STJ Set25 - Inquérito em Trâmite há mais de 4 anos - Constrangimento - Irrazoável - Trancamento do Procedimento - Crime de Quebra de Sigilo Funcional - 325 do CP

 Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de ERICK XXXXXXXXXXX, em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO (fl. 2).

Na inicial, a Defesa informa que o paciente está sendo investigado no âmbito do Inquérito Policial nº 2020.0108826 pela suposta prática do crime capitulado no art. 325 do Código Penal (fls. 4-5).

Sustenta que não existe lastro probatório mínimo que autorize o prosseguimento da investigação por prazo indefinido causando inegável constrangimento ilegal ao paciente (fl. 8).

Afirma que o constrangimento ao paciente permanece com mais ameaças de oitivas e restrições a direitos (fl. 8). Alega que a delonga por, repita-se, mais de 5 (cinco) anos da veiculação da reportagem ocorrida em 03/02/2020, e mais de 4 (anos) anos e meio do início da investigação, se mostra abusiva e ofensiva ao princípio da razoabilidade (fl. 10).

Afirma que a questão da dilação indevida do processo também deve ser reconhecida quando o imputado está solto, pois ele pode estar livre do cárcere, mas não do estigma e da angústia prolongada (fl. 10).

Salienta que a ausência de indícios de qualquer prática criminosa antes da adoção de medidas constritivas ou invasivas destinadas à ‘pescaria’ de indícios da ocorrência de fatos criminosos pode trazer, claramente, o caráter exploratório e abusivo pela autoridade (fl. 24).

No mérito, a Defesa requer o trancamento do presente inquérito policial (fl. 25). Subsidiariamente, pugna pela estipulação de prazo não maior que 60 (sessenta) dias para a conclusão do inquérito policial n.º 2020.0108826 (fl. 25).

A Defesa também pleiteia seja deferido o pedido de tramitação sob segredo de justiça (fl. 25). A liminar foi indeferida às fls. 914-916. As informações foram prestadas às fls. 921-1006.

O Ministério Público Federal lançou o parecer, às fls. 1.010-1.013, pelo não conhecimento do habeas corpus ou pela sua denegação.

É o relatório. DECIDO.

A presente impetração investe contra acórdão, funcionando como substituto do recurso próprio, motivo pelo qual não deve ser conhecida. A 3ª Seção, no âmbito do HC 535.063-SP, de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/06/2020, e o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AgRg no HC 180.365, de relatoria da Ministra Rosa Weber, julgado em 27/03/2020, consolidaram a orientação de que não cabe habeas corpus substitutivo ao recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado Passo a analisar a presença de coação ilegal que desafie a concessão da ordem ofício, em observância ao § 2º do artigo 654 do Código de Processo Penal.

O pedido de trancamento do inquérito policial por ausência de justa causa constitui medida excepcional. Ressalte-se que a liquidez do pleito formulado constitui requisito inafastável, pois o exame aprofundado de provas é inadmissível no espectro processual do habeas corpus ou de seu recurso ordinário, uma vez que seu manejo pressupõe ilegalidade ou abuso de poder flagrante a ponto de ser demonstrada de plano.

Nesse sentido:

[...] O encerramento prematuro de ações penais ou de inquéritos policiais pela via mandamental somente é possível quando, de plano, comprovar-se a inépcia da peça acusatória, a atipicidade da conduta ou a presença de causa extintiva de punibilidade. Também é possível o trancamento de ações penais diante da ausência de elementos mínimos de autoria ou de prova de materialidade da conduta imputada. (AgRg no HC n. 989.060/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/6/2025, DJEN de 25/6/2025.)

Quanto à suposta ausência de justa causa para a ação penal, no caso concreto, destaque-se o seguinte excerto do acórdão impugnado (fls. 896-897):

Pois bem, com todas as vênias à combativa defesa, não vejo como concluir que o IPL de origem está desprovido de mínima justa causa. A decisão do MM. Juiz da 8ª Vara Federal Criminal/SJRJ (processo 5084209-41.2020.4.02.5101/RJ, evento 30, DESPADEC1), integralmente confirmada pela 7ª Câmara de Coordenação e Revisão (processo 5084209-41.2020.4.02.5101/RJ, evento 37, EXTRATOATA2), bem evidencia o contrário, sinalizando não apenas aquilo que pode concretizar indícios de revelação prévia do arquivamento que sobreviria para o IPL nº 0060/2018-3 como também os mínimos indícios de autoria, que inclusive foram em alguma medida ampliados pelas declarações do próprio paciente, que em acareação informou haver dado prévio conhecimento desse desfecho de arquivamento a outros dois Delegados, a indicar que não estamos diante de fatos manifestamente inviáveis ou cuja ilicitude esteja peremptoriamente rechaçada no que concerne ao art. 325 do CP.

