STJ Out25 - Júri - Homicídio - Absolvição por clemencia anulada pelo TJ - Ferimento à Soberania dos Veredictos - Absolvição restabelecida - art. 483, §2º, do CPP

 Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

FRANCISCO XXXXXXXX alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco na Apelação Criminal n. 0000217-81.2012.8.17.0290.

Consta dos autos que o paciente foi absolvido pelo Tribunal do Júri da Comarca de Bodocó/PE, com base no quesito genérico, por clemência, após ser pronunciado pela prática do crime de tentativa de homicídio qualificado (art. 121, §2º, II e IV, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal), em concurso material (art. 69 do Código Penal).

Contudo, o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, ao julgar recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, anulou a decisão absolutória e determinou a submissão do paciente a novo julgamento, sob o fundamento de que a decisão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária à prova dos autos.

A defesa aduz, em síntese, que a decisão do Tribunal do Júri deve ser respeitada em razão do princípio da soberania dos vereditos e que a absolvição por clemência encontra respaldo no art. 483, §2º, do Código de Processo Penal. Requer a concessão da ordem para restabelecer o veredito absolutório proferido pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri da Comarca de Bodocó/PE.

Liminar indeferida (fls. 91-92). Após informações (fls. 99-207), o Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 213-217).

Decido.

I. Contextualização

O paciente foi pronunciado pela prática do delito tipificado no art. 121, § 2º, I, do Código Penal. Realizado o julgamento pelo Tribunal do Júri, o Conselho de Sentença absolveu o réu do crime imputado pela acusação. A sentença absolutória assinalou o seguinte (fls. 70-71, destaquei):

O julgamento transcorreu regular e normalmente, sendo realizado [sic] a oitiva de duas vítimas, uma testemunha de acusação e o interrogatório do réu. As teses de acusação e defesa foram expostas com grande maestria e intenso empenho pelas partes em Plenário. O representante do Ministério sustentou a manutenção de todos os termos da denúncia, ou seja, condenação do réu por tentativa de homicídio qualificado. A Defesa do acusado requereu, como tese principal, a absolvição, por clemência. Subsidiariamente, pleiteou o reconhecimento do privilégio. Os quesitos foram submetidos ao Juiz Constitucional da causa, o qual, nesta oportunidade, por maioria de votos, entendeu provada a materialidade do delito e a autoria. Em seguida, respondendo NÃO ao quarto quesito, majoritariamente, decidiram os jurados pela absolvição do acusado, acatando a tese defensiva, prejudicando a resposta aos demais quesitos. Assim, o Conselho de Sentença julgou improcedente a denúncia, absolvendo FRANCISCO GENIVALDO ALEXANDRINO DE VIVEIROS. Inconformado, o Ministério Público interpôs apelação, tendo a Corte de origem dado provimento ao recurso nos seguintes termos (fls. 28-30, destaquei): A decisão absolutória do Conselho de Sentença, conquanto tenha reconhecido a materialidade e a autoria dos crimes, mostra-se manifestamente contrária à prova dos autos ao acolher a tese da clemência sem qualquer fundamento probatório que a justifique. Com efeito, o conjunto probatório é robusto e unívoco em demonstrar que o apelado, movido por sentimento de vingança em razão do término do relacionamento com sua ex-companheira, deliberadamente se dirigiu à residência das vítimas e, após ganhar a confiança das mesmas através de conversa cordial, sacou arma de fogo e efetuou múltiplos disparos com inequívoco animus necandi. A materialidade delitiva restou comprovada através dos laudos periciais traumatológicos (fls. 12/14 e 27/29), que atestaram as lesões nas vítimas decorrentes dos disparos de arma de fogo. A autoria, conforme já demonstrado, encontra-se cabalmente provada pelos depoimentos das vítimas, testemunhas e pela própria confissão do réu. O reconhecimento da qualificadora do motivo fútil é manifesto, tendo em vista que a motivação do crime decorreu exclusivamente do inconformismo do apelado com o término do relacionamento amoroso. A qualificadora do meio que dificultou a defesa das vítimas também se faz presente, considerando que o réu se aproveitou da confiança inicial das vítimas para, de forma súbita e inesperada, iniciar os disparos. Não se vislumbra, em todo o acervo probatório, qualquer elemento que pudesse justificar o reconhecimento de clemência em favor do apelado. Pelo contrário, os fatos demonstram conduta de extrema gravidade, caracterizada pela premeditação, frieza na execução e total desprezo pela vida humana. [...] A decisão absolutória do Conselho de Sentença, não obstante o reconhecimento da materialidade e autoria, configura evidente afronta ao conjunto probatório dos autos. O acatamento da tese da clemência, sem qualquer fundamento fático que a justifique, caracteriza decisão manifestamente contrária à prova dos autos, autorizando a anulação do julgamento nos termos do art. 593, III, "d", do Código de Processo Penal. A soberania dos veredictos, embora constitucionalmente assegurada, encontra limites no devido processo legal e no duplo grau de jurisdição, não podendo ser invocada para chancelar decisões desprovidas de qualquer amparo probatório.

