STJ Out25 - Nulidade da Decisão de Busca e Apreensão e quebra de sigilo - Ausência total de fundamentação (Juízo de Itarana - TJES) Lei de Drogas: "Magistrado decidiu: defiro conforme pedidos.... sem fundamentar"
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de JOAOXXXXXXXXXXXO, em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO no julgamento do HC n. 5012469-23.2025.8.08.0000.
Extrai-se dos autos que o Juízo da Vara Única da Comarca de Itarana deferiu nos autos do Pedido de Busca e Apreensão Criminal n. 5000469-75.2023.8.08.0027, em 5/12/2023, o pedido de busca e apreensão e levantamento de sigilo bancário formulado pela autoridade policial (e -STJ fl. 144), vinculado aos autos da ação penal n. 5000180-74.2025.8.08.0027, no qual o paciente foi denunciado, em 9/4/2025, pela suposta prática das condutas descritas nos arts. 33, caput, e 35, caput, da Lei n. 11.343/2006.
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de origem cuja ordem foi denegada nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 373/374):
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR. CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR. AFASTAMENTO DE SIGILO BANCÁRIO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. LEGITIMIDADE DAS MEDIDAS INVESTIGATIVAS. AUSÊNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REAVALIAÇÃO DA PRISÃO COM BASE EM PROVAS LÍCITAS. ORDEM DENEGADA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado em favor do paciente, denunciado pelos crimes previstos nos arts. 33, caput, e 35, ambos da Lei nº 11.343/2006. O ato tido por coator refere-se à decisão que deferiu mandados de busca e apreensão domiciliar e o afastamento do sigilo bancário em investigação sobre organização criminosa voltada ao tráfico de drogas. A defesa alega ausência de fundamentação das medidas, requerendo a nulidade da decisão e o desentranhamento das provas obtidas, com remessa dos autos ao juízo de origem para reavaliação da prisão preventiva e ao Ministério Público para eventual nova denúncia. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se a decisão que deferiu a busca e apreensão domiciliar e o afastamento do sigilo bancário carece de fundamentação idônea, ensejando nulidade; (ii) avaliar se os elementos obtidos a partir dessas medidas poderiam ser desentranhados, afetando a prisão preventiva e a denúncia oferecida. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A decisão judicial que autorizou a busca e apreensão e o afastamento do sigilo bancário encontra-se fundamentada em representação policial detalhada, corroborada pelo Ministério Público, que apontou a existência de grupo criminoso estruturado, descrevendo condutas, funções de cada integrante e a forma de dissimulação dos valores provenientes do tráfico. 4. O art. 240, § 1º, do CPP, exige apenas a presença de indícios de materialidade e autoria, o que restou demonstrado nos autos, sendo desnecessária prova cabal do crime para a decretação de medidas de obtenção de prova. 5. A jurisprudência do STJ e dos tribunais estaduais é firme no sentido de que, em fase investigativa, basta a indicação dos elementos mínimos de participação do investigado para legitimar a adoção de medidas cautelares invasivas, não se exigindo pormenorização absoluta dos bens ou objetos a serem apreendidos. 6. Não se verifica nulidade nas medidas deferidas, pois os mandados observaram os requisitos do art. 243, do CPP, assegurando, posteriormente, acesso integral aos autos pela defesa. 7. Na via estreita do habeas corpus, não se admite dilação probatória, impondo-se ao impetrante demonstrar de plano o constrangimento ilegal, o que não ocorreu. 8. Inexistindo ilicitude nas provas colhidas, não há fundamento para determinar o desentranhamento dos elementos derivados da busca e apreensão, tampouco para invalidar a prisão preventiva ou a denúncia. IV. DISPOSITIVO E TESE Ordem denegada.
Daí o presente writ, no qual a defesa alega a ocorrência de constrangimento ilegal o paciente decorrente da carência de fundamentação idônea da decisão que deferiu a expedição do mandado de busca e apreensão e a quebra de sigilo bancário em desfavor do acusado.