Ocorre que a eventual desconstituição de tais premissas demandaria aprofundada dilação probatória, totalmente incompatível com a via eleita. A leitura do aludido julgado revela a existência de fundamentação pertinente ao caso e ao momento das investigações, no qual evidentemente não poderia haver profunda análise probatória.

Não se descure que, para a eventual concessão da ordem, far-se-ia necessário que o direito alegado pela Defesa fosse líquido – dispensando apuração probatória – e certo – indene de dúvidas.

Dentro desse contexto, não se observa mácula no acórdão proferido pelo Tribunal a quo, que não acolheu as teses defensivas e, em razão disso, não reconheceu a falta de justa causa para o inquérito policial e nem a existência de fishing expedition.

Quanto ao excesso de prazo para a conclusão do inquérito policial, para melhor elucidação do caso, vejam-se os fundamentos do Tribunal a quo para denegar o habeas corpus (fls. 897-898):

[...] 4. ALEGADO EXCESSO DE PRAZO Especificamente com relação à alegação de excesso de prazo na conclusão do IPL, de fato, a investigação tramita por longo período, instaurado ainda em 2020. Todavia, necessário inicialmente pontuar que o Magistrado a quo, ao prestar informações, esclareceu (evento 7, OFIC1 ) que: "Em nenhum momento foi submetida a este juízo qualquer alegação por parte da defesa de excesso de prazo e/ou tese de prescrição". Isso significa dizer que esta Corte estaria deliberando originariamente e sob supressão de instância sobre a tese de excesso de prazo. E mais ainda, recentemente, em 25/02/2025, a defesa do paciente peticionou no bojo do IPL de origem, submetendo essa alegação de excesso de prazo para sustentar pedido de arquivamento, de modo que a questão já está também submetida à apreciação do MM. Juízo de origem, como se confere do processo 5084209-41.2020.4.02.5101/RJ, evento 88, PET1 . De qualquer forma, cabe reafirmar aquilo que já externei na decisão de indeferimento da liminar, que é a avaliação superficial cabível: "o prazo para conclusão das investigações de investigado solto é impróprio (podendo ser prorrogado a depender do apurado) sendo certo que a 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF considerou indevido o arquivamento ainda em 2022, segundo consta no evento 1, OUT7, o que só reforça a necessidade de instrução deste feito para melhor definição acerca da dilação temporal, se justificada ou desarrazoada ao ponto de resultar em ilegal constrangimento." E num último aspecto, sem avaliação vertical, incabível diante da supressão de instância, vale ressaltar que, a princípio, a só contextualização da tramitação do inquérito originário, na forma como acima externei nos tópicos 1 e 2 deste voto já indica grande complexidade que os fatos tomaram e a quantidade de diligências realizadas e ainda pendentes, uma delas por negativa do próprio réu em fornecer material gráfico de comparação. Assim, dada a excepcionalidade do caso, não reconheço o manifesto excesso de prazo passível de ensejar trancamento do IPL em sede de habeas corpus originariamente perante esta Corte, sem prejuízo de eventual reapreciação pelo Juízo de origem.

Observa-se que, embora o acórdão impugnado tenha mencionado a supressão de instância na análise do alegado excesso de prazo na conclusão do apuratório, acabou por reconhecer a ausência de flagrante ilegalidade quanto ao ponto, seja porque o prazo é impróprio, seja porque a 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF considerou indevido o arquivamento em 2022.

Passo então a analisar a questão. O inquérito policial foi instaurado em 26/11/2020 (voto de origem, fl. 892). Logo, sem atraso que possa ser imputado à defesa - mesmo porque o investigado não poderia ser obrigado a eventualmente produzir provas contra si mesmo -, constata-se que a investigação perdura por quase cinco anos, o que gera evidente constrangimento ilegal ao ora paciente.

