STJ Nov25 - Furto Qualificado Pela Escalada - Necessidade de Perícia - Afastamento do Tipo Qualificado para o Simples - TEMA 1087
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio impetrado em favor de JOSE XXXXXXXX, apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado à pena de 6 anos, 3 meses e 11 dias de reclusão, em regime fechado, e pagamento de 39 dias-multa, como incurso no art. 155, caput, (por duas vezes) e art. 155, §4º, II, na forma do art. 69, todos do Código Penal.
A defesa interpôs recurso de apelação perante o Tribunal de origem, que deu parcial provimento ao recurso para reconhecer a continuidade delitiva e reduzir a pena para 3 anos, 9 meses e 7 dias de reclusão e o pagamento de 15 dias-multa, em regime semiaberto, nos termos do acórdão que recebeu a seguinte ementa:
"EMENTA – APELAÇÃO CRIMINAL – RECURSO DEFENSIVO – FURTO SIMPLES E QUALIFICADO POR ESCALADA – PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA POR FALTA DE LAUDO – IMPOSSIBILIDADE – ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO COMPROVADO PELAS DEMAIS PROVAS DOS AUTOS – CONTINUIDADE DELITIVA – CABÍVEL – CONFIGURAÇÃO DO INSTITUTO PELO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS – PRETENSÃO DE ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL – CABÍVEL – EM PARTE COM O PARECER, RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1) Apelação Criminal interposta pelo Réu contra a sentença da 1ª Vara da Comarca de Bonito/MS, que julgou parcialmente procedente a denúncia e o condenou pelos crimes de furto simples (por duas vezes) e furto qualificado mediante escalada, na forma do concurso material. O recurso defensivo pleiteia o afastamento da qualificadora da escalada no terceiro crime, o reconhecimento da continuidade delitiva entre os delitos e o abrandamento do regime prisional. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2) Há três questões em discussão: 2.1. definir se é cabível o afastamento da qualificadora de escalada no terceiro delito; 2.2. estabelecer se há continuidade delitiva entre os três furtos; 2.3. determinar o regime inicial adequado para o cumprimento da pena. III. RAZÕES DE DECIDIR 3) A qualificadora da escalada resta configurada, mesmo sem laudo pericial, diante da prova oral robusta (vítima, testemunha e confissão do réu) e imagens de câmeras de segurança, suficientes para comprovar esforço físico incomum para transpor obstáculo de dois metros de altura. 4) A continuidade delitiva deve ser reconhecida, pois os crimes ocorreram em sequência temporal próxima, em locais semelhantes e mediante o mesmo modus operandi, atendendo aos requisitos objetivos e subjetivos do art. 71, caput, do Código Penal. 5) Embora a pena definitiva seja inferior a quatro anos, o réu é multirreincidente e possui maus antecedentes, justificando o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, §2º, "b", do Código Penal. IV. DISPOSITIVO E TESE 6) Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: a) A qualificadora de escalada pode ser reconhecida sem a necessidade de laudo pericial quando outros elementos probatórios comprovam o esforço incomum exigido. b) A continuidade delitiva é configurada quando os crimes da mesma espécie são praticados em condições semelhantes de tempo, lugar e maneira de execução, demonstrando unidade de desígnios. c) A imposição do regime semiaberto é adequada para réu multirreincidente e com maus antecedentes, mesmo quando a pena imposta é inferior a quatro anos. Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 33, §2º, "b", 69, 71, caput, e 155, caput e §4º, II; CPP, arts. 155, 158, e 182. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 895.457/SC, rel. Min. Messod Azulay Neto, 5ª Turma, j. 13/05/2024; TJMS, Apelação Criminal n. 0900790-56.2023.8.12.0029, 3ª Câmara Criminal, rel. Des. Fernando Paes de Campos, j. 20/09/2024; TJMS, Apelação Criminal n. 0900163-12.2024.8.12.0031, 1ª Câmara Criminal, rel. Des. Jonas Hass Silva Júnior, j. 28/01/2025." (e-STJ, fls. 7-18)
Neste writ, a defesa alega que a qualificadora da escalada restou mantida, apenas com base em testemunho oral, não tendo sido realizada a necessária perícia ou justificada sua realização. Requer a concessão da ordem para que excluída a qualificadora e readequada a pena.
É o relatório. Decido.
Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício.
