STJ Set25 - Crime Contra Adm. Pública Municipal - Conflito de Competência Entre Justiça Estadual e Federal - Uso de Verba Federal - Ordem para suspender a tramitação na justiça estadual e remeter para a federal - caráter transnacional.

 Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por BRENO XXXXXX contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, no julgamento do Habeas Corpus n. 5061138-24.2025.8.09.0051. Depreende-se dos autos que o paciente figura como réu, nos autos da ação penal n. 5621610-36.2022.8.09.0051, em curso perante o Juízo da 1ª Vara dos Feitos Relativos a Delitos Praticados por Organização Criminosa e de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores da Comarca de Goiânia/GO, por suposta prática dos delitos tipificados no art. 2º, §4º, inciso II, da Lei n. 12.850/13, no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/67, nos arts. 298, 304 e 337-H, todos do Código Penal e no art. 1º, caput e §4º, da Lei n. 9.613/98.

Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante a Corte local, sustentando, em síntese, a incompetência absoluta da Justiça Estadual, sob o argumento de que os delitos possuem caráter transnacional.

Contudo, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por unanimidade de votos, não conheceu do writ, em acórdão assim ementado (e-STJ fls. 37/49):

Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PLEITO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA ESTADUAL. AÇÃO PENAL POR CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COM REPERCUSSÃO TRANSNACIONAL. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE EM HABEAS CORPUS. NÃO CONHECIMENTO DA ORDEM. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de Habeas Corpus impetrado em favor de paciente réu em ação penal por crimes contra a administração pública, alegando incompetência absoluta da Justiça Estadual em razão da natureza transnacional dos delitos. A defesa sustenta a necessidade de declinação da competência para a Justiça Federal e a nulidade de provas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em definir se o Habeas Corpus é a via processual adequada para análise da incompetência absoluta alegada, considerando a complexidade da questão e a existência de procedimento específico para tal discussão no Código de Processo Penal. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O Habeas Corpus possui rito célere e cognição sumária. Não é a via adequada para analisar questões complexas que demandam dilação probatória, como a definição de competência. 4. A jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é pacífica no sentido de que a exceção de incompetência, prevista no art. 108 do Código de Processo Penal, é o meio processual adequado para a discussão da competência. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Ordem de habeas corpus não conhecida. "1. O Habeas Corpus não é a via adequada para questionar a competência em casos complexos que demandam dilação probatória. 2. A exceção de incompetência prevista no art. 108 do CPP é o meio processual próprio para discutir a competência do juízo." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXVIII; CPP, arts. 647 e seguintes, art. 108; Lei n. 12.850/2013, art. 2º, § 4º, inciso II; Decreto-Lei n. 201/1967, art. 1º, inciso I; CPB, arts. 298, 304, 337-H, art. 29, art. 69; Lei n. 9.613/1998, art. 1º, caput e § 4º. Jurisprudências relevantes citadas: STJ, 5ª Turma, AgRg. no RHC n. 202.213/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, publicado no DJe de 03.12.2024; STJ, 6ª Turma, AgRg. no RHC n. 201.716/MG, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ , publicado no DJe de 28.10.2024.

Daí o presente habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, no qual a defesa sustenta a tese de incompetência da Justiça Estadual para processar e julgar a ação penal, ao argumento de que os crimes envolvem contratações públicas com recursos federais, atraindo a competência da Justiça Federal, conforme a Súmula 122 do STJ.

Sustenta que a incompetência absoluta é matéria de ordem pública, cognoscível de ofício, e que há precedentes em que as Cortes Superiores concederam ordem de habeas corpus para declarar a incompetência de juízo de origem. Alega, nesse viés, que os atos decisórios proferidos na ação penal e nas medidas cautelares que constituíram a denominada "Operação Limpeza Geral" são nulos, por terem sido exarados por autoridade sabidamente incompetente, configurando produção ilícita de provas.

Ao final, pugna, liminarmente, pela suspensão do trâmite da ação penal na origem, com o cancelamento da audiência de instrução e julgamento designada para o dia 3/4/2025, até o julgamento de mérito deste habeas corpus.

No mérito, requer seja concedida a ordem para reconhecer a nulidade dos atos decisórios proferidos pelo Juízo Estadual, nos autos da ação penal n. 5621610-36.2022.8.09.0051, desentranhar as provas ilícitas e remeter os autos à Justiça Federal da Seção Judiciária de Goiás para que decida sobre a existência de interesse da União Federal capaz de atrair a sua competência.

O pedido liminar foi deferido para suspender o trâmite da ação penal n. 5621610-36.2022.8.09.0051, inclusive da audiência de instrução e julgamento designada para o dia 3/4/2025, até o julgamento de mérito deste habeas corpus (e-STJ fls. 1.974/1.980). As informações foram devidamente prestadas pelo Juízo de primeiro grau e pela Corte local (e-STJ fls. 1.984/2.040).

Em face da decisão concessiva da medida liminar, o Ministério Público do Estado de Goiás interpôs agravo regimental, a fim de reconsiderar a decisão recorrida para não conhecer do habeas corpus e, subsidiariamente, denegar a ordem, com a revogação da liminar deferida (e-STJ fls. 2.042/2.056).

