STJ Nov25 - Porte de Arma (art. 14) Desclassificado para Posse de Arma de Uso Permitido (Art.12)
DECISÃO
Trata-se de agravo (e-STJ, fls. 1379-1409) contra a decisão de fls. 1365-1372, que inadmitiu o recurso especial interposto por MARCOS VINÍCIUS XXXXXXS, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea “a”, da Constituição da República, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO (e-STJ, fls. 1245-1261).
A Defesa esclarece que a matéria constitucional seria violada indiretamente, o que justificaria o cabimento do recurso especial, conforme a Súmula 636 do Supremo Tribunal Federal. Afirma que a análise dos pedidos demanda revaloração jurídica e não reexame de provas.
No recurso especial inadmitido, aponta violação ao artigo 157 do Código de Processo Penal e artigo 12 da Lei nº 10.826/03. Inicialmente, sustenta a ilicitude da prova, alegando a configuração de violação de domicílio pela ausência de mandado judicial e de fundadas razões.
Argumenta que a busca era para um corréu, não para si, que negou a entrada dos policiais, e que a única prova de autorização se baseia em depoimentos policiais isolados, o que seria inidôneo. Seguindo, pede a desclassificação da conduta. Esclarece que o réu foi condenado pelo crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei nº 10.826/03) por munições encontradas em casa de seu pai onde habitava, argumenta que a conduta deveria ser desclassificada para posse irregular (art. 12 da mesma lei).
Aduz que "residência" no artigo 12 não exige propriedade, mas sim a habitualidade, e que o acórdão negou vigência ao dispositivo ao desconsiderar essa interpretação. Instado, o recorrido apresentou contrarrazões ao recurso especial (e-STJ, fls. 1349-1357).
O recurso especial foi inadmitido na origem (e-STJ, fls. 1365-1372), ao que se seguiu a interposição do presente agravo (e-STJ, fls. 1379-1409). Remetidos os autos a esta Corte Superior, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento do agravo (e-STJ, fls. 1570-1571).
É o relatório. Decido.
O agravo impugna adequadamente os fundamentos da decisão agravada, devendo ser conhecido. Passo, portanto, ao exame do recurso especial propriamente dito. Inicialmente, registre-se que o agravante foi condenado como incurso no art. 14 da Lei nº 10.826/03, à pena de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos.
No tocante à violação de domicílio, a instância anterior assim se manifestou (e-STJ, fls. 1274-1291):
“Ao postularem a absolvição por insuficiência probatória, as defesas de KLEBER e MARCOS VINÍCIUS pretendem, inicialmente, a declaração de nulidade das provas, sob o argumento de que foram obtidas de forma ilegal, com violação do domicílio por parte dos policiais militares. [...] Ocorre que o presente caso não se confunde com nenhuma das hipóteses em que se tem declarado a ilegalidade das provas, uma vez que o ingresso nas residências dos acusados foi devidamente justificado. Com efeito, consta que os policiais militares foram deslocados para averiguarem informações de que havia indivíduos armados, e visualizaram KLEBXXXXXXROS portando uma arma de fogo , em via pública, porém ele empreendeu fuga para dentro do imóvel. Com efeito, o Policial Militar WelXXXXrtins afirmou, em juízo, reiteradamente, que visualizou KLEBXXXXXXROS portando uma arma de fogo, porém o suspeito empreendeu fuga para dentro da residência, sendo necessário persegui-lo para dentro do imóvel. Além disso, afirmou que, durante a abordagem de Rhaony, no térreo daquele prédio, ouviram muita movimentação no pavimento superior, indicando fuga de outras pessoas, momento em que se deslocou para o andar de cima, e o suspeito MARCOSXXXXXUS franqueou-lhe entrada na residência, onde foram encontradas algumas munições. No mesmo sentido, o Policial Militar SaXXXXXe afirmou que viu um homem em posse de uma arma de fogo, fugindo para dentro de uma residência, sendo perseguido e alcançado no interior da casa, onde foi localizada uma submetralhadora, posteriormente identificando ser o suspeito Kleber. Afirmou que foi o próprio suspeito quem indicou onde estavam a