II. Soberania dos vereditos e art.‎ ‎593,‎ ‎III,‎ ‎“d”,‎‎ ‎do‎ ‎CPP

A‎ ‎decisão‎ ‎tomada‎ ‎pelos‎ ‎jurados,‎ ‎ainda‎ ‎que‎ ‎não‎ ‎seja‎ ‎a‎ ‎mais‎ ‎justa‎ ‎ou‎ ‎a‎ ‎mais‎ ‎harmônica‎ ‎com‎ ‎a‎ ‎jurisprudência‎ ‎dominante,‎ ‎é‎ ‎soberana,‎ ‎conforme‎ ‎disposto‎ ‎no‎ ‎art.‎ ‎5º,‎ ‎XXXVIII,‎ ‎"c",‎ ‎da‎ ‎CF/1988.

Tal‎ ‎princípio,‎ ‎todavia,‎ ‎é‎ ‎mitigado‎ ‎quando‎ ‎os‎ ‎jurados‎ ‎proferem‎ ‎decisão‎ ‎em‎ ‎manifesta‎ ‎contrariedade‎ ‎às‎ ‎provas‎ ‎colacionadas‎ ‎nos‎ ‎autos,‎ ‎casos‎ ‎em‎ ‎que‎ ‎o‎ ‎veredito‎ ‎deve‎ ‎ser‎ ‎anulado‎ ‎pela‎ ‎instância‎ ‎revisora‎ ‎e‎ ‎o‎ ‎réu‎ ‎submetido‎ ‎a‎ ‎novo‎ ‎julgamento‎ ‎perante‎ ‎o‎ ‎Tribunal‎ ‎do‎ ‎Júri.

No‎ ‎sistema‎ ‎de‎ ‎votação‎ ‎anterior‎ ‎à‎ ‎reforma‎ ‎de‎ ‎2008,‎ ‎o‎ ‎questionário‎ ‎submetido‎ ‎à‎ ‎votação‎ ‎dos‎ ‎jurados‎ ‎apresentava‎ ‎maior‎ ‎complexidade,‎ ‎pois‎ ‎procurava‎ ‎desdobrar,‎ ‎em‎ ‎tantos‎ ‎quesitos‎ ‎quantos‎ ‎fossem‎ ‎necessários,‎ ‎as‎ ‎teses‎ ‎que‎ ‎as‎ ‎partes,‎ ‎durante‎ ‎os‎ ‎debates‎ ‎em‎ ‎plenário,‎ ‎houvessem‎ ‎oferecido.‎

O‎ ‎objetivo,‎ ‎então,‎ ‎era‎ ‎o‎ ‎de‎ ‎transformar‎ ‎em‎ ‎quesitos‎ ‎cada‎ ‎um‎ ‎dos‎ ‎componentes‎ ‎normativos‎ ‎dos‎ ‎institutos‎ ‎jurídico-penais‎ ‎que‎ ‎integram‎ ‎a‎ ‎teoria‎ ‎do‎ ‎crime,‎ ‎nomeadamente‎ ‎aqueles‎ ‎que‎ ‎perfazem‎ ‎a‎ ‎sua‎ ‎estrutura.