Os autos foram encaminhados ao Ministério Público Federal, o qual opinou pela reconsideração da decisão que deferiu a liminar ou pelo provimento do agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado de Goiás, com revogação da liminar deferida, em parecer assim ementado (e-STJ fls. 2.552/2.554):

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TESE DEFENSIVA DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. DECISÃO PROFERIDA POR ESSE D. RELATOR, QUE DEFERIU A LIMINAR. AUSÊNCIA, PORÉM, DE EXAME DA MATÉRIA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT, COM REVOGAÇÃO DA LIMINAR. ADEMAIS, NECESSIDADE DE INCURSÃO NO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE EM SEDE DE HABEAS CORPUS. DECISÃO DESSE D. RELATOR, QUE DEFERIU A LIMINAR. REFERÊNCIA A DÚVIDA RAZOÁVEL SOBRE A COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. DÚVIDA, TODAVIA, SOBRE A PRESENÇA DE EVIDÊNCIAS DE DESVIO DE RECURSOS FEDERAIS QUE, DATA VENIA, JUSTIFICARIA, NA REALIDADE, A MANUTENÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. PRECEDENTE. FUNDAMENTOS DA R. DECISÃO AGRAVADA, ENTRETANTO, RELACIONADOS A OUTRO FEITO CRIMINAL. CARACTERIZAÇÃO DE DISTINÇÃO EM RELAÇÃO À AÇÃO PENAL DE QUE TRATA O PRESENTE WRIT. INEXISTÊNCIA, NA HIPÓTESE EM EXAME, DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO OU CONTRATO ADMINISTRATIVO ENVOLVENDO VERBA PÚBLICA DE ORIGEM FEDERAL. MANUTENÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. RECONSIDERAÇÃO DA R. DECISÃO AGRAVADA. PROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. 1. O Tribunal de origem, ao não conhecer do habeas corpus impetrado em favor do paciente, não chegou a examinar a tese defensiva de incompetência da Justiça Estadual, nem mesmo de ofício. 2. Se a questão relacionada à competência para processar e julgar a ação penal não foi examinada pela Corte de origem, não cabe a essa E. Corte Superior, data venia, a sua apreciação, sob pena de indevida supressão de instância. 3. A defesa sustenta que a incompetência absoluta é matéria de ordem pública, cognoscível de ofício. Todavia, ainda que se trate de matéria de ordem pública, é imprescindível o prévio debate da questão pertinente na instância de origem, para que possa ser examinada por esse E. Superior Tribunal de Justiça. Precedentes. 4. A pretensão defensiva de fixação da competência da Justiça Federal, no presente caso, ampara-se na necessidade de reexame aprofundado de fatos e provas, o que é, como é cediço, inadmissível em sede de habeas corpus. 5. Em conformidade com a Súmula 122/STJ, compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual. 6. A r. decisão que deferiu a liminar neste feito menciona que no julgamento do HC 791.139/GO, a ordem foi concedida para revogar a prisão preventiva decretada em face do ora paciente, e que esse D. Relator teria constatado a existência de dúvida razoável acerca da competência do Juízo Estadual para conduzir a investigação. 7. A prevalecer a referida dúvida acerca da presença indícios de crimes federais, não estaria evidenciado interesse federal, circunstância apta a atrair a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal, de modo que não haveria como firmar, ao menos por ora, a competência da Justiça Federal para julgamento do feito. 8. Ocorre que a r. decisão proferida no HC 791.139/go, aponta fundamentos relacionados a outro feito criminal, instaurado em face do paciente, e que, na hipótese em exame, há demonstração da inexistência de procedimento licitatório ou contrato público envolvendo verba pública de origem federal, relacionado à ação penal de que trata o presente writ, que pudesse ensejar o deslocamento de competência para a Justiça Federal. Portanto, inexiste, data venia, dúvida na espécie. 9. Parecer pela reconsideração da r. decisão agravada ou, caso não reconsiderada, pelo provimento do agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado de Goiás, para não conhecer do habeas corpus ou, se conhecido, para denegar a ordem, com revogação da liminar deferida.

É‎‎ ‎‎o‎‎ ‎‎relatório.‎‎ ‎‎Decido.

O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe de 27/5/2015, e STF, HC n. 113.890/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 3/12/2013, DJe de 28/2/2014. Mais recentemente: STF, HC n. 147.210-AgR, Relator Ministro EDSON FACHIN, DJe de 20/2/2020; HC n. 180.365-AgR, Relatora Ministra ROSA WEBER, DJe de 27/3/2020; HC n. 170.180-AgR, Relatora Ministra CARMEM LÚCIA, DJe de 3/6/2020; HC n. 169.174-AgR, Relatora Ministra ROSA WEBER, DJe de 11/11/2019; HC n. 172.308-AgR, Relator Ministro LUIZ FUX, DJe de 17/9/2019; HC n. 174.184-AgRg, Relator Ministro LUIZ FUX, DJe de 25/10/2019. STJ: HC n. 563.063-SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção, julgado em 10/6/2020; HC n. 323.409/RJ, Relator p/ acórdão Ministro FELIX FISCHER, Terceira Seção, julgado em 28/2/2018, DJe de 8/3/2018; e HC n. 381.248/MG, Relator p/ acórdão Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção, julgado em 22/2/2018, DJe de 3/4/2018.

Assim, de início, incabível o presente habeas corpus substitutivo de recurso.

Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.