arma, as drogas e as munições, bem como foi quem informou que, momentos antes, havia se reunido com Rhaony, para planejarem um ataque no Bairro Itararé. Da mesma forma, o Policial Militar Márcio LeXXXXXs também afirmou ter visto Kleber correndo, em via pública, com uma arma em mãos, tendo fugido para dentro da casa, onde foi alcançado. Também relatou que Kleber indicou onde estavam os objetos ilícitos, bem como colaborou ao prestar informações acerca da movimentação para ataques em outro bairro. O Policial Militar BXXXXXXra afirmou que visualizou um indivíduo correndo, com arma na mão, na região conhecida como “Carandiru”, sendo exatamente a pessoa que foi presa dentro da residência. Além disso, já no Bairro Andorinhas, viu Rhaony dispensando uma arma dentro de um veículo Corolla e correndo para dentro de uma residência, de onde também dispensou uma sacola contendo munições de mesmo calibre daquela arma. A Policial Militar Jéssica Lopes relatou que viu RHAONY deixar uma arma dentro de um veículo e correr para dentro de uma residência. Também afirmou que MARCOS VINÍCIUS autorizou entrada dos policiais na residência. Em seu interrogatório, KLEBER negou os fatos, dizendo que estava dentro da casa com sua família, e que somente tinha em depósito uma porção de maconha para seu uso próprio. Além disso, negou ter corrido com arma em mãos. De seu turno, RHAONY também afirmou que estava dentro da casa, negando ter jogado uma arma dentro do carro. Alegou que os policiais lhe agrediram, bem como bateram em moradores e em sua tia, além de invadirem outras 08 (oito) residências, o que acabou inflamando a população. Afirmou, também, que os policiais chegaram a agredir sua advogada, no DPJ. O réu MARCXXXXXXXUS afirmou que não autorizou entrada dos policiais na residência em que estava, pois é a casa de seu pai, tendo os policiais quebrado o cadeado da casa, negando responsabilidade sobre as munições encontradas. Cumpre destacar que foi deferido pelo Juízo o pedido da defesa de Rhaony e Marcos para juntada do procedimento na Corregedoria da PMES acerca da alegada conduta ilícita por parte dos policiais, inclusive quanto à suposta agressão contra uma advogada, porém a defesa não fez a juntada do referido documento. Importa mencionar, ainda, que, embora os réus KLEBER e MARCOS afirmem que os policiais romperam trancas e cadeados para entrarem nas suas residências, não foi produzida qualquer prova nesse sentido, o que reforça a conclusão de que a entrada nos imóveis se deu em verdadeira situação de perseguição policial, após visualizarem os suspeitos em flagrante. A única menção a rompimento de obstáculo consistiu na residência de RHAONY, pois os policiais afirmaram que este não obedeceu à ordem para que saísse do local, e, inclusive passou a dispensar uma sacola pela janela contendo munições (Vol. 01, pp. 23-29). Dessa forma, apesar da negativa dos réus, entendo que não há elementos capazes de induzir dúvida acerca da narrativa trazida de forma harmônica e firme, pelos policiais responsáveis pela ocorrência. A propósito, deve-se registrar a presunção de veracidade que paira sobre as declarações dos agentes públicos responsáveis pela apuração de infrações penais, de modo que suas declarações merecem credibilidade, desde que firmes, harmônicas e corroboradas nas demais provas dos autos, o que não significa atribuir-lhes automático caráter absoluto ou supervalorizado (STJ, AgRg no HC 695.249/SP, QUINTA TURMA, julgado em 26/10/2021; TJES, Apelação Criminal, 038200014892, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, julgado em 13/10/2021). Com efeito, observa-se que, quanto a KLEBER e a RHAONY, estes foram vistos pelos policiais na posse de arma de fogo, bem como empreenderam fuga para dentro das respectivas residências, em evidente situação de flagrante delito. Da mesma forma, em relação ao apelante MARCOS VINÍCIUS, os policiais Wellington e Jéssica afirmaram que este autorizou a entrada na residência que se localizava no andar superior, e, ainda que assim não fosse, há provas suficientes de que, quando realizada abordagem no pavimento