Nesse sentido, argumenta que "o decisum de origem não explicita a motivação que justifique a autorização da busca em face dos investigados, não diz sobre quais investigados, endereços ou objetos, se limitando a referendar a argumentação da autoridade policial e do Ministério Público, sem trazer fundamentação própria" (e-STJ fl. 6), não teria apresentado elementos concretos e nem justificado a imprescindibilidade da medida, o que ensejaria a nulidade da decisão e de todos os atos derivados.
Requer, liminarmente e no mérito, seja reconhecida "[...] a nulidade da decisão coatora que determinou as buscas nos autos do Pedido de Busca e Apreensão de nº 5000469-75.2023.8.08.0027 e de todos os atos derivados, determinando seu desentranhamento, confirmando a jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal de Justiça. 21. Após isso, remetam-se os autos ao juízo de piso para reavaliação da prisão preventiva e em seguida ao Ministério Público para que, se for o caso, apresente nova denúncia com base em outros elementos, que não aqueles obtidos por meio da busca e apreensão e dos elementos que dela se derivou, por sua patente ilegalidade. 22. Caso seja entendido pela necessidade de se aguardar o julgamento do mérito, de forma subsidiária, tendo em vista que o paciente foi notificado para apresentação da defesa preliminar (doc. 07) e, diante da possibilidade de mudança dos elementos contidos na denúncia a depender do desfecho do writ, requer, em sede de liminar, pela suspensão do prazo para a apresentação da defesa até julgamento do mérito do presente habeas corpus" (e-STJ fls. 10/11).
É o relatório. Decido.
Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, como forma de racionalizar o emprego do habeas corpus e prestigiar o sistema recursal, não admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio.
Cumpre analisar, contudo, em cada caso, a existência de ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, em razão de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão impugnada, a ensejar a concessão da ordem de ofício.
Na espécie, embora a impetrante não tenha adotado a via processual adequada, para que não haja prejuízo à defesa do paciente, passo à análise da pretensão formulada na inicial, a fim de verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Acerca do rito a ser adotado para o julgamento desta impetração, as disposições previstas nos arts. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforme com súmula ou com a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria (AgRg no HC 513.993/RJ, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019; AgRg no HC 475.293/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 03/12/2018; AgRg no HC 499.838/SP, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/04/2019, DJe 22/04/2019; AgRg no HC 426.703/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018 e AgRg no RHC 37.622/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n.45/2004 com status de princípio fundamental (AgRg no HC 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido (EDcl no AgRg no HC 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica (AgRg no HC 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 06/08/2019, DJe 13/08/2019).
Possível, assim, a análise do mérito da impetração, já nesta oportunidade. Com relação ao mandado de busca, sabe-se que ao Poder Judiciário compete o controle de ações policiais com o fito de compatibilizar os direitos de liberdade com as necessidades e interesse da segurança pública.
O controle deve ser feito — em regra — antes da adoção da medida, com expedição de ordem judicial nos termos do art. 243 do Código de Processo Penal.
Como é de conhecimento, esta Corte Superior entende ser Indispensável que o mandado de busca e apreensão tenha objetivo certo e pessoa determinada, não se admitindo ordem judicial genérica e indiscriminada de busca e apreensão para a entrada da polícia em qualquer residência (AgRg no HC n. 435.934/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 5/11/2019, DJe de 20/11/2019).
Além disso, "A jurisprudência desta Corte Superior orienta-se para afirmar que a fundamentação per relationem é válida, inexistindo óbice à utilização de elementos contidos em manifestações ministeriais ou em sentença, não havendo que se falar em violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal pelo emprego da técnica. (AgRg no AREsp n. 1.676.717/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Ribeiro Dantas, DJe de 17/12/2021)." (AgRg no CC n. 182.422/PR, Terceira Seção, rel. Min. Messod Azulay, julgado em 8/2/2023, DJe de 22/2/2023).
