STJ Out25 - Revogação de Prisão Preventiva - Homicídio - Legitima Defesa - Réu Primário - Vítima buscava confusão :"conflito por causa do volume do som, a discussão evoluiu para troca de agressões, a vítima arrombou a residência do PACIENTE, que perseguiu o agressor com uma faca, desferiu vários golpes no tórax e costela"

 Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de SAMXXXXXXXXXXA, contra acórdão proferido pela Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (5066557-64.2025.8.24.0000/SC).

Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante no dia 10/08/2025 pela suposta prática do crime de tentativa de homicídio qualificado, tendo a prisão sido convertida em preventiva, nos termos do art. 310, II, do Código de Processo Penal.

A defesa impetrou habeas corpus perante a Corte estadual, que denegou a ordem (e-STJ fls. 17/23).

Nas razões do presente writo, a defesa alega que o paciente é primário, possui residência fixa, exerce atividade lícita como corretor imobiliário e não possui antecedentes, além de ter agido, segundo sustenta, em legítima defesa própria e de sua mãe, após invasão de domicílio por parte da suposta vítima.

Argumenta que a única lesão constatada no ofendido é compatível com reação moderada e proporcional à agressão injusta. Destaca que, após o episódio, o paciente mudou-se de residência, o que afastaria qualquer risco de reiteração delitiva ou perturbação da ordem pública. Sustenta, ainda, que a decisão que manteve a prisão preventiva carece de fundamentação idônea, limitando-se a mencionar genericamente a gravidade do delito sem demonstrar concretamente a existência de periculum libertatis.

Alega que o Tribunal de Justiça ignorou elementos supervenientes, como a alteração de domicílio e o fato de não haver risco de influência sobre testemunhas, pois estas já teriam sido arroladas pela acusação e pela defesa, estando o inquérito concluído.

Argumenta que a prisão preventiva representa verdadeira antecipação de pena e que, diante das circunstâncias, mostra-se possível a aplicação de medidas cautelares diversas, nos termos do art. 319 do Código de Processo Penal. Por fim, requer, liminarmente e no mérito, a revogação da prisão preventiva, ou, subsidiariamente, sua substituição por medidas cautelares diversas, com a expedição de alvará de soltura em favor do paciente.

É o relatório. Decido.

As disposições previstas nos arts. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 03/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 11/04/2019, DJe 22/04/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018 e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).

Nesse diapasão, "uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n.45/2004 com status de princípio fundamental". (AgRg no HC n. 268.099/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).

Na verdade, a ciência posterior do Parquet, "longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido". (EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).

Em suma, "para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica". (AgRg no HC n. 514.048/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 06/08/2019, DJe 13/08/2019).

De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, "a", da Constituição Federal. Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga apelação ou recurso em sentido estrito é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal.

Assim, o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.

A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI, e art. 93, IX, da CF).

Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

Exige-se, ainda, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revele a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime.

No caso, assim foi fundamentada a prisão (e-STJ fls. 18):

No caso, os elementos constantes dos autos, em sede de cognição sumária, revelam a presença de indícios suficientes de autoria em desfavor do conduzido Samuel Matos da Silva. Conforme relato da vítima Juan Donizetti Leite, o conflito se iniciou em razão do volume de um aparelho de som, quando este solicitou que o conduzido diminuísse a música. A partir de então, sobreveio discussão seguida de agressões físicas, ocasião em que Samuel, após a quebra da porta de sua residência, desferiu golpes de faca contra a vítima, atingindo-a na região torácica, circunstância, ao menos nesse juízo sumário, indicativa de ânimo necandi. A versão da vítima encontra ressonância nos relatos de Maria Caroline Lopes Barros, a qual afirmou ter visto o conduzido perseguindo Juan, armado, e desferindo golpes mesmo depois de já se encontrar caído, além de gritar que iria matá-lo. Também a mãe do conduzido, Rosângela de Matos, confirmou que houve agressões físicas entre os envolvidos. (...).
Ao examinar a matéria, o Tribunal manteve a custódia, ponderando o seguinte (e-STJ fls. 21): Conforme consta na denúncia, o paciente, agindo, em tese, com evidente intenção homicida, desferiu golpes de faca contra a vítima, ocasionando-lhe lesões cortantes nas regiões da costela e do tórax. A motivação, ao que tudo indica, decorre de desentendimento relacionado ao volume do aparelho de som, culminando em confronto físico entre as partes envolvidas. As circunstâncias evidenciam a gravidade concreta da conduta imputada ao paciente, diante da violência exacerbada e desproporcional empregada, especialmente no contexto de vizinhança entre vítimas. Ademais, conforme já exposto, não se trata apenas do fato de serem vizinhos, mas do risco de novas desavenças, mostrando-se imprescindível a segregação cautelar.

Cumpre verificar se o decreto prisional afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, como aduz a inicial. Como visto, a prisão preventiva foi mantida pelo Tribunal estadual em razão da periculosidade do paciente, evidenciada pela gravidade concreta do crime imputado, especialmente o modus operandi da ação delitiva.