inferior, foram ouvidos diversos movimentos de pessoas em fuga, pelos telhados dos prédios vizinhos, oriundos daquela residência superior, o que também demonstrava situação de flagrante delito no local. Cumpre reiterar, por oportuno, que, além de a aproximação dos policiais na casa de Kleber ter sido precedida de informação relacionada à ostentação de armas de fogo naquela região (“Carandiru”, em Joana D’Arc), o deslocamento para o Bairro Andorinhas foi precedido de uma informação ainda mais concreta de que havia um planejamento para ataque criminoso armado ainda naquela noite. [...] Como visto, a garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio – mesmo concebida como direito fundamental de 1ª dimensão – não é absoluta, e, diante da perspectiva de um Estado Democrático de Direito, não se destina a assegurar que os crimes praticados no interior de uma residência sejam impunes, não sendo o domicílio um refúgio intangível para proteger e assegurar o sucesso da criminalidade, desde que tal ingerência se proceda dentro dos limites constitucionais, já expostos. Diante disso, rejeito a tese de invalidade probatória.”
Sobre o tema em questão, sabe-se que, na esteira do decidido em repercussão geral pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 603.616 - Tema 280/STF - para a adoção da medida de busca e apreensão sem mandado judicial, faz-se necessária a caracterização de justa causa, consubstanciada em razões as quais indiquem a situação de flagrante delito.
A propósito: "Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso." (RE 603616, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-093 DIVULG 09-05-2016 PUBLIC 10-05-2016).
Respaldada pelo precedente acima, surge a controvérsia referente aos elementos idôneos que podem ou não caracterizar "justa causa". Em outras palavras, torna-se necessária a análise caso a caso de quais são as situações concretas aptas a autorizar a busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente.
Na hipótese dos autos, está caracterizada a justa causa para o ingresso dos agentes públicos no domicílio dos recorrentes. O contexto fático da ocorrência, conforme descrito nos documentos, iniciou-se com informações sobre indivíduos armados na região conhecida como “Carandiru”, em Vitória. Policiais militares, ao se deslocarem, visualizaram o corréu KLXXXXXS portando uma arma de fogo em via pública.
Ao perceber a presença policial, KLEBER empreendeu fuga para dentro de uma residência, sendo perseguido e alcançado no interior do imóvel, em evidente situação de flagrante delito de porte de arma. Após a prisão de KLEBER e apreensões, os policiais foram informados de que ele havia saído momentos antes para se encontrar com o corréu RHAOXXXXEN CXXXX, apontado como chefe do tráfico do Bairro Andorinhas, e que planejavam um ataque ao Bairro Itararé.
Com essa nova "fundada razão", os policiais se deslocaram para o Bairro Andorinhas, onde visualizaram RHAONY portando uma pistola calibre .380. Ao perceber a aproximação dos policiais, RHAONY também empreendeu fuga para dentro de sua residência, dispensando a arma em um veículo e munições pela janela. Essa perseguição de RHAONY, em flagrante de porte de arma e no contexto de planejamento criminoso, justificou o ingresso em sua residência. No decorrer dessa perseguição a RHAONY, os policiais perceberam que diversos indivíduos se encontravam no segundo pavimento de um prédio e empreenderam fuga pelos telhados dos prédios vizinhos.
Nesse contexto, os policiais cercaram o imóvel e entraram na residência onde estava o agravante MARCOXXXXXXXXES, oportunidade em que localizaram munições. Por óbvio, estas circunstâncias, que envolvem a perseguição a indivíduos em flagrante delito, a obtenção de informações sobre atividades criminosas e a observação de fuga de diversos indivíduos de um local, indicam a fundada suspeita da prática de crimes permanentes, justificando o ingresso dos agentes públicos no domicílio onde se encontrava o recorrente. Tais fatos configuram a justa causa necessária para a medida, em conformidade com o Tema 280/STF.
