STJ Nov25 - Tráfico Privilegiado Reconhecido - Mula com quase meia tonelada de Drogas :"transporte de tão expressiva quantidade de entorpecentes , por si só, não indicaria a participação do paciente organização criminosa"
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido de liminar, impetrado em benefício de JOXXXXXXX ESPIRITO SANTO, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo. Consta dos autos que o paciente foi condenado pela prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 5 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, além de 555 dias-multa, em razão da apreensão de 415,5 kg de maconha (fls. 2).
O Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao apelo defensivo. Neste writ, a impetrante alega: (i) indevido afastamento do tráfico privilegiado com fundamento exclusivo na quantidade e na natureza da droga apreendida, sem elementos concretos de dedicação a atividades criminosas ou integração em organização criminosa (fls. 3-4); (ii) bis in idem na dosimetria, pelo uso da quantidade/natureza da droga na primeira fase (pena-base) e, novamente, para afastar a minorante na terceira fase, em afronta à orientação firmada no RE 666.334/AM (Tese de Repercussão Geral n. 712) e no REsp 1.887.511/SP (fls. 4); e (iii) violação ao sistema acusatório e ao princípio da correlação, por decisões que contrariaram manifestações expressas do Ministério Público pelo reconhecimento do tráfico privilegiado e pela fixação de regime menos gravoso (fls. 4-5).
Requer a aplicação da causa de diminuição do tráfico privilegiado em seu grau máximo, a fixação do regime inicial aberto, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e a remessa dos autos ao Ministério Público para eventual celebração de ANPP.
É o relatório. Decido.
Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício.
A Corte de origem manteve afastado o tráfico privilegiado com base nos seguintes fundamentos:
Na terceira e última fase da dosagem, não era mesmo o caso de reconhecimento da causa especial de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. Não se deve perder de vista que somente seria possível o transporte de tão expressiva quantidade de entorpecentes a uma organização criminosa muitíssimo bem estruturada. Por isso, não poderia o apelante ser rotulado de traficante eventual ou ocasional, este, sim, o único alvo da benesse legal criada, ainda que indevidamente, pelo legislador. Diante disso e ausentes outras causas modificadoras aplicáveis, conservo a pena do acusado Jonnathan na forma como estipulada na r. sentença.
Na decisão de primeiro grau, consta:
O réu JONNATHAN, interrogado em juízo, confessou a prática delitiva. Disse que foi convidado a fazer o serviço de transporte das drogas, mas não sabia da quantidade. Não queria fazer a viagem sozinho e convidou JULIANA para acompanhá- lo, dizendo que ira buscar umas peças do trabalho em São José dos Campos. Buscou JULIANA em sua casa no fim da tarde. Ela não não sabia das drogas. Primeiramente foram para Atibaia, onde manteve contato com pessoas relacionadas às drogas ventiladas, enquanto JULIANA ficou no carro. Em seguida, foram para São José dos Campos, local em que o carro foi carregado com as drogas, em uma rua no Campo dos Alemães. Durante o trajeto, JULIANA tinha pedido para usar o banheiro, então a deixou em uma adega e foi buscar as drogas de carro. Voltou para buscá-la depois de mais ou menos uma hora e ela reclamou da demora. Ela comeu um lanche na adega e ele pagou em dinheiro. Estava indo deixar a carga no bairro São Bento, em São José dos Campos, quando foi abordado. Não conhecia a região e utilizou o navegador waze, achando que chegaria mais rápido utilizando a rodovia Carvalho Pinto. Iria receber R$ 5.000,00 pelo transporte da droga. [...] Inaplicável a benesse do § 4º do art. 33 da Lei de Tóxicos, que se destina a traficantes eventuais, ditos de "primeira viagem". Realmente, o transporte de 609 tijolos de maconha, com peso líquido igual a 415,5kg, quase meia tonelada, frise-se, com alto valor econômico, não seria de modo algum incumbido a um novato no tráfico, estando plenamente demonstrado, portanto, a habitualidade criminosa do réu, a despeito de não descoberta pelos mecanismos de repressão estatal no tempo oportuno.
Como se verifica, as instâncias ordinárias concluíram que o transporte de tão expressiva quantidade de entorpecentes indicaria a participação do paciente em uma "organização criminosa muitíssimo bem estruturada".
Todavia, o paciente afirmou, em juízo, ter realizado o transporte de entorpecentes, mediante promessa de pagamento, em atitude típica de denominada "mula". Logo, na esteira dos julgados desta Corte, embora o desempenho dessa função não seja suficiente para denotar que o agente faça parte de organização criminosa, tal fato constitui circunstância concreta para ser valorada na definição do índice de redução pelo tráfico privilegiado, uma vez que a cooperação consciente com grupo criminoso se reveste de maior gravidade.