Segundo registrado, após um conflito por causa do volume do som, a discussão evoluiu para troca de agressões, a vítima arrombou a porta da residência do conduzido, que perseguiu o agressor e, utilizando uma faca, desferiu vários golpes no tórax e costela, conduta que, pela gravidade e pela persistência após a queda da vítima, aponta para tentativa de homicídio com indícios de intenção de matar.

Embora válida a fundamentação da prisão, entendo que a medida não se mostra imprescindível. Primeiro, porque, segundo consta dos autos, a própria vítima teria arrombado a porta da residência do paciente, revelando, ao que parece, que não buscava resolver o incômodo de forma pacífica, circunstância que mitiga a periculosidade exclusiva atribuída ao agente.

Segundo, porque o paciente é primário, como atesta sua folha de antecedentes (e-STJ fls. 33/34) sem qualquer registro anterior que indique propensão à prática delitiva.

Terceiro, porque não mais reside no mesmo endereço em que os fatos ocorreram, afastando-se, assim, o risco de novas desavenças de vizinhança (novo contrato de locação - e-STJ fls. 30/31).

Com efeito, "a restrição corporal cautelar reclama elementos motivadores extraídos do caso concreto e que justifiquem sua imprescindibilidade. Insuficiente, para tal desiderato, mera alusão à gravidade abstrata do crime, reproduções de elementos típicos ou suposições sem base empírica." (HC n. 126.815, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão Ministro EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 04/08/2015, publicado em 28/8/2015)

No caso em exame, os elementos analisados demonstram que a imposição de medidas cautelares diversas da prisão seria suficiente para garantir a ordem pública, assegurar a instrução criminal e viabilizar a futura aplicação da lei penal.

Nesse sentido:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO, POR DOLO EVENTUAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. DECRETO DEVIDAMENTE MOTIVADO. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. PERICULOSIDADE NÃO EVIDENCIADA. PRIMARIEDADE, ENDEREÇO FIXO E OCUPAÇÃO LÍCITA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À PRISÃO. PROPORCIONALIDADE, SUFICIÊNCIA E ADEQUAÇÃO. FIXAÇÃO QUE SE IMPÕE. 1. Sabe-se que o ordenamento jurídico vigente traz a liberdade do indivíduo como regra. Desse modo, antes da confirmação da condenação pelo Tribunal de Justiça, a prisão revela-se cabível tão somente quando estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, sendo impossível o recolhimento de alguém ao cárcere caso se mostrem inexistentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal. 2. Todavia, a custódia cautelar é providência extrema que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual "a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)". 3. Embora o édito prisional indique a necessidade da prisão cautelar, valendo-se sobretudo da menção à gravidade concreta dos delitos atribuídos ao paciente, a imposição das medidas cautelares revela-se mais adequada e proporcional ao caso. Isso porque, de outro lado, o paciente é primário e possui residência fixa na comarca onde ocorreu o delito, bem como tem ocupação lícita (diretor em empresas de sistemas de informações e assessoria contábil), de modo que não demonstrada a periculosidade do réu, por meio de elementos que indiquem, de forma plausível, o risco de que haja a prática de novos crimes, caso colocado em liberdade. 4. Ordem concedida, confirmando-se a liminar, a fim de substituir a custódia preventiva do paciente por medidas cautelares diversas da prisão, as quais deverão ser fixadas pelo Juízo de primeiro grau. (HC n. 508.433/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 13/8/2019, DJe de 23/8/2019.) HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. GRAVIDADE ABSTRATA. PACIENTE COM CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício 2. Para a decretação da prisão preventiva é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ. 3. Na espécie, a prisão preventiva foi mantida pelo Tribunal estadual com base nos indícios de autoria e materialidade do suposto delito. Porém, nada diz acerca do periculum libertatis, tampouco aponta elementos concretos esclarecendo a relação entre o perigo à ordem pública e a efetiva necessidade da prisão preventiva do paciente para preservá-la. 4. Ademais, o paciente ostenta condições subjetivas favoráveis - primário, tem residência fixa, é casado, pai de uma criança de 4 anos de idade, e trabalha com carteira assinada - aspectos que evidenciam a possibilidade de aplicação de outras medidas cautelares mais brandas. Precedentes. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para revogar a prisão preventiva do paciente, mediante a aplicação de medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP. (HC n. 437.451/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 3/4/2018, DJe de 12/4/2018.)

Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus. Contudo, concedo a ordem de ofício para substituir a prisão preventiva do paciente por outras medidas cautelares diversas, como as previstas no art. 319 do CPP, a critério do juízo de primeiro grau. Intimem-se.

Relator

REYNALDO SOARES DA FONSECA

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 1038815 - SC (2025/0373420-3) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA, Publicação no DJEN/CNJ de 02/10/2025)

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