Ademais, o entendimento firmado pelas instâncias ordinárias encontra-se em consonância com decisão recente (11/3/2025) da Quinta Turma desta Corte Superior, a saber:
"DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA DOMICILIAR SEM MANDADO. FUGA DO RÉU PARA DENTRO DO IMÓVEL. FUNDADAS RAZÕES. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO DA QUINTA TURMA. DECISÕES DO STF EM PLENÁRIO SOBRE O TEMA. SEGURANÇA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE. CONDENAÇÃO MANTIDA. I. Caso em exame 1. Recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público contra acórdão da Quinta Turma que reconheceu a ilicitude do ingresso policial em domicílio sem mandado, com base em denúncia anônima e a fuga do réu para o interior da residência, resultando na anulação das provas obtidas e absolvição do agente pelo delito de tráfico de drogas. 2. O Ministro Vice-Presidente desta Corte, no exame da admissibilidade do extraordinário, nos termos do art. 1.030, II, do CPC, devolveu os autos ao colegiado para eventual juízo de retratação da Turma. II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em determinar se o acórdão da Quinta Turma está dissonante do entendimento do STF sobre o tema 280, firmado em repercussão geral, cabendo eventual juízo de retratação. III. Razões de decidir 4. O Supremo Tribunal Federal, em recentes julgados, decidiu que a fuga do réu para dentro do imóvel, apontado em denúncia anônima como local de traficância, ao verificar a aproximação dos policiais, é causa suficiente para autorizar a busca domiciliar sem mandado judicial. 5. A decisão impugnada foi reconsiderada, em atenção ao princípio da segurança jurídica, conferindo à questão análise conforme decisões recentes do STF no tema 280 da repercussão geral, em casos similares. IV. Dispositivo e tese 6. Agravo regimental provido para restabelecer a decisão condenatória nos autos da ação penal. Tese de julgamento: "a fuga do réu para dentro do imóvel, ao verificar a aproximação dos policiais, configura justa causa para busca domiciliar sem mandado." Dispositivos relevantes citados: CR/1988, art. 5º, XI. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 1.491.517, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 14.10.2024; STF, RE 1.492.256, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 17.02.2025." (RE no AgRg no HC n. 931.174/MG, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 11/3/2025, DJEN de 18/3/2025.)
Com efeito, a Quinta Turma do STJ passou a entender que "a fuga do agravante de dentro de sua residência ao avistar a polícia configura motivo idôneo para autorizar a busca domiciliar, mesmo sem autorização judicial, diante da fundada suspeita de posse de corpo de delito" (AgRg no HC n. 919.943/MG, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 12/2/2025, DJEN de 26/2/2025).
