STJ Out25 - Revogação de Prisão Preventiva em Liminar - Homicídio - Acidente na 3ª Ponte - Vitória/ES - Prisão Por Conveniência da Instrução Criminal - Pronúncia Revogou o Direito de Responder em Liberdade Por Supostos Atos Protelatórios da DEFESA: (i) Fez Questão de Ordem de Acesso às Provas (SV.14 do STF), (ii) Demora das Alegações Finais, (iii) embargou - Fundamento Inidôneo Para a Prisão (Vídeo Sobre o Tema)

 Carlos Guilherme Pagiola


VÍDEO SOBRE O TEMA:

https://www.instagram.com/p/DQX3GCVDqpL/?igsh=Mnc1dHhma3duYTU3

DECISÃO

Trata-se de recurso em habeas corpus interposto por IVOMARXXXXXXXXXXXXXXXXX contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo que, nos autos do HC n. 5010340- 45.2025.8.08.0000, denegou a ordem (fls. 683/691), mantendo a prisão preventiva e a negativa do recurso em liberdade, no bojo da Ação Penal n. 0014288-18.2019.8.08.0024, em que restou pronunciado como incurso no art. 121, caput (duas vezes), na forma dos arts. 29, caput, e 70, segunda parte (concurso formal impróprio), todos do Código Penal; e art. 308 da Lei n. 9.503/1997, em trâmite na 1ª Vara Criminal e do Tribunal do Júri da comarca de Vitória/ES (fls. 76/122).

Alega-se, em síntese, que o acórdão recorrido deve ser reformado, pois não houve qualquer apreciação dos fundamentos elencados, a saber:

(i) art. 315, § 2º, IV, do CPP: fundamentar com ativismo judicial a prisão preventiva exclusivamente em decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos - CDIH, que nem sequer se adequam ao fundamento da prisão; (ii) art. 315, § 2º, IV, do CPP: fundamentar a prisão preventiva em fatos que não configuram tumulto processual, e não permitiriam a prisão preventiva por "conveniência da instrução criminal" e a "aplicação da lei penal" (art. 312 do CPP); (iii) art. 315, § 2º, IV, do CPP: fundamentar a insuficiência da hipótese da aplicação de outras medidas cautelares ao fato do acusado ser advogado, que nem sequer está atuando em causa própria no processo penal; (iv) art. 315, § 2º, IV, do CPP: fundamentar a prisão preventiva sem fato novo e contemporâneo e em fundamentos vagos e abstratos; e (v) art. 315, § 2º, V, do CPP: a decisão se fundamentou em acórdão do Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 117.907/PR) que em nada se assemelha com o caso concreto.

Requer-se, assim (fls. 743/744 – grifo nosso):

[...] liminarmente, inaudita altera parte, ordem de Habeas Corpus para revogação da prisão preventiva, sendo posteriormente confirmada a decisão liminar no julgamento do mérito, com a reforma da decisão denegatória, uma vez que a prisão preventiva afronta os princípios constitucionais da legalidade (taxatividade) e da reserva legal (lei em sentido material), que não dispõem de nenhuma hipótese de decretação de prisão preventiva pautada nas hipóteses de tumulto processual descritas na decisão (arts. 312 e 313 do CPP), subsumindo os fundamentos da prisão preventiva nas vedadas hipóteses de analogia in malam partem e novatio in mellius; [...] liminarmente, inaudita altera parte, ordem de Habeas Corpus para revogação da prisão preventiva, sendo posteriormente confirmada a decisão liminar no julgamento do mérito, com a reforma da decisão denegatória, uma vez que inexiste periculum libertatis para a conveniência da instrução penal e aplicação da lei penal que justifique a prisão, eis que ocorreu a perda do objeto do alegado receio de tumulto processual, quando da prolação da sentença da pronúncia, bem como inexiste fato novo e contemporâneo de perigo de fuga e prática de nova infração penal; [...] a revogação da proibição do sr. Ivomar recorrer em liberdade determinada na decisão de pronúncia, uma vez que inexiste qualquer periculum libertatis para a conveniência da instrução penal e da aplicação da lei penal que justifique tal proibição, eis que ocorreu a perda do objeto do alegado receio de tumulto processual, quando da prolação da sentença da pronúncia, bem como inexiste fato novo e contemporâneo de perigo de fuga e prática de nova infração penal; [...] o restabelecimento das cautelares determinadas no processo n. 0014288- 18.2019.8.08.0024 [...]; [...] subsidiariamente, a aplicação de outras medidas cautelares diversas da prisão estatuídas no art. 319 do CPP, em substituição da prisão cautelar; Estes autos foram a mim distribuídos por prevenção (HC n. 534.966/ES).