Após‎ ‎a‎ ‎vigência‎ ‎da‎ ‎Lei‎ ‎n.‎ ‎11.689/2008,‎ ‎a‎ ‎quesitação‎ ‎não‎ ‎foi‎ ‎apenas‎ ‎simplificada,‎ ‎mas‎ ‎também‎ ‎passou‎ ‎a‎ ‎permitir‎ ‎ao‎ ‎jurado‎ ‎absolver‎ ‎o‎ ‎acusado‎ ‎com‎ ‎base‎ ‎nas‎ ‎teses‎ ‎e‎ ‎nas‎ ‎informações‎ ‎trazidas‎ ‎ao‎ ‎seu‎ ‎conhecimento‎ ‎e‎ ‎discutidas‎ ‎no‎ ‎julgamento. Assim,‎ ‎a‎ ‎simples‎ ‎resposta‎ ‎positiva‎ ‎ao‎ ‎quesito‎ ‎"O‎ ‎jurado‎ ‎absolve‎ ‎o‎ ‎acusado?”‎ ‎começa‎ ‎a‎ ‎comportar‎ ‎inúmeras‎ ‎teses‎ ‎defensivas,‎ ‎tendo‎ ‎como‎ ‎premissas‎ ‎anteriormente‎ ‎assentadas‎ ‎(nos‎ ‎dois‎ ‎primeiros‎ ‎quesitos‎ ‎do‎ ‎questionário)‎ ‎a‎ ‎efetiva‎ ‎ocorrência‎ ‎material‎ ‎de‎ ‎um‎ ‎crime‎ ‎e‎ ‎o‎ ‎reconhecimento‎ ‎de‎ ‎que‎ ‎o‎ ‎réu‎ ‎foi‎ ‎seu‎ ‎autor.

O‎ ‎veredito‎ ‎dos‎ ‎jurados‎ ‎não‎ ‎é‎ ‎motivado,‎ ‎como‎ ‎indicam‎ ‎as‎ ‎circunstâncias‎ ‎do‎ ‎julgamento‎ ‎–‎ ‎a‎ ‎votação‎ ‎é‎ ‎sigilosa,‎ ‎a‎ ‎sala‎ ‎onde‎ ‎se‎ ‎recolhem‎ ‎os‎ ‎votos‎ ‎é‎ ‎secreta‎ ‎e‎ ‎a‎ ‎comunicação‎ ‎entre‎ ‎os‎ ‎jurados‎ ‎é‎ ‎vedada‎ ‎–,‎ ‎o‎ ‎que‎ ‎denota‎ ‎que‎ ‎a‎ ‎aferição‎ ‎das‎ ‎provas‎ ‎e‎ ‎o‎ ‎julgamento‎ ‎do‎ ‎réu‎ ‎ocorrem‎ ‎em‎ ‎conformidade‎ ‎com‎ ‎a‎ ‎íntima‎ ‎convicção‎ ‎dos‎ ‎juízes‎ ‎populares.

Portanto,‎ ‎se‎ ‎a‎ ‎resposta‎ ‎for‎ ‎SIM‎ ‎ao‎ ‎quesito‎ ‎do‎ ‎art.‎ ‎483,‎ ‎III,‎ ‎"d",‎ ‎do‎ ‎CPP‎ ‎–‎ ‎por‎ ‎fatores‎ ‎diversos‎ ‎(desnecessidade‎ ‎da‎ ‎pena,‎ ‎inexigibilidade‎ ‎de‎ ‎conduta‎ ‎diversa,‎ ‎falta‎ ‎de‎ ‎provas,‎ ‎clemência‎ ‎etc.)‎ ‎–,‎ ‎o‎ ‎jurado‎ ‎não‎ ‎só‎ ‎não‎ ‎precisa‎ ‎como,‎ ‎em‎ ‎verdade,‎ ‎não‎ ‎pode‎ ‎explicar‎ ‎o‎ ‎motivo‎ ‎pelo‎ ‎qual‎ ‎votou.