Busca-se, na presente impetração, a declaração de incompetência da Justiça Estadual para processar e julgar a ação penal n. 5621610-36.2022.8.09.0051, com o consequente reconhecimento de nulidade dos atos decisórios proferidos pelo Juízo Estadual, determinando, ainda, a remessa dos autos à Justiça Federal da Seção Judiciária de Goiás para que decida sobre a existência de interesse da União Federal capaz de atrair a sua competência.

Conforme relatado, a medida liminar foi deferida para suspender o trâmite da ação penal n. 5621610-36.2022.8.09.0051, inclusive da audiência de instrução e julgamento designada para o dia 3/4/2025, até o julgamento de mérito deste habeas corpus, tendo em vista a constatação de dúvida razoável quanto à existência de interesse da União no feito, notadamente pela suposta realização de desvios em contratações públicas custeadas com recursos federais. Confira-se (e-STJ fls. 1.975/1.980):

[...] É o relatório. Decido. A liminar em habeas corpus, bem como em recurso em habeas corpus, não possui previsão legal, tratando-se de criação jurisprudencial que visa a minorar os efeitos de eventual ilegalidade que se revele de pronto. Em um juízo de cognição sumária, visualizo plausibilidade jurídica na linha de argumentação defensiva. Conforme apontado pela defesa, no julgamento do HC 791.139/GO, de minha relatoria, cuja ordem foi concedida para revogar a prisão preventiva decretada em face do ora paciente, constatei a existência de dúvida razoável acerca da competência do Juízo Estadual para conduzir a investigação. Confira-se: [...] Ainda, analisando as informações do relatório de investigação produzido pelo Ministério Público, ao que parece, o suposto esquema envolveu verbas utilizada para o combate à pandemia do covid-19, como se depreende dos seguintes trechos (e-STJ fl. 227, 371, 378/378 e 414): Também se constatou que essa união criminosa se estendeu a outros municípios (além de Jaraguá e Pirenópolis) onde BRENO, aparentemente, não possui vínculo contratual ou funcional, fato que certamente será melhor esclarecido ao longo da investigação. Isso porque, em conversa extraída do aparelho celular de WEDER, este forneceu orçamentos relacionados a medicamentos e material higiênico (luvas, máscaras, lençol), inclusive usados no combate da pandemia do COVID-19, para subsidiar a aquisição (ainda não identificada por dados contidos em portais de transparência), por parte do município de Araguapaz. Veja (...) Em consulta ao Portal da Transparência do município de Anápolis/GO, verifica-se que a empresa LIFEMIX SERVIÇOS foi escolhida para fornecer os produtos requisitados na Dispensa de Licitação n. 046/2020, dentre os quais alguns relacionados ao combate da pandemia do COVID-19 (álcool em gel e etílico 70º): (...) Mediante consulta ao Portal da Transparência do município, foi visto que a empresa YBTM COMÉRCIO E SERVIÇOS EIRELI firmou o contrato n. 377/2021, referente à Dispensa de Licitação n. 2209/2021, com objeto: contratação emergencial de empresa para locação de tendas, lateral piramidal e banheiros químicos para atender os pontos de vacinação COVID-19 para a Secretaria Municipal de Saúde, no valor de R$ 177.400,00(cento e setenta e sete mil e quatrocentos reais): (...) Os elementos informativos produzidos indicam que o grupo criminoso continua atuando em inúmeras licitações, reforçando a contemporaneidade da medida. Foram apontados diversos fatos recentes, com suspeitas de fraudes em licitações e desvios de recursos públicos, que acabaram de se acontecer ou que ainda estão acontecendo. A gravidade concreta das condutas e a periculosidade dos investigados, evidenciadas pela existência de fortes indícios de formação/integração em organização criminosa, dedicada à prática de diversos delitos, demonstram o risco que eles representam ao meio social, sobretudo, se considerado que parte dos recursos, com indícios de desvios, estão ligados à área da saúde (inclusive voltada ao combate à pandemia provocada pelo COVID-19), à educação (transporte de alunos e reformas de escolas) e até defesa civil (perícia em lago municipal não executada, que pode ocultar a existência de risco de desastre por rompimento de barragem). Vale frisar que, em relação aos investigados WEDER ALVES DE OLIVEIRA (líder), BRENO MENDONÇA VIEIRA (núcleo agentes públicos) e LUIZ ANTÔNIO MASCARENHA (núcleo representantes), já foram denunciados por integrar a organização criminosa formada dentro da Administração Pública de Jaraguá, na gestão de 2017-2020, nos autos da ação penal nº 5621610-36.2022.8.09.0051, porém, como visto, a atuação ilícita deles não se restringiu àquele município e não cessou com aquela organização. Por isso, a decretação