Requisitadas as informações ao Juízo processante, antes da análise do pleito liminar (fls. 1.737 e 1.781), foram-me assim prestadas (fls. 1.741/1.742 – grifo nosso):

A prisão preventiva do acusado IVOMARXXXXXXXXXXXX foi decretada em 18 de junho de 2025, por decisão proferida nos autos cautelares nº 5022829-42.2025.8.08.0024, com fundamento na garantia da conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal, em razão do seu notório padrão de conduta protelatória e abusiva, que compromete a celeridade e a efetividade do processo penal. Este Juízo fundamentou a Decisão, em atendimento ao detalhado requerimento do Ministério Público e em consonância com princípios e precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que impõem a razoável duração do processo e a proteção dos direitos das vítimas. Foram destacadas uma série de condutas processuais protelatórias e abusivas, dentre as quais se incluem: *Não apresentação de Alegações Finais; * Reiteração de pedidos de suspensão/adiamentos de audiências; * Tentativa de reabertura da instrução com oitiva de testemunhas já ouvidas; * Apresentação de novos quesitos periciais após o encerramento da fase própria; * Insistência em teses já rejeitadas, como a quebra de cadeia de custódia e refazimento de prova pericial; * Formulação de alegações infundadas de "fatos novos" para ampliar desnecessariamente a instrução processual; * Interposição de embargos de declaração com efeito infringente e caráter meramente protelatório. Especificamente, a Decisão de prisão aponta que a Defesa de Ivomar permaneceu inerte até 18/06/2025 (data da decisão) após ser intimada pela segunda vez (em 05/05/2025) para apresentar Alegações Finais, demonstrando mais uma vez a intenção protelatória. Além disso, cita o reconhecimento da intenção protelatória da Defesa pelo Ministro Dias Toffoli na Reclamação nº 78.170-eSTF, ajuizada por Ivomar Rodrigues Gomes Junior contra ato da 1ª Vara Criminal de Vitória/ES. O reclamante alegou desrespeito à Súmula Vinculante nº 14 e negativa de acesso amplo aos autos. Em síntese, o reclamante argumentou que os arquivos digitais e fotos do acidente, base para o Laudo Pericial nº 9618/2019, demoraram anos para serem disponibilizados, e que os módulos dos veículos para aferir a velocidade ainda não foram liberados para contraprova. Sustentou, ainda, que o acesso ao acervo probatório está sendo ilegalmente selecionado pelo Juízo. O reclamante pleiteou, sem sucesso, por três vezes, o acesso aos módulos para contraprova. A r. Decisão do STF, proferida pelo Ministro Dias Toffoli em 24 de abril de 2025, negou seguimento à reclamação, por manifesta improcedência. O relator entendeu que não se visualizou o alegado descompasso relativamente à Súmula Vinculante nº 14, pois não ficou demonstrada negativa de acesso aos autos, mas tão somente indeferimentos de dilações de prazos e refazimento de provas. Ressaltou, ainda, que a temática proposta pelo reclamante consistia em mais uma tentativa de análise da pertinência da forma utilizada para a coleta de provas e instrumento para dilação de prazo processual, o que é impossível na via da reclamatória. Também foi reiterado o entendimento de que a reclamação não se presta para substituir recurso específico ou para o reexame do mérito da demanda originária. Foi enfatizado pelo e. STF que este Juízo oportunizou à Defesa de parecer técnico (ID 54562690), indicando que houve a possibilidade de produzir elementos técnicos para subsidiar suas teses. Ademais, foi reafirmada a decisão proferida em 10/04/2024, no tocante à alegada quebra de cadeia de custódia, destacando-se que o instituto foi inserido no CPP pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) em 24/01/2020, ou seja, após a ocorrência dos fatos (22/05/2019), não havendo, naquele período, obrigatoriedade quanto à observância da cadeia de custódia na forma atualmente prevista. A decisão do e. STF citou precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no HC n. 739.866/RJ) que confirmam o entendimento de que não é possível falar em quebra da cadeia de custódia por inobservância de dispositivos legais que não existiam à época dos fatos. Foram também indeferidos os pedidos de dilação de prazo, refazimento de prova pericial e outras diligências protelatórias, uma vez que as perícias oficiais pertinentes foram juntadas, com respostas aos questionamentos das Defesas e a possibilidade de apresentação de pareceres técnicos, o que afasta qualquer alegação de cerceamento de defesa. O acusado IVOMAR XXXXXXXXXXXXX encontra-se preso desde o dia 18 de junho de 2025 (exatos 118 dias). interpôs Recurso em Sentido Estrito contra a decisão de pronúncia. O recurso foi recebido e a distribuição dos autos ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) ocorreu em 14 de agosto de 2025, sob o número 5031670-26.2025.8.08.0024. Atualmente, o feito aguarda o julgamento do Recurso em Sentido Estrito (autos nº 5031670-26.2025.8.08.0024) manejado pela Defesa do acusado junto ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

