do corréu, que, até a celebração do acordo, era advogado da empresa desses sócios investigados e as informações dadas ao Parquet foram obtidas por conta daquela prestação de serviços advocatícios. 4. É inadmissível a prova proveniente de acordo de colaboração premiada firmado com violação do sigilo profissional, não havendo falar em justa causa para a utilização do instituto como mecanismo de autodefesa pelo advogado, mesmo que a condição profissional não alcance todos os investigados. 5. Recurso provido para anular o processo desde o aditamento da denúncia, com determinação para desentranhamento das provas originadas do acordo de colaboração premiada firmado entre o então advogado e o Ministério Público estadual. ( RHC n. 179.805/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 21/5/2024, DJe de 29/5/2024.) RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR HABEAS CORPUS. EXCEPCIONALIDADE. LEI N. 12.850/2013. COLABORAÇÃO PREMIADA FEITA POR ADVOGADO. NATUREZA JURÍDICA DE MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA. POSSIBILIDADE DE ANULAÇÃO. VIOLAÇÃO DE SIGILO PROFISSIONAL. ART. 34VII, DA LEI N. 8.906/1994. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. MÁ-FÉ CARACTERIZADA. NULIDADE DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. PRECEDENTES DO STF. RECURSO PROVIDO. 1. O trancamento da ação penal por habeas corpus é medida excepcional, admissível quando comprovada a atipicidade da conduta, a incidência de causas de extinção da punibilidade ou a falta de provas de materialidade e indícios de autoria. 2. Nos termos da Lei n. 12.850/2013, o acordo de colaboração premiada é um meio de obtenção de provas, no qual o poder estatal compromete-se a conceder benefícios ao investigado/acusado sob condição de cooperar com a persecução penal, em especial, na colheita de provas contra os outros investigados/acusados. 3. É possível a anulação e a declaração de ineficácia probatória de acordos de colaboração premiada firmados em desrespeito às normas legais e constitucionais. 4. O dever de sigilo profissional imposto ao advogado e as prerrogativas profissionais a ele asseguradas não têm em vista assegurar privilégios pessoais, mas sim os direitos dos cidadãos e o sistema democrático. 5. É ilícita a conduta do advogado que, sem justa causa, independentemente de provocação e na vigência de mandato, grava clandestinamente suas comunicações com seus clientes com objetivo de delatá-los, entregando às autoridades investigativas documentos de que dispõe em razão da profissão, em violação ao dever de sigilo profissional imposto no art. 34VII, da Lei n. 8.906/1994. 6. O sigilo profissional do advogado é premissa fundamental para exercício efetivo do direito de defesa e para a relação de confiança entre defensor técnico e cliente. 7. O Poder Judiciário não deve reconhecer a validade de atos negociais firmados em desrespeito à lei e em ofensa ao princípio da boa-fé objetiva. 8. A conduta do advogado que, sem justa causa e em má-fé, delata seu cliente, ocasiona a desconfiança sistêmica na advocacia, cuja indispensabilidade para administração da justiça é reconhecida no art. 133 da Constituição Federal. 9. Ausente material probatório residual suficiente para embasar a ação penal, não contaminado pela ilicitude, inafastável o acolhimento do pedido de trancamento da ação penal. 10. Recurso provido para determinar o trancamento da ação penal. ( RHC n. 164.616/GO, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022.)

Pelo exposto, dou provimento ao recurso em habeas corpus, para anular a colaboração premiada na parte em que se refere ao recorrente, bem como as provas derivadas, com o consequente desentranhamento dos autos. Publique-se.

Relator

REYNALDO SOARES DA FONSECA

(STJ - RHC 194064/SP (2024/0059240-0), RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA, Publicado DESPACHO / DECISÃO em 17/07/2025)

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