O Tribunal de origem assim considerou:
"A defesa sustenta que a qualificadora de escalada deve ser afastada porque "não houve a realização de perícia ou a apresentação de justificativa para a impossibilidade de realização, o que afasta por completo a qualificação do furto." Quanto ao tema o sentenciante consignou: “II.2.1 - Da qualificadora da escalada Há elementos que evidenciam, indene de dúvidas, que o ingresso no estabelecimento Rincão (fato 03), se deu mediante escalada, vez que é uníssono na oitiva do representante da vítima, inclusive corroborado pelo réu, que admitiu os fatos, narrando que pulou o muro medindo cerca de 02 metros de altura para conseguir lograr êxito na subtração dos produtos. Consabido que a qualificadora do §4.º, II, do art. 155 do CP exige para sua caracterização o emprego de força incomum para a subtração da coisa e a sua materialidade pode ser suprida, excepcionalmente, por outros elementos de prova dos autos, tal qual o depoimento da vítima, da testemunha e a confissão do próprio acusado sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido, colhe-se precedente do Superior Tribunal de Justiça: (...) Na hipótese, confirmou-se em juízo que o réu subiu em um muro com cerca de 02 metros de altura para lançar-se ao interior do estabelecimento comercial. Há, portanto, evidente esforço incomum para a transposição do obstáculo, já que a altura do local foi inclusive confirmada no interrogatório do réu, fazendo-se notório a maior reprovabilidade da conduta diante do empenho incomum à obtenção da res furtiva." É cediço que a regra prevista no artigo 158 do Código de Processo Penal, aplicável aos delicta facti permanentis, não é absoluta quando existente nos autos outras provas capazes de formar a convicção do julgador, com a mesma segurança que traria o exame pericial direto. O artigo 182 do mesmo Códex, prevê que o juiz não está adstrito ao laudo. Assim, na interpretação sistêmica das normas, à prova pessoal e material deve-se dar idêntico valor dentro das circunstâncias do caso concreto em análise. Tanto é assim que o artigo 155 da Lei Adjetiva, assegura a adoção da livre convicção ou da persuasão racional, que não estabelece valor entre as provas, de forma que nenhuma prova se sobressai a outra. [...] Conferir aos crimes desse jaez a imprescindibilidade de exame de corpo de delito direto (laudo pericial), importando na desconsideração das demais provas produzidas no decurso da persecução penal, ensejaria a desfiguração do sistema da livre persuasão racional do juiz, confinando os julgadores à análise superlativa de uma única prova ante as demais, por mais suficientes que sejam, capazes de sustentar o decreto condenatório. No presente caso, mesmo na ausência de laudo pericial, não se faz necessário um preparo técnico específico. A escalada pressupõe a entrada em um local por um meio anormal, exigindo do agente esforço físico incomum, como saltar um muro com cerca de 02 metros de altura para lançar-se ao interior do estabelecimento comercial, conforme ocorrido in casu. Inclusive, a descrição dos fatos fornecida pela vítima, testemunha e pelo próprio acusado, torna desnecessária a utilização de conhecimentos técnicos adicionais para comprovar o ocorrido. [...] Desta forma, deve ser mantida a incidência da qualificadora da escalada no caso em análise, tal como fixado na sentença." (e-STJ, fls. 11-13)
Sobre o tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que a incidência das qualificadoras previstas no art. 155, § 4º, I e II, do Código Penal, exige exame pericial para a comprovação do rompimento de obstáculo e da escalada, somente admitindo-se prova indireta quando justificada a impossibilidade de realização do laudo direto, o que não restou explicitado nos autos.
Nesse sentido: AgRg no REsp 1.513.004/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 1/10/2015, Dje 7/10/2015; AgRg no HC 300.808/TO, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 17/3/2015, DJe 26/3/2015.
No caso em análise, a Corte Estadual, ao apreciar a questão, não se manifestou a respeito dos motivos pelos quais a perícia não foi realizada. Em vez disso, contrariando a jurisprudência desta Corte, apenas consignou que a agravante estava caracterizada pelos depoimentos da vítima e de testemunha, salientando que não seria necessária a perícia em razão da evidência do esforço realizado para invadir o estabelecimento que tinha um muro de 2 metros.
Como se vê, o Tribunal de origem não logrou justificar a impossibilidade de realização da perícia, tendo sido apresentados apenas argumentos referentes à existência de evidências no caso. Deste modo, importa ressaltar que, não obstante haver, nos autos, outros elementos aptos a comprovar a escalada, deve a qualificadora ser afastada, pois, além de não ter sido demonstrada a impossibilidade de realização da perícia técnica, tais provas não suprem a necessidade de sua efetivação.
Nesse sentido: "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO QUALIFICADO PELO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. AUSÊNCIA DE PERÍCIA DIRETA. CRIME QUE DEIXA VESTÍGIOS. NECESSIDADE. NÃO REALIZAÇÃO. QUALIFICADORA. INCIDÊNCIA. ILEGALIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, é imprescindível, para a constatação da qualificadora referente ao rompimento de obstáculo, a realização do exame de corpo de delito, a qual somente pode ser suprida pela prova testemunhal, confissão ou outro meio indireto quando os vestígios tenham desaparecido por completo ou em razão de outra excepcionalidade expressamente justificada, circunstâncias que não foram expostas pela instância de origem. 2. Agravo regimental desprovido." (AgRg no REsp n. 2.086.408/RS, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 7/3/2024.); "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FURTO. INSURGÊNCIA QUANTO AO AFASTAMENTO DA MAJORANTE DO REPOUSO NOTURNO. OBSERVÂNCIA DO TEMA REPETITIVO N. 1087. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A decisão agravada está correta, pois observou o entendimento, fixado pela Terceira Seção deste Superior Tribunal no Tema Repetitivo n. 1087, de que '[a] causa de aumento prevista no § 1º do art. 155 do Código Penal (prática do crime de furto no período noturno) não incide no crime de furto na sua forma qualificada (§ 4º)' (REsp n. 1.888.756/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, 3ª S., DJe 27/6/2022). 2. O reconhecimento das qualificadoras do rompimento de obstáculo e da escalada exige a realização de exame pericial, o qual somente pode ser substituído por outros meios probatórios quando inexistirem vestígios, o corpo de delito houver desaparecido ou as circunstâncias do crime não permitirem a confecção do laudo. 3. Na hipótese, é incontroverso que não foi realizado exame pericial para atestar as referidas qualificadoras e as instâncias antecedentes não demonstraram qualquer excepcionalidade que justificasse a sua ausência. 4. Agravo regimental não provido." (AgRg no REsp n. 2.089.587/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 30/11/2023, DJe de 6/12/2023).
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem, de ofício, para afastar a qualificadora da escalada e determinar que a Corte de origem promova nova dosimetria da pena do paciente. Publique-se. Intime-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
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