Petição protocolizada pela defesa (n. 01020560/2025) reiterando os pedidos do presente recurso e a apreciação e concessão do pedido liminar de liberdade, com o restabelecimento das cautelares anteriores, ou as cautelares do art. 319 que esta Relatoria julgar conveniente, inclusive a determinação do monitoramento eletrônico (fls. 1.796/1.810).

É o relatório.

A concessão de liminar em habeas corpus e em recurso em habeas corpus é medida de caráter excepcional, cabível apenas quando a decisão impugnada estiver eivada de ilegalidade flagrante, demonstrada de plano. Da análise dos autos, ao menos em um juízo perfunctório, verifica-se que o pedido formulado reveste-se de plausibilidade jurídica, sendo o caso de deferir-se a medida de urgência. Por ocasião da prolação de sentença de pronúncia, ao negar o direito do ora recorrente de recorrer em liberdade, o Magistrado de piso fê-lo sob estes fundamentos (Processo n. 0014288-18.2019.8.08.0024 – fl. 121 – grifo nosso):

Não concedo ao réu IVOMAR o direito de recorrer em liberdade. No dia 18/06/2025, decretei a prisão preventiva do mesmo, considerando a gravidade dos crimes imputados (homicídios dolosos) e, principalmente, o padrão de comportamento processual alegadamente protelatório e abusivo do acusado IVOMAR, amplamente detalhado pelo Ministério Público, plenamente descrito nos autos. No caso do referido acusado, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, será inadequada e insuficiente para garantir a conveniência da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal. A sistematicidade das condutas descritas, que perpassam diversas instâncias judiciais e demonstram uma estratégia deliberada de atrasar o julgamento, sugere que medidas alternativas não seriam capazes de coibir a alegada obstrução processual e garantir que o acusado se submeta ao regular andamento da ação penal. O risco concreto à conveniência da instrução criminal, evidenciado pela tentativa de prolongamento artificial do processo e a possível influência na memória de testemunhas ao longo do tempo, e o impacto na efetiva aplicação da lei penal. No dia 23/06/2025, foi realizada Audiência de Custódia, ocasião em que mantive o decreto prisional do acusado. Da referida data, até a presente, o Douto Advogado do réu apresentou seus memoriais, o que caracteriza fato novo, entretanto, o histórico processual demonstra que tais condutas obstrutivas podem ser retomadas pelo acusado. Assim, mantenho a custódia cautelar de IVOMAR RXXXXXXXXXXXXXXXXXXR, com fundamentos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal, e em atenção aos princípios e precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos que impõem a razoável duração do processo e a proteção dos direitos das vítimas. A medida é necessária para garantir a conveniência da instrução criminal, haja vista o notório padrão de conduta protelatória demonstrada, que compromete a celeridade e a efetividade do processo penal, e para assegurar a aplicação da lei penal, impedindo que as manobras processuais levem à impunidade e frustrem a tutela jurisdicional devida às vítimas e à sociedade.