A‎ ‎respeito‎ ‎da‎ ‎matéria,‎ ‎o‎ ‎Supremo‎ ‎Tribunal‎ ‎Federal,‎ ‎ao‎ ‎julgar‎ ‎o‎ ‎tema‎ ‎de‎ ‎Repercussão‎ ‎Geral‎ ‎n.‎ ‎1.087,‎ ‎fixou‎ ‎as‎ ‎seguintes‎ ‎teses:

1.‎ ‎É‎ ‎cabível‎ ‎recurso‎ ‎de‎ ‎apelação‎ ‎com‎ ‎base‎ ‎no‎ ‎artigo‎ ‎593,‎ ‎III,‎ ‎d,‎ ‎do‎ ‎Código‎ ‎de‎ ‎Processo‎ ‎Penal,‎ ‎nas‎ ‎hipóteses‎ ‎em‎ ‎que‎ ‎a‎ ‎decisão‎ ‎do‎ ‎Tribunal‎ ‎do‎ ‎Júri,‎ ‎amparada‎ ‎em‎ ‎quesito‎ ‎genérico,‎ ‎for‎ ‎considerada‎ ‎pela‎ ‎acusação‎ ‎como‎ ‎manifestamente‎ ‎contrária‎ ‎à‎ ‎prova‎ ‎dos‎ ‎autos. 2.‎ ‎O‎ ‎Tribunal‎ ‎de‎ ‎Apelação‎ ‎não‎ ‎determinará‎ ‎novo‎ ‎Júri‎ ‎quando‎ ‎tiver‎ ‎ocorrido‎ ‎a‎ ‎apresentação,‎ ‎constante‎ ‎em‎ ‎Ata,‎ ‎de‎ ‎tese‎ ‎conducente‎ ‎à‎ ‎clemência‎ ‎ao‎ ‎acusado,‎ ‎e‎ ‎esta‎ ‎for‎ ‎acolhida‎ ‎pelos‎ ‎jurados,‎ ‎desde‎ ‎que‎ ‎seja‎ ‎compatível‎ ‎com‎ ‎a‎ ‎Constituição,‎ ‎os‎ ‎precedentes‎ ‎vinculantes‎ ‎do‎ ‎Supremo‎ ‎Tribunal‎ ‎Federal‎ ‎e‎ ‎com‎ ‎as‎ ‎circunstâncias‎ ‎fáticas‎ ‎apresentadas‎ ‎nos‎ ‎autos. (ARE‎ ‎n.‎ ‎1.225.185/MG,‎ ‎Rel.‎ ‎Ministro‎ ‎Gilmar‎ ‎Mendes,‎ ‎Rel.‎ ‎para‎ ‎acórdão‎ ‎Ministro‎ ‎Edson‎ ‎Fachin,‎ ‎Plenário,‎ ‎DJE‎ ‎de‎ ‎10/10/2024,‎ ‎grifei.)

Conclui-se‎ ‎que,‎ ‎nessa‎ ‎hipótese‎ ‎de‎ ‎insurgência‎ ‎–‎ ‎decisão‎ ‎manifestamente‎ ‎contrária‎ ‎à‎ ‎prova‎ ‎dos‎ ‎autos‎ ‎–,‎ ‎ao‎ ‎órgão‎ ‎recursal‎ ‎se‎ ‎permite,‎ ‎apenas,‎ ‎a‎ ‎realização‎ ‎de‎ ‎um‎ ‎juízo‎ ‎de‎ ‎constatação‎ ‎acerca‎ ‎da‎ ‎existência‎ ‎de‎ ‎suporte‎ ‎probatório‎ ‎para‎ ‎a‎ ‎decisão‎ ‎tomada‎ ‎pelos‎ ‎jurados‎ ‎integrantes‎ ‎da‎ ‎Corte‎ ‎Popular.‎

‎Se‎ ‎o‎ ‎veredito‎ ‎estiver‎ ‎flagrantemente‎ ‎desprovido‎ ‎de‎ ‎elementos‎ ‎mínimos‎ ‎de‎ ‎prova‎ ‎capazes‎ ‎de‎ ‎sustentá-lo,‎ ‎admite-se‎ ‎a‎ ‎sua‎ ‎cassação.‎ ‎Caso‎ ‎contrário,‎ ‎deve‎ ‎ser‎ ‎preservado‎ ‎o‎ ‎juízo‎ ‎feito‎ ‎pelos‎ ‎jurados,‎ ‎no‎ ‎exercício‎ ‎da‎ ‎sua‎ ‎soberana‎ ‎função‎ ‎constitucional.