A propósito: AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DECISÃO MONOCRÁTICA. TRÁFICO DE DROGAS. RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO EM SEU PATAMAR MÍNIMO (1/6). RÉ QUE TRANSPORTAVA MAIS DE 3KG DE COCAÍNA ("MULA"). PROPORCIONALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO AGRAVADA.AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - É assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. II - Observa-se que foi reconhecido na decisão dos embargos de declaração a figura do tráfico privilegiado em favor da ré, mas, diante do fato de estar a serviço de organização criminosa, ainda que eventual e esporádico, na função de "mula", verificou-se o vínculo, concluindo que a fração redutora de 1/6 se amolda à hipótese, não havendo, portanto, que se falar em ilegalidade em tal patamar, uma vez que, diferentemente do alegado pela defesa, houve fundamentação concreta e em consonância à jurisprudência desta Corte. Dessa forma, o fato da acusada ter transportado a droga em claro contexto de patrocínio por organização criminosa é circunstância apta a justificar a redução da pena em 1/6, pela aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. III - A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que, "havendo sido concretamente fundamentada a aplicação da minorante em comento no patamar de 1/6, sobretudo em razão de 'estar-se diante de quem se prestou a atuar na condição popularmente conhecida como 'mula' do tráfico', não há contrariedade ao disposto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas" (AgRg no AREsp n. 684.780/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 19/5/2016, grifei). Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no HC n. 725.247/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), Quinta Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 3/5/2022.) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 33, § 4.º, DA LEI N. 11.343/2006. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. FUNDAMENTO QUE, ISOLADO, NÃO É IDÔNEO PARA O AFASTAMENTO DA MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. INCIDÊNCIA DA MINORANTE NA FRAÇÃO MÍNIMA. CONDIÇÃO DE MULA. FUNDAMENTO CONCRETO. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A quantidade de droga apreendida, embora seja bem relevante, não pode ser considerada, isoladamente, para a conclusão de que o acusado se dedica ao tráfico de drogas. 2. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do RESP n. 1.887.511/SP, no qual se consolidou o entendimento de que a quantidade e a variedade dos entorpecentes somente podem ser consideradas na primeira fase da dosimetria da pena, bem como que a utilização supletiva desses elementos só pode ocorrer quando esse vetor seja conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou à integração a organização criminosa. 3. De acordo com o acórdão recorrido, especialmente a circunstância em que foi contratado para transportar a droga mediante promessa de pagamento, demonstra que o Agravante, na verdade, atuou na condição de "mula", devendo ser atribuída a adequada qualificação jurídica ao quadro fático delineado no julgado combatido. 4. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que "a simples atuação do agente como 'mula', por si só, não induz que integre organização criminosa, sendo imprescindível, para tanto, prova inequívoca do seu envolvimento, estável e permanente, com o grupo criminoso, a autorizar a redução da pena em sua totalidade. Contudo, embora o desempenho dessa função não seja suficiente para denotar que o agravante faça parte de organização criminosa, tal fato constitui circunstância concreta para ser valorada na definição do índice de redução pelo tráfico privilegiado, uma vez se reveste de maior gravidade" (AgRg no AREsp 1.534.326/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 19/9/2019, DJe 24/9/2019). 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 1.898.671/MS, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 25/4/2022.)
Passo à nova dosimetria da pena. A pena-base parte de 6 anos e 8 meses de reclusão, mais 666 dias-multa, pela aferição da quantidade de droga apreendida.
Na segunda fase, presente a atenuante da confissão espontânea, a pena intermediária fica mantida em 5 anos, 6 meses e 20 dias, mais 555 dias-multa. Na terceira fase, majoro-a em 1/6, pela minorante do § 4º do art. 33 da mesma lei, tornando-a definitiva em 4 anos, 7 meses e 17 dias de reclusão, mais 462 dias-multa.
O regime prisional permanece o fechado, como posto no acórdão impugnado, diante da análise desfavorável das circunstâncias judiciais. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus.
Todavia, concedo a ordem, de ofício, para aplicar a redutora do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 no índice de 1/6, resultando definitiva a pena do paciente em 4 anos, 7 meses e 17 dias de reclusão, mais 462 dias-multa, a ser cumprida em regime inicial fechado - pelo delito de tráfico de drogas. Publique-se. Intimem-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
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