de sua prisão é extremamente necessária para tentar interromper a continuidade das atividades ilícitas. Diante dos fatos narrados, a eventual manutenção da liberdade dos investigados coloca em risco a ordem pública e econômica, conforme demostrado alhures. Nesse sentido, a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas constantes do Título IX do Livro I do Código de Processo Penal (art. 319 do CPP), mostra-se descabida, pois qualquer delas seria insuficiente para o caso em tela, sob pena de se conferir proteção deficiente aos bens jurídicos tutelados. Observa-se, porém, que, mesmo diante dessas indicações relacionadas a aquisições de materiais para combate da pandemia do covid-19, a Juíza afirmou não ter constatado a utilização de recurso federal nos contratos de licitações supostamente fraudados. Assim, condicionou eventual deslocamento do caso para Justiça Federal à futura confirmação da utilização de verbas do SUS. Sobre esse ponto, no julgamento do RHC 130197/DF, a Quinta Turma desta Corte reconheceu a nulidade das buscas feitas no âmbito da "Operação Grabato", deflagrada para apurar supostas ilegalidades na contratação de serviços e equipamentos para o hospital de campanha montado no Estádio Nacional de Brasília durante a pandemia da Covid-19, em razão da incompetência do juízo. Na ocasião, reafirmei ser manifesta a impossibilidade de se falar em juízo aparente, quando há o prévio conhecimento da autoridade judicial de que os fatos investigados envolvem verbas da União, não sendo possível deixar para a Justiça Federal a decisão sobre a ratificação dos atos anteriores. Essa é a ementa do acórdão: PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. "OPERAÇÃO GRABATO". INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL. REMESSA DOS AUTOS À JUSTIÇA FEDERAL. NULIDADE DOS ATOS PRATICADOS. NÃO RECONHECIMENTO. 2. TEORIA DO JUÍZO APARENTE. NÃO APLICAÇÃO. 3. VERBAS DA UNIÃO. COMBATE À PANDEMIA DE COVID-19. HOSPITAL DE CAMPANHA. SUPERVISÃO DIRETA E EXPLÍCITA DA CGU. COMPETÊNCIA FEDERAL MANIFESTA. 4. PREJUÍZO DEMONSTRADO. PRIVACIDADE DEVASSADA. JUÍZO SABIDAMENTE INCOMPETENTE DESDE O INÍCIO. PROVA ILÍCITA. ART. 157 DO CPP. PRECEDENTES. 5. RECURSO EM HABEAS CORPUS A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. O recorrente pretende anular as investigações relativas à "Operação Grabato", em especial a busca e apreensão, bem como as provas derivadas, em virtude de ter sido deferida por Juízo incompetente, situação já reconhecida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Não se discute, portanto, a incompetência, mas apenas suas consequências. 2. A situação dos autos não autoriza a aplicação da teoria do juízo aparente. Como é de conhecimento, referida teoria autoriza o aproveitamento de atos decisórios emanados por autoridade judicial incompetente que, à época, era tida por aparentemente competente. De fato, nesses casos, a declinação de competência não possui o condão de invalidar as diligências autorizadas por Juízo que até então era competente para o processamento do feito. Contudo, na presente hipótese, não há se falar em competência aparente nem em descoberta superveniente de elementos que atraem a competência da Justiça Federal. 3. A própria decisão que deferiu a busca e apreensão destaca que a investigação se refere a quantias repassadas pela União para combate à pandemia de Covid-19, relativa ao hospital de campanha, tendo, inclusive, autorizado que o cumprimento da medida fosse acompanhado pela Controladoria-Geral da União, com compartilhamento de provas. Ademais, é assente na doutrina e na jurisprudência a competência da Justiça Federal para processar e julgar os feitos e procedimentos relativos ao desvio de verbas da saúde repassadas pela União, haja vista o dever do governo federal de supervisionar essas verbas (Fundo de Saúde do Distrito Federal, oriundo de repasses da União e fiscalizado pela Controladoria Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União). Precedentes: AgRg no CC 169.033/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2020, DJe 18/05/2020; RHC 111.715/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 10/10/2019: HC 52.205/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/08/2017, DJe 14/08/2017; RHC 59.287/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/11/2015, DJe 25/11/2015. 