O item "2" da tese fixada estabelece tal preservação, ainda, quando houver apresentação, constante em ata, de tese conducente à clemência do acusado, desde que compatível com a Constituição, os precedentes vinculantes do STF e as circunstâncias fáticas apresentadas nos autos.

Na‎ ‎situação‎ ‎em‎ ‎exame,‎ ‎para‎ ‎fundamentar‎ ‎a‎ ‎anulação‎ ‎do‎ ‎julgamento,‎ ‎o‎ ‎Tribunal‎ ‎estadual‎ ‎analisou a‎ ‎validade‎ ‎da‎ ‎tese‎ ‎absolutória ‎suscitada‎ ‎pela‎ ‎defesa‎ ‎referente ‎à‎ clemência.

Todavia, o julgamento pelos jurados não é "estritamente técnico" e comporta valorações subjetivas, diferentemente do ofício do juiz togado.‎ A‎ ‎Corte‎ ‎de‎ ‎origem‎ ‎se‎ ‎posicionou‎, portanto, ‎em‎ ‎confronto‎ ‎com‎ ‎a‎ ‎jurisprudência‎ ‎do‎ ‎STJ,‎ ‎ao‎ ‎fazer‎ ‎indevida‎ ‎incursão‎ ‎valorativa‎ ‎nas‎ ‎provas‎ ‎dos‎ ‎autos‎ ‎e‎ ‎violar‎ ‎a‎ ‎soberania‎ ‎do‎ ‎veredito.‎ ‎

Os‎ ‎jurados‎ ‎absolveram‎ ‎o‎ ‎réu,‎ ‎ao‎ ‎acolherem‎ ‎a‎ ‎tese‎ ‎arguída‎ ‎em‎ ‎plenário‎ ‎pela‎ ‎defesa‎ ‎–‎ ‎absolvição‎ ‎por‎ ‎clemência‎ ‎–,‎ ‎razão‎ ‎pela‎ ‎qual‎ ‎a‎ ‎decisão‎ ‎proferida‎ ‎não‎ ‎é‎ ‎manifestamente‎ ‎contrária‎ ‎ao‎ ‎caderno‎ ‎probatório.

Constou da respectiva ata (fl. 79):

A defesa iniciou seus debates às 11h58min requerendo a absolvição do acusado pela fundamentação do perdão finalizando explicando os quesitos que serão respondidos pelos jurados, encerrando às 12h32min. O MM Juiz fez intervalo para o almoço, retomando-se as atividades às 13h05min, prosseguindo-se o Ministério com a réplica, perdurando até às 13h20min. pugnando condenação do pronunciado. Ato contínuo, passou-se à tréplica, iniciando-se às 13h20min, perdurando até às 13h29min, pugnando pela absolvição do acusado FRANCISCO XXXXXXXXXXXXX.

Nessas circunstâncias, não se depreende a contrariedade manifesta da resposta afirmativa aos quesitos sobre a prova da materialidade e da autoria.

A hipótese se insere no item "2" da tese de repercussão geral firmada pelo Supremo Tribunal Federal, já que ocorrera a apresentação, constante em ata, de tese conducente à clemência ao acusado, e esta foi acolhida pelos jurados. Em contrapartida, o Tribunal a quo, em julgamento que se deu já sob a égide da posição firmada pela Suprema Corte, não identificou de forma especificada quaisquer das hipóteses de exceção também previstas na tese de repercussão geral.