Corroboram:
"DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCAS PESSOAL E DOMICILIAR. VALIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO. REEXAME DE PROVA. REGIME MAIS GRAVOSO. JUSTIFICAÇÃO IDÔNEA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu de habeas corpus impetrado em substituição a recurso próprio, estando ausente constrangimento ilegal que justificasse a concessão da ordem de ofício. 2. A defesa alega nulidade das provas devido à ilegalidade da busca pessoal e domiciliar realizada, sustentando que a apreensão das drogas derivou de atuação ilícita dos policiais militares, baseada apenas em "atitude suspeita". Busca, também, a desclassificação do delito e a fixação de regime prisional mais brando. II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se as buscas pessoal e domiciliar realizadas pelos policiais foram legais, considerando a alegação de que a abordagem se baseou apenas em "atitude suspeita" e se houve violação de domicílio. 4. A questão também envolve a análise da possibilidade de desclassificação do crime de tráfico para uso pessoal, sem revolvimento fático-probatório e a fixação do regimeprisional semiaberto. III. Razões de decidir 5. As buscas pessoal e domiciliar foram consideradas legais, pois os policiais agiram com justa causa, diante da fuga do agravante ao avistar a viatura e da dispensa de sacola contendo drogas, além de terem autorização de moradores para entrar no domicílio. 6. A desclassificação do crime de tráfico para uso pessoal não é possível na via do habeas corpus, pois requer reexame de provas, o que é inviável nesse tipo de ação. 7. O regime inicial fechado foi justificado pela reincidência do agravante, sendo mantido conforme a legislação aplicável. IV. Dispositivo e tese 8. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: "1. A busca pessoal e domiciliar é legal quando há justa causa e autorização dos moradores. 2. O habeas corpus não é substitutivo de recurso próprio e não se presta para reexame de provas. 3. A reincidência justifica a fixação de regime inicial fechado". Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 240, §§ 1º e 2º; CPP, art. 244; Lei nº 11.343 /06, art. 33. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 603.616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 10/5/2016; STJ, AgRg no HC 951.977/ES, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 17/12/2024." (AgRg no HC n. 959.351/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 12/3/2025, DJEN de 18/3/2025.) "AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. BUSCA PESSOAL E DOMICILIAR. FUGA DO ACUSADO AO AVISTAR A GUARNIÇÃO DISPENSANDO DROGAS. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que denegou a ordem de habeas corpus pleiteada, visando à nulidade de diligência realizada mediante ingresso em domicílio, alegadamente infundada e baseada em atitude suspeita, sem elemento objetivo a configurar justa causa. 2. Moldura fática a indicar que, durante patrulhamento, policiais avistaram o acusado diante de sua residência e este, ao avistar a guarnição policial, empreendeu fuga, dispensando uma sacola que continha entorpecentes. Realizadas buscas pessoal e domiciliar, nesta encontradas mais substâncias ilícitas e petrechos. 3. Tendo os fatos ocorrido desde a frente da casa do paciente, verifica-se conjunto de elementos apto ao deslinde de fundadas razões para a busca domiciliar, uma vez que as Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça têm o entendimento firmado no sentido de que, quando o acusado é avistado pelos policiais e vem a dispensar drogas que estavam na sua posse, presente está a justa causa que viabiliza a busca pessoal e a consequente busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial (AgRg no AREsp n. 2.464.319/MG, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 14/05/2024, DJede 17/05/2024). 4. Agravo regimental não provido." (AgRg no HC n. 837.551/GO, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do Tjsp), Sexta Turma, julgado em 5/3/2025, DJEN de 11/3/2025.)
Seguindo, sobre o pedido de desclassificação, o Tribunal de origem ressaltou nestes termos (e-SSTJ, fls. 1238-1272):
“A materialidade está devidamente demonstrada pelo Boletim Unificado (Vol. 01, pp. 85-99), pelo Auto de Apreensão (Vol. 01, pp. 63-65) e pelo Laudo Pericial de Exame de Arma de Fogo e Material (Vol. 01, pp. 571-579). Com relação à autoria, esta é baseada nas provas orais colhidas nos autos, em especial as declarações dos policiais militares Wellington Martins e Jéssica Lopes, os quais relataram que as 06 (seis) munições calibre .12 foram localizadas em uma bolsa sobre a cama na residência em que estava o suspeito Marcos Vinícius. O apelante afirma que aquela residência era de seu pai, desconhecendo as munições, porém o fato é que o apelante foi encontrado sozinho no local, não havendo dúvidas, portanto, de que era o responsável pelas munições. Vale asseverar que o próprio apelante afirmou que aquela não era sua residência, o que justifica a tipificação da conduta no art. 14, do Estatuto do Desarmamento, e não no art. 12, do mesmo Diploma.”
O acórdão recorrido manteve a condenação pelo crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, tipificado no artigo 14 da Lei n. 10.826/03, sob o fundamento de que as munições foram encontradas na residência de seu pai, e não em sua própria residência, o que afastaria a aplicação do artigo 12 (posse irregular).