Ao denegar a ordem, preservando a negativa do recurso em liberdade, o Tribunal a quo fê-lo sob estas razões (fl. 690 – grifo nosso)

A apontada autoridade coatora ressaltou a natureza dessas condutas praticadas por um réu que é advogado e possui conhecimento técnico, o que revelaria uma deliberada intenção de impedir o regular exercício da jurisdição penal e postergar o julgamento pelo Tribunal do Júri. O periculum libertatis foi expressamente motivado pela sistematicidade das condutas que "sugerem que medidas alternativas não seriam capazes de coibir a alegada obstrução processual e garantir que o acusado se submeta ao regular andamento da ação penal". Conforme consignado na fundamentação da decisão de pronúncia, o acusado apresentou mais de cem quesitos técnicos aos peritos, impetrou diversos habeas corpus e adotou conduta reiteradamente protelatória, circunstâncias que implicaram grave prejuízo à razoável duração do processo e colocaram em xeque a credibilidade da jurisdição penal. O Juízo de origem, com acerto, destacou que o exercício do direito de defesa deve observar os deveres de boa-fé, lealdade e cooperação processual, e que a utilização abusiva dos instrumentos legais por parte do acusado /advogado evidencia risco concreto à efetividade da persecução penal. Além disso, foi assinalado que a manutenção da prisão é medida indispensável para assegurar a presença do réu no julgamento pelo Tribunal do Júri, de modo que a segregação cautelar se revela imprescindível para a concretização do ato processual e para a eficácia da futura decisão de mérito. [...]

Pois bem. Conquanto reconheça a motivação apresentada pelas instâncias ordinárias para a decretação e manutenção da segregação cautelar, no caso dos autos, levando-se em conta, pois, o atual momento processual, em que já houve a prolação de sentença de pronúncia em desfavor do recorrente, inclusive, com a interposição do recurso em sentido estrito pela defesa, que, atualmente, se encontra em trâmite perante o Tribunal local, no meu entender, aparentemente, o "alcance" e a "abrangência" de eventuais condutas protelatórias por parte da defesa, com vistas ao atraso do julgamento, revelam-se "refreados" e "restringidos", não se justificando mais, em princípio, a medida constritiva extrema.

Tal o contexto, defiro a liminar a fim de, até o julgamento do mérito deste recurso em habeas corpus e salvo se por outro motivo estiver preso, assegurar ao pronunciado Ivomar Rodrigues Gomes Junior o direito de aguardar em liberdade, mediante o cumprimento de medidas cautelares diversas previstas no art. 319 do Código de Processo, a saber: (i) monitoramento eletrônico; (ii) proibição de dirigir; e (iii) proibição de acesso ou frequência a locais/lugares onde sirvam bebidas alcoólicas; sendo facultado, ainda, ao Magistrado de piso, se assim o entender necessário à espécie, a aplicação de outras medidas alternativas, sem prejuízo da decretação da custódia provisória em caso de superveniência de motivos novos e concretos para tanto (ref. Processo n. 0014288-18.2019.8.08.0024).

Comunique-se, "com urgência", às instâncias ordinárias. Solicitem-se informações à autoridade tida coatora sobre os fatos alegados na inicial, notadamente a respeito do atual andamento do recurso em sentido estrito interposto em prol do ora recorrente, juntando-se documentação pertinente. Tais informes deverão ser prestados, preferencialmente, por meio da Central do Processo Eletrônico – CPE do STJ, no prazo de 20 dias. Após, abra-se vista ao Ministério Público Federal. Em seguida, conclusos. Publique-se. Brasília, 23 de outubro de 2025. Ministro Sebastião Reis Júnior Relator

(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 224986 - ES (2025/0388543-1) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Publicação no DJEN/CNJ de 27/10/2025.)

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