Assim, os‎ ‎jurados‎ ‎apenas‎ ‎escolheram‎ ‎a‎ ‎versão‎ ‎que‎ ‎lhes‎ ‎pareceu‎ ‎mais‎ ‎verossímil‎ ‎e‎ ‎decidiram‎ ‎a‎ ‎causa‎ ‎conforme‎ ‎suas‎ ‎convicções.‎ ‎Não‎ ‎cabe‎ ‎ao‎ ‎Tribunal‎ ‎estadual,‎ ‎tampouco‎ ‎a‎ ‎esta‎ ‎Corte‎ ‎Superior,‎ ‎cotejar‎ ‎as‎ ‎provas‎ ‎e‎ ‎decidir‎ ‎pela‎ ‎tese‎ ‎prevalente,‎ ‎sob‎ ‎pena‎ ‎de‎ ‎violação‎ ‎da‎ ‎competência‎ ‎constitucional‎ ‎conferida‎ ‎ao‎ ‎Conselho‎ ‎de‎ ‎Sentença.

Portanto,‎ ‎ainda‎ ‎que‎ ‎não‎ ‎seja‎ ‎possível‎ ‎afirmar‎ ‎o‎ ‎porquê‎ ‎de‎ ‎os‎ ‎jurados‎ ‎haverem‎ ‎absolvido‎ ‎o‎ ‎agente,‎ ‎em‎ ‎decorrência‎ ‎da‎ ‎valoração‎ ‎de‎ ‎provas‎ ‎pelo‎ ‎sistema‎ ‎da‎ ‎íntima‎ ‎convicção,‎ ‎é‎ ‎certo‎ ‎que‎ ‎havia‎ ‎amparo‎ ‎jurídico‎ ‎para‎ ‎fundamentar‎ ‎essa‎ ‎decisão.‎ ‎O‎ ‎veredito‎ ‎não‎ ‎foi‎ ‎contrário‎ ‎à‎ ‎prova‎ ‎dos‎ ‎autos,‎ ‎porque‎ ‎o‎ ‎Conselho‎ ‎de‎ ‎Sentença‎ ‎optou‎ ‎por‎ ‎uma‎ ‎das‎ ‎teses‎ ‎defendidas‎ ‎em‎ ‎plenário:‎ ‎a‎ ‎clemência.

Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROVOCAR ABORTO SEM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE. PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS. POSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO BASEADA NA ÍNTIMA CONVICÇÃO DOS JURADOS. CLEMÊNCIA. TESE LEVADA A DEBATE EM PLENÁRIO PELA DEFESA. IMPOSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO A NOVO JULGAMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O recurso de apelação interposto com fundamento no art. 593, inciso III, alínea "d", do CPP não autoriza a Corte de Justiça a promover a anulação do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, simplesmente por discordar do juízo de valor que resultou da interpretação das provas feita pelo corpo de jurados, sendo necessário que não haja nenhum elemento probatório a respaldar a tese acolhida pelo Conselho de Sentença. 2. O entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 1.087, determina que "[o] Tribunal de Apelação não determinará novo júri quando tiver ocorrido apresentação constante em ata de tese conducente à clemência ao acusado, e esta for acolhida pelos jurados, desde que seja compatível com a Constituição, com os precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal e com as circunstâncias fáticas apresentadas nos autos". 3. No caso dos autos, a defesa sustentou em plenário duas teses defensivas: (i) a ausência de nexo de causalidade entre a conduta da acusada e o resultado (aborto); e (ii) a absolvição por clemência. 4. Dessa forma, embora tenham os jurados respondido afirmativamente aos dois primeiros quesitos (materialidade e autoria), mostra-se pertinente a absolvição com fundamento no quesito genérico, porquanto a defesa cuidou de apresentar em plenário o pedido de absolvição por clemência. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 2.169.791/PE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, 6ª T., DJEN de 9/5/2025.)

Desse modo, deve ser preservada a decisão dos jurados. III. Dispositivo À vista do exposto, concedo a ordem para restabelecer a absolvição do paciente. Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias para adoção das providências cabíveis. Publique-se e intimem-se.

Relator

ROGERIO SCHIETTI CRUZ

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 1020207 - PE (2025/0265032-8) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Publicação no DJEN/CNJ de 02/10/2025)

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