Na hipótese, a Corte local, ao denegar a ordem do writ originário, assim consignou (e-STJ fls. 377/380):
[...] considerando a natureza dos pleitos formulados e os fundamentos apresentados pelo impetrante em sua petição, adoto como razões de decidir a decisão liminar anteriormente proferida. Isso porque, em consulta ao Sistema P Je de 1º grau, constatei que, até a presente data, não houve alteração significativa no contexto fático do caso em exame. Para tanto, transcrevo, no que interessa, os excertos pertinentes da referida decisão. Confira-se: “No caso em análise, conforme relatado, o ato supostamente coator se revela consubstanciado em uma decisão proferida pelo Juízo da Comarca de Itarana (ID 15261052), a partir de representação encaminhada pela autoridade policial e ratificada pelo Ministério Público de 1º grau (ID 15261050), que deferiu a expedição dos mandados de busca e apreensão, bem como o afastamento do sigilo bancário das contas dos representados (11 pessoas). Dentre outros tópicos, para o fim de requerer as medidas cautelares ora impugnadas, a autoridade policial aduziu acerca da existência de um grupo criminoso que estava realizando o tráfico de drogas no município de Itarana/ES e teria como sede o bairro Santa Terezinha. Além disso, afirmou que “o grupo é chefiado por Patrícia Helena Toniato Gomes e seu companheiro Carlos Henrique Rocha, sendo que o entorpecente comercializado é fornecido por João Eliesse Ferreira Cordeiro, o qual atualmente – 2023 – reside em Vitória/ES e seria o responsável pela aquisição e o transporte das drogas até Itarana/ES, tanto pessoalmente quanto por interpostas pessoas. Quanto ao transporte, inclusive, tem-se que a substâncias seriam acondicionadas em potes de ‘nutella’ e de outros insumos destinados à confeitaria e endereçados à representada Janaína Ferreira Cordeiro, irmã de João Eliesse, a qual possui uma empresa cujo nome fantasia é ‘Glace Cakes Confeitaria Artesanal’, registrada sob o CNPJ 41.194.094/0001-64. Em contrapartida, os pagamentos relacionados ao referido fornecimento das drogas também seriam realizados por Janaína a seu irmão João Eliesse, utilizando-se de contas bancárias ligadas à atividade empresarial lícita, a fim de dissimular a origem criminosa dos recursos financeiros. Ao que restou apurado, os indivíduos Rafael Neves Teixeira e Alypio Josmar Alves Ferreira atuam adquirindo o entorpecente diretamente de João Eliesse, por meio do estratagema acima narrado. O primeiro, ao que parece, adquire apenas maconha e revende o entorpecente em seu bar. Já Alypio adquire cocaína e crack e subcontrata outros indivíduos para realizar a revenda, sob suas ordens”. Ou seja, diversamente do que sustenta o impetrante, ao menos em cognição sumária típica dos pleitos liminares, a meu sentir, a decisão que entendeu pelo deferimento das medidas cautelares, ostenta fundamentação suficiente para tal desiderato, obedecendo aos ditames do artigo 240, § 1º, alíneas ‘b’, ‘d’, ‘e’, e ‘h’, do Código de Processo Penal, sobretudo se considerarmos que a representação formulada pela autoridade policial e corroborada pelo Ministério Público de 1º grau, aponta, ao menos, o suposto cometimento dos crimes de tráfico de drogas e de associação para o tráfico. Destarte, entendo inexistir fundamento apto a sustentar o argumento de que as medidas cautelares de busca e apreensão e de quebra do sigilo bancário foram deferidas “sem a devida motivação” e “sem trazer fundamentação própria”, na medida em que, por todo o exposto, há inúmeros indícios de autoria e materialidade delitiva, sendo de rigor a efetivação de tais provimentos cautelares. Ademais, urge salientar que a busca e apreensão de bens tem natureza cautelar real e não pessoal, tem natureza jurídica de meio de obtenção de prova, não se exigindo, por conseguinte, a existência de provas efetivas do cometimento de crimes por quem sofre as medidas, mas apenas indícios de materialidade e de autoria delitiva, o que restou suficientemente demonstrado no caso em análise. [...] Sendo assim, conforme descrito alhures, a decisão que decretou as medidas cautelares em desfavor do paciente, encontra-se suficientemente fundamentada, inexistindo viabilidade, por ora, a partir de uma análise perfunctória e inicial, para o deferimento do pleito liminar, notadamente para que haja “o reconhecimento da nulidade da decisão que determinou as buscas nos autos do Pedido de Busca