Ressalte-se que a investigação não apresenta complexidade e tem como alvo um único investigado.

Dentro desse contexto, imperioso o reconhecimento de excesso de prazo na continuidade das investigações, por violação ao princípio da razoável duração do processo previsto no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição da República/1988. Nesse sentido:

"Segundo o ordenamento jurídico vigente, a duração razoável do processo e do inquérito constitui um direito fundamental assegurado a todo cidadão pelas leis ordinárias e pela Constituição da República e pelos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Tal direito visa garantir não apenas a efetividade da prestação jurisdicional, mas também a proteção de direitos fundamentais dos jurisdicionados". (HC n. 837.701/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 15/8/2024.)

Esta Corte Superior de Justiça tem se manifestado no sentido de ser possível o trancamento do inquérito policial quando ficar evidente o constrangimento ilegal decorrente do excesso de prazo em sua duração, como no caso em análise.

A propósito:

"[...] 1. Como é cediço, a Constituição Federal, no art. 5º, inciso LXXVIII, prescreve: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". 2. Nos termos da orientação desta Casa, não é possível aceitar que o procedimento investigatório dure além do razoável, notadamente quando as suas diligências não resultem em obtenção de elementos capazes de justificar sua continuidade em detrimento dos direitos da personalidade, contrastados com o abalo moral, econômico e financeiro que o inquérito policial causa aos investigados (RHC n. 58.138/PE, relator Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 15/12/2015, DJe 4/2/2016) (HC n. 799.174/RJ, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 23/6/2023) 3. Na espécie, embora a gravidade dos fatos narrados pela apontada autoridade coatora, verifica-se que a investigação criminal teve início em outubro de 2020 (abertura das investigações por meio de relatório do COAF) e a Operação Nácar foi desenvolvida em setembro de 2021, ou seja, há mais de 3 anos, com o intuito de apurar supostos crimes de organização criminosa, corrupção passiva/ativa e lavagem de dinheiro. No HC-768.998/SP, impetrado em favor de coinvestigado, julgado pela Quinta Turma em 14/2/2023, ou seja, há mais de 1 (um) ano, já foi recomendado por este Relator celeridade na conclusão das investigações. Após, no julgamento do HC-868.292/SP, a autoridade policial informou que não havia diligências pendentes, declarando encerradas as investigações. Os autos do inquérito foram ao Ministério Público Federal no data de 22/12/2023, e novamente em 22/1/2024, e transcorrido o prazo de 60 dias não foi apresentada a denúncia o que configura o apontado constrangimento ilegal. Nesse contexto, embora a ordem proferida anteriormente tenha sido no sentido de conclusão do inquérito no prazo de 30 dias, tem-se que a ausência de manifestação do Ministério Público até o presente momento, ou seja, mais de 2 meses após o encaminhamento dos autos do inquérito à instituição, configura o excesso de prazo noticiado pela defesa, devendo ser trancado o inquérito policial. - Aliás, segundo o histórico processual, existente, o Parquet tinha o inquérito à sua disposição desde novembro de 2022 (todos os elementos colhidos durante a investigação). Ao que consta, até o encerramento oficial do inquisitório, por determinação judicial - dezembro/23, as investigações não sofreram qualquer alteração substancial. 4. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no HC n. 887.709/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 4/6/2024, DJe de 12/6/2024.) [...] 2. Neste caso, o inquérito policial foi instaurado em agosto de 2021, visando apurar suposto crime de sonegação fiscal. Não obstante os argumentos apresentados pelo Parquet estadual, é inegável que o tempo de tramitação do procedimento investigatório criminal estende-se por tempo superior ao usualmente recomendado, não obstante as alegações relativas à complexidade do feito e eventuais entraves para o desenrolar das investigações. (AgRg no RHC n. 210.545/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 5/8/2025, DJEN de 15/8/2025.)

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Todavia, concedo a ordem de ofício para determinar o trancamento do inquérito policial. Comunique-se, com urgência, ao juízo de primeiro grau e ao Tribunal de origem para imediato cumprimento desta decisão. Publique-se . Intimem-se.

Relator

MESSOD AZULAY NETO

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 1024442 - RJ (2025/0292220-7) RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO, Publicação no DJEN/CNJ de 09/09/2025.)

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