Contudo, a interpretação da elementar normativa "residência", para fins de subsunção típica ao artigo 12 do Estatuto do Desarmamento, transcende o critério formal da propriedade do imóvel.
A ratio legis do dispositivo visa a tutelar a segurança pública e a paz social, diferenciando a guarda de armas ou munições em ambiente doméstico, onde há uma expectativa de privacidade e menor potencial lesivo imediato em via pública, da condução desses artefatos em locais externos.
A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça é uníssona em estender o conceito de "residência" para abranger o local onde o agente mantém sua morada habitual, seu domicílio, ainda que não seja o proprietário legal do bem ou que se trate de moradia temporária, desde que caracterizada a destinação habitual para fins de habitação.
A propósito:
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INGRESSO EM DOMICÍLIO. QUARTO DE HOTEL. ESTABELECIMENTO QUE GOZA DA MESMA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. PORTA ABERTA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ABSOLVIÇÃO. I - Nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância prolonga-se no tempo, o que, todavia, não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, se está ante uma situação de flagrante delito. Precedentes. II - Consoante decidido no RE n. 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária certeza quanto à prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada justa causa para a medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para situação de flagrância. III - "A definição de casa para efeito da proteção constitucional, instituída no art. 5º, XI, da CF, compreende qualquer (i) espaço físico habitado; (ii) compartimento de natureza profissional, desde que fechado o acesso ao público em geral (iii) e aposentos coletivos, "ainda que de ocupação temporária, como quartos de hotel, pensão, motel e hospedaria." (AgRg no HC n. 731.668/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado e m 17/5/2022, DJe de 20/5/2022). IV - Na espécie, extrai-se da sentença que os policiais entraram no quarto de hotel em que o réu, ora paciente, estava hospedado, sem mandado judicial, com esteio em informações de que "o responsável pelo tráfico na região estaria hospedado no hotel apontado na denúncia" - na posse de 22,70g de cocaína -, "onde adentraram pelo fato da porta estar aberta", circunstâncias insuficientes a demonstrar a prática de atividade ilícita no interior daquele estabelecimento. V - Habeas corpus concedido. Absolvição de THIAGO FARINA MORAES (Ação Penal n. 0016682-51.2022.8.12.0001 - 2ª Vara Criminal de Campo Grande)." (HC n. 838.667/MS, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 25/8/2023.)
O que se exige é o vínculo entre o agente e o local como seu espaço de vivência. No caso em apreço, o próprio acórdão recorrido consigna que o recorrente "foi encontrado sozinho no local" e que era "o responsável pelas munições", denotando sua presença e domínio sobre o artefato no ambiente.
A afirmação do recorrente de que "aquela residência era de seu pai" e que, por isso, não seria sua, foi utilizada como fundamento para a aplicação do artigo 14. Tal interpretação é restritiva e não se coaduna com a teleologia do artigo 12 da Lei nº 10.826/03, que abarca a posse de arma ou munição no interior da residência ou dependência desta, independentemente da titularidade registral do imóvel.
Havendo elementos que demonstram a habitualidade do local como moradia do agente, ainda que seja a residência de um familiar, a conduta de manter munições nesse ambiente se amolda ao tipo penal da posse irregular (artigo 12), que prevê pena menos gravosa, e não ao porte ilegal (artigo 14).
A premissa fática de que as munições estavam no local em que o recorrente se encontrava e pelo qual era responsável, não se confunde com reexame de provas, mas sim com a revaloração jurídica dos fatos já estabelecidos na instância ordinária.
Dessa forma, impõe-se a desclassificação da conduta, com a consequente revisão da dosimetria da pena, em estrita observância aos princípios da legalidade e da proporcionalidade. Ante o exposto, com fundamento no art. 253, parágrafo único, II, "c", do RISTJ, conheço do agravo para dar parcial provimento ao recurso especial a fim de desclassificar sua conduta para o crime previsto no artigo 12 da Lei nº 10.826/03, determinando o retorno dos autos à origem para que seja realizada a nova dosimetria da pena. Publique-se. Intimem-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
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