e Apreensão de nº 5000469- 75.2023.8.08.0027 e de todos os atos derivados, determinando seu desentranhamento”, e para que “sejam remetidos os autos ao juízo a quo para reavaliação da prisão preventiva do paciente”. Isso porque, como dito, em relação ao ora paciente, a representação policial delimita, adequadamente, os indícios de prática delitiva e seu possível envolvimento nos delitos em apuração, a legitimar a medida cautelar, considerada ainda a análise preliminar própria da fase investigativa inicial. [...] No ponto, calha ainda destacar que “a teor da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, na via estreita do habeas corpus, que não admite dilação probatória, o constrangimento ilegal suportado deve ser comprovado de plano, devendo o interessado demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a sua existência (HC n. 718.488/PR, relator Ministro Moura Ribeiro, terceira turma, julgado em 22/2/2022, dje de 24/2/2022)”, o que não se verificou no caso em análise. Ademais, como bem destacou a autoridade apontada como coatora, ao prestar as informações solicitadas, “os mandados de busca e apreensão foram cumpridos em 21/12/2023. A autoridade policial solicitou a disponibilização dos dados bancários através da plataforma SIMBA, caso SIMBA nº 083-PCES-000037-20, o que foi deferido, conforme comprovantes de ID’s 71517328 e 72784862. As informações a respeito da quebra do sigilo bancário foram juntadas no ID41514396. Em seguida, foi determinada a concessão de acesso integral dos autos aos doutos advogados dos investigados”, inexistindo, também sob este aspecto, qualquer nulidade a ser reconhecida neste momento. À luz do exposto, INDEFIRO A LIMINAR”. Sendo assim, e conforme consignado no judicioso parecer ministerial, “as medidas cautelares autorizadas encontram-se alicerçadas em elementos objetivos que revelaram a existência de um grupo criminoso estável e hierarquizado, havendo indícios consistentes da participação de cada investigado, incluindo o paciente, nas diversas etapas da cadeia delitiva do tráfico de drogas (fornecimento, distribuição, venda, cobrança e lavagem de capitais). Ademais, a individualização dos investigados, endereços, objetos e contas bancárias atingidas pelas medidas foi realizada de forma adequada na representação da Autoridade Policial e nos mandados expedidos pela autoridade impetrada, os quais atenderam aos requisitos do art. 243, do CPP. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a pormenorização dos bens somente é possível após o cumprimento da diligência, não se exigindo exercício de futurologia por parte do magistrado na fase pré-processual (STJ; AgRg-HC 727.709; Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca; Quinta Turma; Julg. 16/08/2022; DJE 22/08/2022).”. Dessa forma, e em consonância com a Procuradoria de Justiça, DENEGO A ORDEM.
Por outro lado, o Juízo da Vara Única da Comarca de Itarana deferiu o pedido de busca e apreensão e levantamento de sigilo bancário formulado pela autoridade policial nos seguintes termos (e-STJ fl. 14):
Diante das argumentações da Autoridade Policial, devidamente referendadas pelo Ministério Público na cota do ID nº 33580207, cujos elementos adoto como fundamentação jurídica desta decisão, DEFIRO a expedição dos Mandados de Busca e promovo o Afastamento do Sigilo Bancário das contas dos representados. Cumpra-se, com o necessário sigilo.
Da leitura da decisão transcrita acima, constata-se a ausência de fundamentação idônea a justificar a medida invasiva, uma vez que não se extrai da decisão nenhuma menção a elementos específicos do caso concreto, tampouco a demonstração, ainda que de forma suscinta, da imprescindibilidade da referida diligência.
Em verdade, a decisão está alicerçada em fundamentos genéricos, os quais poderiam constar de qualquer deferimento de pedido de busca e apreensão, proferido em quaisquer autos judiciais.
É cediço que "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica quanto à admissibilidade da técnica de fundamentação per relationem, pela qual o julgador adota ou ratifica os fundamentos de decisão anterior ou parecer ministerial, não configurando, por si só, ausência de fundamentação ou omissão, mormente quando os fundamentos adotados são adequados e suficientes para a solução da controvérsia" (EDcl no AREsp n. 2.519.837/MG, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 3/6/2025, DJEN de 9/6/2025.).