4. A nulidade indicada se refere ao reconhecimento da incompetência do Juízo que determinou a medida de busca e apreensão. Tem-se, portanto, manifesto o prejuízo suportado pelo recorrente, que teve sua privacidade, a qual é protegida constitucionalmente, devassada por Juízo sabidamente incompetente desde o início. Dessarte, quem produz prova sem ter competência provoca prova ilícita, nos termos do art. 157 do Código de Processo Penal, sem possibilidade de ter, no ponto, visão utilitária. Precedente do STJ. 5. Recurso em habeas corpus a que se dá provimento, para reconhecer a nulidade da busca e apreensão, bem como das provas derivadas, com o consequente desentranhamento do caderno investigatório. (RHC n. 130.197/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/10/2020, REPDJe de 12/11/2020, DJe de 03/11/2020.) Assim, quando a investigação envolve recursos federais, incide a regra disposta no enunciado n. 122 da Súmula desta Corte, que assim dispõe: Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal. (Súmula n. 122, Terceira Seção, julgado em 1/12/1994, DJ de 7/12/1994, p. 33970.) Ainda sobre o tema, "O Plenário do Tribunal de Contas da União, por meio da Decisão-TCU n. 506/1997 – Plenário assentou que, no âmbito do SUS, os recursos repassados pela União aos Estados e Municípios, seja por intermédio de convênio, fundo a fundo ou por qualquer outro instrumento legal, constituem verbas federais e, portanto, os serviços e ações de saúde decorrentes estão sujeitos à sua fiscalização." (AgRg no CC n. 169.033/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 13/5/2020, DJe de 18/5/2020.). A propósito, "o posicionamento do Supremo Tribunal Federal e desta Corte de Justiça, compete à Justiça Federal processar e julgar as causas relativas ao desvio de verbas do Sistema Único de Saúde - SUS, independentemente de se tratar de repasse fundo a fundo ou de convênio, visto que tais recursos estão sujeitos à fiscalização federal, atraindo a incidência do disposto no art. 109, IV, da Carta Magna, e na Súmula 208 do STJ." (AgRg no CC 122.555/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira Seção, julgado em 14/08/2013, DJe 20/08/2013). No mesmo diapasão: EDcl no AgRg no CC n. 170.558/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 24/3/2021, DJe de 29/3/2021; AgRg no CC n. 170.558/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 12/8/2020, DJe de 17/8/2020; CC n. 150.421/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Terceira Seção, julgado em 10/4/2019, DJe de 16/4/2019 e AgRg no CC n. 129.386/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 11/12/2013, DJe de 19/12/2013. Portanto, essa dúvida razoável acerca da competência do juízo para conduzir a investigação reforça também a conclusão de que a prisão preventiva do paciente deve ser afastada. Após, o Ministério Público do Estado de Goiás, por meio de seu Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), ao oferecer denúncia em face do paciente e de outros 10 (dez) indivíduos, destacou elementos de informação que indicavam, além dos desvios públicos na contratação de serviços públicos de limpeza urbana inicialmente investigados, a prática, em tese, de crimes relacionados a contratações realizadas com recursos provenientes da União, que seriam destinados para o "combate do mosquito aedes aegypti" e para a "aquisição de máscaras e aventais para o enfrentamento da COVID-19" (e-STJ fl. 72). Nesse panorama, permanece a dúvida anteriormente identificada, com relação ao juízo competente. Destaco, no ponto, que acaso sejam identificados indícios de possíveis crimes federais conexos com crimes estaduais, a competência para apreciar todos eles seria da Justiça Federal, nos termos da Súmula 122/STJ, in verbis: "Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal". Ademais, nos termos da Súmula 150/STJ, "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas". Portanto, ao menos na análise perfunctória dos autos, mostra-se prudente a suspensão do curso da ação penal na origem, atualmente em trâmite na Justiça Estadual, ante a permanência de dúvida razoável quanto à existência de interesse da União no feito, notadamente pela suposta realização de desvios em contratações públicas custeadas com recursos federais. Ante o exposto, defiro a liminar para suspender o trâmite da ação penal n. 5621610-36.2022.8.09.0051, com a suspensão da audiência de instrução e julgamento designada para o dia 3/4/2025, até o julgamento de mérito deste habeas corpus. Solicitem-se informações ao Tribunal de origem e ao Juízo de primeiro grau sobre o alegado na presente impetração, a serem prestadas preferencialmente pela Central do Processo Eletrônico - CPE do STJ, em especial sobre o atual andamento da ação penal na qual o paciente figura como réu, inclusive o envio da senha para acesso aos dados processuais constantes do respectivo portal eletrônico, tendo em vista a restrição determinada pela Resolução n. 121 do CNJ. Após, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal para parecer. Intimem-se.

Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, ao não conhecer do writ lá impetrado, não se manifestou efetivamente acerca da tese de incompetência da Justiça Estadual para processar e julgar a ação penal na origem, considerando que se mostra inviável, na via estreita do habeas corpus, discutir questões de grande complexidade que exijam uma análise detalhada dos elementos de prova, como a definição de competência.

Confira-se (e-STJ fls. 41/43):

[...] A autoridade impetrada, nas informações, revelou que o paciente responde a uma ação penal (Autos do processo n. 5621610-36.2022.8.09.0051), por violação do art. 1º, § 1º, c/c art. 2º, § 4º, inciso II, ambos da Lei 12.850/2013 (fato01); art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei 201/1967, c/c art. 29, do Código Penal Brasileiro (fatos 02 a 49); art. 304 c/c art. 298 e art. 29, todos do Código Penal Brasileiro (fatos 50 e 51); art. 1º, c/c § 4º, da Lei 9.613/1998 (fato 62); art. 337-H, do Código Penal Brasileiro, por 02 (duas) vezes, c/c art. 29, do Código Penal Brasileiro (fatos 64 e 65); todos c/c art. 69, do Código Penal Brasileiro. Informa que a investigação judicial objetiva esclarecer a ocorrência dos crimes de organização criminosa voltada à prática de infrações penais no âmbito da contratação de serviços públicos de limpeza urbana, locação de estruturas temporárias para eventos, consultoria e elaboração de projetos para obtenção de recursos federais, especificamente com relação ao Procedimento de Contratação Emergencial n. 12/2017, efetivado com a dispensa de licitação com a empresa DPA SERVIÇOS E EMPREENDIMENTOS LTDA, e a execução do Contrato n. 325/2017, celebrado com a empresa BRASIL CONSTRUTORA E SERVIÇOS LTDA, ambos formalizados com a Prefeitura de Jaraguá-GO. É de ver-se, os impetrantes objetivam o trancamento da Ação Penal n. 5621610-36.2022.8.09.005 em desfavor do paciente, na via estreita do Habeas Corpus, apontando a ilegalidade das provas produzidas no âmbito das Medidas Cautelares ns. 5628586-93.2021.8.09.0051 e 5651288-96.2022.8.09.0051, bem como dos atos decisórios proferidos na ação penal citada, argumentando a incompetência da Justiça Estadual, dado que as verbas dos contratos investigados são provenientes da União, atraindo a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso IV, da CF/1988. Não obstante a argumentação da defesa, inclusive destacando um prenúncio realizado pelo eminente Ministro Reynaldo Fonseca, do colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), na decisão proferida no Habeas Corpus n. 791.139/GO, indicando possível ocorrência de ilegalidade na condução da investigação, em razão da incompetência da Justiça Estadual, o tema não se credencia ao conhecimento no âmbito da ação mandamental, de rito célere e cognição sumária, que não dever ser utilizado como substituto de procedimento próprio. A jurisprudência é pacífica quanto à impossibilidade de, na estreita via do Habeas Corpus, realizar-se debates de temas de grande envergadura, que demandam exame exauriente dos elementos de convicção, a exemplo da definição de competência, para o qual o legislador estabeleceu procedimento próprio, exceção de incompetência, previsto no art. 108, do Código de Processo Penal, razão pela qual não se conhece da impetração. O colendo STJ, in verbis: “DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. (...) 5. O habeas corpus não é a via adequada para nulificar decisão que rejeitou exceção de incompetência, pois tal análise demanda exame aprofundado da situação fática. (...).” (STJ, 5ª Turma, AgRg. no RHC n. 202.213/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, publicado no DJe de 03.12.2024). “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA E LAVAGEM DE DINHEIRO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, conforme vem decidindo o Supremo Tribunal Federal, afirma: "[...] A existência de um complexo sistema recursal no processo penal brasileiro permite à parte prejudicada por decisão judicial submeter ao órgão colegiado competente a revisão do ato jurisdicional, na forma e no prazo previsto em lei. Eventual manejo de habeas corpus, ação constitucional voltada à proteção da liberdade humana, constitui estratégia defensiva válida, sopesadas as vantagens e também os ônus de tal opção" (HC n. 482.549/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 3ª S., DJe 3/4/2020). 2. Ainda segundo o entendimento consolidado desta Corte Superior: "[...] a interposição do recurso cabível contra o ato impugnado e a contemporânea impetração de habeas corpus para igual pretensão somente permitirá o exame do writ se for este destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou se traduzir pedido diverso em relação ao que é objeto do recurso próprio e que reflita mediatamente na liberdade do paciente" (HC n. 482.549/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 3ª S., DJe 3/4/2020). 3. No caso, correta a conclusão do Tribunal de origem de que o habeas corpus e seu respectivo recurso não são a via adequada para discutir a exceção de incompetência. Isso porque, além de não haver ameaça mediata ao direito de locomoção do recorrente, que está em liberdade, a jurisdição a ser prestada na origem ainda não se esgotou, uma vez que a referida nulidade ainda pode ser discutida em apelação e seus respectivos recursos, o que afasta a tese de negativa de prestação jurisdicional. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ, 6ª Turma, AgRg. no RHC n. 201.716/MG, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, publicado no DJe de 28.10.2024). Posto isso, não conheço da ordem. É como voto. - negritei.

De fato, para acolher a tese defensiva e decretar a incompetência da Justiça Estadual, nos moldes propostos pela defesa, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório, providência que não é viável na sede mandamental do habeas corpus, bem como do respectivo recurso ordinário constitucional.

Ao ensejo:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO RAIO-X. CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS. ALEGADA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. INEVIDÊNCIA DO ENVOLVIMENTO DE VERBAS FEDERAIS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ORDEM DENEGADA. [...] 5. O habeas corpus não é cabível para reexame de prova ou para questões que não afetam diretamente a liberdade de locomoção, como a definição de competência sem reflexo no direito de ir e vir. 6. A competência da Justiça estadual foi mantida, pois a ausência de malversação de verbas federais afasta a competência da Justiça Federal, conforme entendimento pacífico desta Corte. 7. A análise da competência demandaria um exame aprofundado do conjunto fático-probatório, o que não é permitido na via estreita do habeas corpus. [...] (HC n. 994.360/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 18/6/2025, DJEN de 26/6/2025.) - negritei. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA. CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA, USO DE DOCUMENTO FALSO, FRAUDE À LICITAÇÃO, ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E LAVAGEM DE DINHEIRO. ALEGADA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. DESVIO DE VERBAS FEDERAIS. NÃO CONFIGURAÇÃO. EMPRESAS QUE NÃO FORAM VENCEDORAS DOS CERTAMES LICITATÓRIOS E NÃO RECEBERAM VERBAS DECORRENTES DO FUNDEB E DO PNATE. NECESSIDADE, PARA APLICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DIVERSO, DO REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INVIABILIDADE DA VIA ELEITA. PRECEDENTES DO STJ. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ESTÁGIO PREMATURO QUE SE ENCONTRA A AÇÃO PENAL NA ORIGEM. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. [...] 4. Ademais, a aferição da origem do montante supostamente desviado e da existência ou não de prestação de contas perante ente Federal e, por consequência, do interesse da União, demanda claro revolvimento de todo o conjunto fático-probatório, providência que não é admitida na sede mandamental do habeas corpus, bem como do respectivo recurso ordinário constitucional, de modo que, nos moldes da conclusão da Corte local, recomenda-se, in casu, que o Juízo de primeiro grau aprofunde a questão após a instrução, analisando individualmente a situação de cada contrato, a fim de identificar eventual interesse da interesse da união, não identificado anteriormente. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no RHC n. 185.867/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 18/9/2023.) - negritei.

Acontece que, como o próprio Órgão ministerial reconhece, há investigação, inserida na operação em tela, da competência da Justiça Federal. Logo, nos termos da Súmula 122 do colendo Superior Tribunal de Justiça, a competência para dizer sobre a conexão e reunião dos feitos é, indiscutivelmente, da Justiça Federal.