Nesse aspecto, "É válida a técnica de fundamentação per relationem na decisão que autoriza busca e apreensão, desde que o magistrado não se limite a reproduzir os argumentos ministeriais, mas também apresente razões próprias que demonstrem a necessidade da medida cautelar" (AgRg no RHC n. 201.390/PR, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 28/5/2025, DJEN de 2/6/2025.).
Na hipótese, portanto, não há falar em fundamentação per relationem, uma vez que a decisão do juízo de primeiro grau nem sequer mencionou ou transcreveu trechos da representação policial, ou da manifestação favorável do Ministério Público, revelando, assim, a inobservância do dever constitucional de motivação das decisões judiciais, previsto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.
Nesse sentido:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DO MPDFT. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. NOVA BUSCA E APREENSÃO EM 2023. REPETIÇÃO DE MEDIDAS ANTERIORES. HIPÓTESE DE COMPLEMENTAÇÃO DE OPERAÇÃO POLICIAL ANTIGA: "MARÉ ALTA" (2021). INVESTIGAÇÃO DE SUPOSTOS CRIMES RELACIONADOS À LICITAÇÃO DE 2020. IMPOSSIBILIDADE DE DETERMINAÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DESMOTIVADA, EXTEMPORÂNEA E DESCONTEXTUALIZADA. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE. CONCLUSÃO: AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO APTA. UTILIDADE E NECESSIDADE NÃO DEMONSTRADAS. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios contra a decisão que não conheceu do habeas corpus, mas concedeu a ordem de ofício para declarar ilegal a medida de busca e apreensão autorizada pelo acórdão de apelação criminal n. 0724812-90.2023.8.07.0001/TJDFT, determinando a restituição do material apreendido e a inutilização de eventuais dados extraídos. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se a medida de busca e apreensão deferida pelo TJDFT (apenas em sede de recurso) realmente atende aos requisitos da eficácia, utilidade e contemporaneidade. III. Razões de decidir 3. A decisão agravada foi mantida por seus próprios fundamentos, considerando que não houve fundamentação idônea para justificar uma repetida, desmotivada, extemporânea e descontextualizada medida de busca e apreensão. 4. Certo que a fundamentação per relationem pode ser utilizada na busca e apreensão, desde que sob complementação com razões mínimas próprias e aptas à medida. 5. Aqui, a eficácia, a utilidade e a contemporaneidade das medidas determinadas em repetição (já no ano de 2023) foram somente justificadas, ainda que em uma investigação meramente complementar da Operação Policial "Maré Alta" (2021) sobre os supostos crimes de fraude ao caráter competitivo/dispensa indevida de licitação, corrupção passiva/ativa e organização criminosa em um contrato assinado em 2020, apenas porque o acordo teria o prazo de vigência de 36 (trinta e seis) meses, assim como pela possível existência de conversas "amigáveis", muito posteriores, entre os investigados. 6. Não se mostra possível a repetição de busca e apreensão infrutífera anterior, anos depois de o fato já ter sido exaustivamente investigado, sem haver fundamentação nova e concretamente apta, revelando a sua necessidade e utilidade. IV. Dispositivo e tese 7. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: "1. A busca e apreensão deve ser sempre fundamentada, de forma concreta e específica, e, quando determinada em repetição a uma anterior, ainda alicerçada em fatos contemporâneos, contextualizados e que realmente justifiquem a reiteração, sob o prisma da necessidade e utilidade. 2. A utilização da técnica da fundamentação per relationem é lícita, desde que o julgador a ela some motivação mínima própria, concreta e apta. 3. A eficácia, utilidade e contemporaneidade devem ser demonstradas quando houver a reiteração de medida de busca e apreensão infrutífera anterior." Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 240; CF/1988, art. 93, IX. Jurisprudência relevante citada: STJ, HC 864.532/PI, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 23.04.2024; STJ, AgRg no HC 958.656/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18.12.2024. (AgRg no HC n. 959.217/DF, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 12/8/2025, DJEN de 25/8/2025.) PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ARTS. 33, CAPUT, E 35, CAPUT, AMBOS DA LEI N. 11.343/2006. NULIDADE. BUSCA E APREENSÃO. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A fundamentação das decisões do Poder Judiciário é condição absoluta de sua validade (Constituição da República, arts. 5º, inciso LXI, e 93, inciso IX, respectivamente). De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior e do Supremo Tribunal Federal, a motivação per relationem é suficiente para fundamentar decisões judiciais. Em outras palavras, o fato de o decisum ter-se reportado ao anterior requerimento torna o ato perfeitamente válido para se determinar as medidas constritivas. 2. No entanto, "o entendimento majoritário desta Corte é no sentido de que, mesmo em casos de fundamentação per relationem, é nula a decisão de simples remessa aos fundamentos de terceiros, exigindo-se acréscimo pessoal pelo magistrado, a indicar o exame do pleito e a clarificar suas razões de convencimento" (AgRg no HC n. 619.636/RS, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 23/2/2021, DJe 26/2/2021). 3. No caso em tela, constou que a autoridade policial postulou pela concessão da medida cautelar de busca e apreensão domiciliar. Diante disso, não há como considerar como fundamentada a decisão que autorizou a busca e apreensão, porquanto genérica, não tendo o juízo de piso se desincumbido nem sequer de se valer dos argumentos da representação policial, motivo pelo qual deve ser anulada, bem como todas as provas obtidas a partir de tal diligência e as daí decorrentes, excetuadas as independentes e não contaminadas. 4. Ademais, "chama atenção, ainda, o fato de que a defesa juntou aos autos várias outras decisões da mesma Magistrada, em processos completamente distintos, nas quais foi deferida a expedição de mandado de busca e apreensão com fundamentação praticamente idêntica à dos presentes autos, alterando-se apenas o nome da parte e o tipo penal no relatório da decisão. Deveras, apesar de proferidas em processos distintos e destinadas a pessoas e fatos diferentes, todas as decisões são praticamente idênticas, de modo a revelar tratar-se de modelo padronizado da unidade judicial, sem a devida adaptação e individualização para cada caso concreto. A rigor, as decisões - proferidas em caráter absolutamente genérico - servem a qualquer procedimento investigatório; são insuficientes, portanto, para suprir os requisitos constitucionais e legais de fundamentação da cautelar" (AgRg no HC n. 811.248/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 13/5/2024.). 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AgRg no HC n. 913.432/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/12/2024, DJEN de 16/12/2024.) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. 1. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. MERA INDICAÇÃO DO PEDIDO E DA MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS PRÓPRIOS. 2. PRÉVIA SITUAÇÃO DE FLAGRANTE DELITO. INDEVIDA INOVAÇÃO RECURSAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 3. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO EM PARTE E IMPROVIDO 1. Revela-se manifesta a ausência de fundamentação idônea a justificar a medida invasiva, visto que a Juíza de Direito, ao expedir o mandado de busca e apreensão, limitou-se tão somente a se reportar aos documentos que instruíram o pedido e à manifestação do Ministério Público, deixando de acrescer à referida decisão fundamentação própria, evidenciando-se, assim, o seu caráter genérico. - Como é de conhecimento, admite-se a "utilização da técnica da fundamentação per relationem, em que o magistrado se utiliza de trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, desde que a matéria haja sido abordada pelo órgão julgador, com a menção a argumentos próprios" (RHC n. 94.488/PA, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 19/4/2018, DJe 2/5/2018) 2. A alegação do agravante, no sentido de que o paciente estaria em situação de flagrante delito, o que autorizaria a busca e apreensão mesmo sem mandado, revela indevida inovação recursal, em manifesta supressão de instância, o que inviabiliza o exame por esta Corte Superior. 3. Agravo regimental conhecido em parte e improvido. (AgRg no HC n. 878.401/SP, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 19/3/2024, DJe de 22/3/2024.)
Assim, verificada a ausência de fundamentação idônea, bem como o caráter genérico da decisão, deve ser reconhecida a nulidade da decisão que decretou a diligência no domicílio dos pacientes e, por consequência, ilícitas as provas colhidas na ocasião do cumprimento do mandado. Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus.
Contudo, concedo a ordem, de ofício, para reconhecer a nulidade da decisão que decretou a busca e apreensão, bem como das provas dela decorrentes, com o consequente desentranhamento dos autos, devendo o Juízo de Primeiro grau avaliar a existência de elementos suficientes para a manutenção da prisão preventiva do paciente e o prosseguimento da persecução penal. Comunique, com urgência. Intimem-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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