A propósito:

"Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal"

Mister se faz, portanto, aferir eventual necessidade de remessa dos autos à Justiça Federal, para decidir, inclusive, sobre a existência de interesse dos entes indicados no art.109 da CF/88 no feito ou sobre a conexão existente, nos termos do que determina o verbete n. 150/STJ.

Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas. Conforme relatado, o paciente figura como réu, nos autos da ação penal n. 5621610-36.2022.8.09.0051, em curso perante o Juízo da 1ª Vara dos Feitos Relativos a Delitos Praticados por Organização Criminosa e de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores da Comarca de Goiânia/GO, pela suposta prática dos delitos tipificados no art. 2º, §4º, inciso II, da Lei n. 12.850/13, no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/67, nos arts. 298, 304 e 337-H, todos do Código Penal e no art. 1º, caput e §4º, da Lei n. 9.613/98.

Rememorando o caso dos autos, transcrevo as informações prestadas pelo Juízo da 1ª Vara dos Feitos Relativos a Delitos Praticados por Organização Criminosa e de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores da Comarca de Goiânia/GO, que bem resumiu o histórico processual do caso em tela (e-STJ fls. 1.984/2.008):

Informo a Vossa Excelência que o Ministério Público do Estado de Goiás, com base nos elementos informativos e probatórios colhidos no PIC 2017.0041.4547 (Operação Limpeza Geral), ofereceu denúncia nos autos 5621610-36.2022.8.09.0051 em desfavor de BXXXXXXXX VIEIRA (e outros acusados) pela suposta prática dos crimes previstos no art. 1º, §1º, c/c art. 2º, § 4º, inciso II, ambos da Lei 12.850/2013 (fato 01); art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei 201/67 c/c art. 29 do Código Penal (fatos 02 a 49); art. 304 c/c art. 298 e art. 29, todos do Código Penal (fatos 50 e 51); art. 1º, c/c § 4º, da Lei 9.613/1998 (fato 62); art. 337-H do Código Penal, por 2 vezes, c/c art. 29 do Código Penal (fatos 64 e 65); todos c/c art. 69 do Código Penal. Por ocasião do oferecimento da denúncia, o Ministério Público afirmou que o PIC 2017.0041.4547 foi instaurado com o escopo inicial de apurar possíveis fatos criminosos praticados durante a contratação emergencial de serviços de limpeza urbana entre o Município de Jaraguá/GO e a empresa DPXXXXXXS E PARTICIPAÇÕES, em tese, com a participação de ZILOXXXXXXXEIRA, que foi prefeito daquela cidade na gestão de 2017-20201. Contudo, asseverou que, no curso das investigações, descobriu a existência de uma organização criminosa que teria atuado na Administração Pública do Município de Jaraguá/GO, durante a gestão do então prefeito ZXXXXXXR ANTÔNIO DE OLIVEIRA, e que teria praticado inúmeras infrações penais não apenas no âmbito da contratação de serviços de limpeza urbana, mas também de outros bens e serviços públicos, como locação de estruturas temporárias para eventos, consultoria para elaboração de projetos para obtenção de recursos federais, serviços de mão de obra, locação de veículos, serviços de mobilização ao combate do mosquito aedes aegypti, serviços gráficos, aquisição de máscaras e aventais para enfrentamento da Covid-19, entre outros. Afirmou que, devido à complexidade dos fatos investigados, do expressivo número de investigados e da quantidade de fatos criminosos descobertos, entendeu por bem imputar os crimes investigados em denúncias distintas, de modo a permitir a regular tramitação processual com eficiência e em tempo razoável. Especificamente no caso dos autos 5621610-36.2022.8.09.0051, o Ministério Público pontuou que a denúncia ofertada no referido feito destina-se apenas à apuração do crime de organização criminosa imputado aos integrantes dos principais núcleos do grupo criminoso, bem como à apuração dos delitos praticados no âmbito da contratação e execução dos serviços de limpeza urbana, relacionados ao procedimento de contratação emergencial 12/2017, efetivado com dispensa de licitação pelo Município de Jaraguá/GO com a empresa DPA SERVIXXXXXXS LTDA, e à execução do contrato 325/2017, celebrado pela empresa BRAXXXXXXXX SERVIÇOS LTDA e o citado município. No entanto, cabe enfatizar que, de acordo com o Ministério Público, foram identificadas fraudes em outros procedimentos licitatórios e contratos administrativos, envolvendo outras empresas além da DPAXXXXXXXXXXOS LTDA (fraudes que, conforme mencionado acima, NÃO foram denunciadas nos autos 5621610-36. Outras denúncias foram ofertadas). Na ação penal 5621610-36 – objeto central da presente impetração –, o Ministério Público descreveu, em apertada síntese, que a suposta organização criminosa agia sob a liderança de XXXXXXXNIO DE OLIVEIRA e teria, de forma reiterada, realizado fraudes em licitações e contratos no âmbito da Administração Pública de Jaraguá/GO, seja pela não execução das obras e serviços conforme pactuado, seja pelo superfaturamento ou pela indevida terceirização das obras e serviços, com a posterior dissimulação e ocultação da origem de parte dos valores desviados. Relatou que o grupo criminoso se subdividia, ainda que informalmente, em dois núcleos distintos, quais sejam: (a) o núcleo dos agentes públicos, em tese, composto por SILVAXXXXXXXXXXXXETO, que eram servidores nomeados por ZILOMAR AXXXXXXXOLIVEIRA em cargos de confiança ou outros cargos de posições relevantes e estratégicas da Administração Pública, como a Controladoria Interna e a Procuradoria do Município; e (b) o núcleo operacional, em tese, formado por BXXXXXXXXXXXXXHA (além de outros indivíduos não identificados), que seriam os responsáveis efetivamente pelas fraudes, inclusive mediante a falsificação e o uso de documentos contrafeitos, bem como pelo recebimento e transferência dos recursos públicos desviados2. Quanto ao modus operandi da suposta organização criminosa, o Ministério Público discorreu na denúncia dos autos 5621610-36 que a obtenção de vantagem ilícita pelo grupo criminoso dava-se com a contratação simulada de empresas que, muitas vezes, não entregavam/executavam os bens e serviços conforme contratado, embora os contratos tenham sido devidamente quitados pelo Município de Jaraguá/GO. Acrescentou que, para viabilizar o recebimento dos valores, a organização criminosa teria se utilizado de notas fiscais ideologicamente falsas. Relatou que, nas vezes em que os referidos serviços eram prestados, eram cobrados de forma superfaturada ou eram executados por meios terceirizados com valores bem inferiores ao licitado, o que permitia a obtenção de lucro indevido por parte da agremiação criminosa. Destacou que o principal meio utilizado pela organização criminosa para retornar o dinheiro supostamente desviado em benefício dos réus, bem como dificultar o rastreamento das quantias, ocorria por meio de saques de valores em espécie, do seguinte modo: os cheques emitidos para pagamento dos contratos eram descontados “na boca do caixa” ou os valores eram levantados após o recebimento de transferências eletrônicas (TED) na conta da empresa “vencedora” do certame. Pontuou que, em muitos casos, havia transferência para outra conta de pessoas físicas e jurídicas do grupo criminoso, para dissimulação e ocultação da origem ilícita. Narrou que, assim que os pagamentos eram realizados pelo Município de Jaraguá/GO para as empresas da organização criminosa, os integrantes do núcleo operacional, em tese, faziam transferências para contas em nome de terceiros e também saques em espécie, cujas quantias eram repassadas a BRENO MENxXXXXXXXIRA MXXXXS, que, ao final, eram encarregados de redistribuí-las aos demais membros do grupo criminoso. Sustentou que, valendo-se desse modus operandi, a organização criminosa teria, deliberadamente, simulado a contratação emergencial da empresa DXXXXXXXX PARTICIPAÇÕES LTDA (contratação emergencial 12/2017), para executar serviços de limpeza urbana em Jaraguá/GO, os quais não foram realizados pela referida empresa, até mesmo porque essa, segundo a denúncia, tratava-se de uma pessoa jurídica de fachada. Mencionou que a cidade de Jaraguá/GO não poderia ficar sem os serviços de limpeza urbana e, como esses serviços não seriam executadas pela DPA EMPXXXXXXXXXXES LTDA, o núcleo dos agentes públicos teria se encarregado de realizá-los, por meio de servidores, veículos e equipamentos do próprio município, bem como por meio da contratação direta de pessoas, locação de veículos, aquisição de equipamentos e outras despesas decorrentes, custeadas com parte do dinheiro já desviado pela organização criminosa, mas com valores e quantidade bem abaixo daqueles previstos no procedimento de dispensa de licitação. Consignou que grande parte dos recursos desviados do contrato emergencial 12/2017 teria sido objeto de crime de lavagem de capitais, já que esses valores teriam sido ocultados e dissimulados para dificultar seu rastreamento e a identificação dos destinatários finais. Em continuidade, relatou que, posteriormente à contratação emergencial 12/2017, o Município de Jaraguá/GO celebrou o contrato 325/2017 com a empresa BRASIL CONSTRUTORA E SERVIÇOS LTDA, cujo objeto também era a prestação de serviços de limpeza pública, em auxílio aos serviços já realizados pela prefeitura. Discorreu que ZILOXXXXXXXXXXXXXIRA teriam praticado condutas ilícitas para possibilitar que o contrato 325/2017 fosse aditivado e os pagamentos fossem realizados em desacordo com a lei, a fim de beneficiar a empresa contratada (BRXXXXXXXTORA). No que concerne ao paciente, o Ministério Público relatou que BXXXXXXXxxNÇA VIEIRA, suposto integrante do núcleo operacional da organização criminosa, na condição de advogado, valendo-se de seus conhecimentos jurídicos, exercia a função de assessor jurídico no Poder Executivo de Jaraguá/GO e, nessa condição, teria atuado diretamente na formalização dos atos administrativos, no direcionamento das licitações e na execução (parcial) dos serviços que deveriam ser executados pelas empresas contratadas, além de ter coordenado o pagamento de notas fiscais falsas e de ter recebido e repassado dinheiro em espécie desviado aos integrantes do núcleo de agentes públicos. A fim de evidenciar a suposta participação de BRENXXXXXXXRA no estratagema espúrio, o Ministério Público narrou que nos autos físicos do procedimento administrativo 294/2017, que resultou na confecção do contrato emergencial 12/20173, havia uma anotação proibindo que esse procedimento fosse retirado do Controle Interno ou fotocopiado sem autorização de BRxXXX VIEIRA e do corréu EUCLIXXXXXXXRA NETO. Conforme relatado na denúncia, nos primeiros meses do mandato de ZILOMAR ANXXXXXEIRA, a participação de BXXXXXXXXRA na gestão do referido prefeito ocorreu de forma velada e informal, mas, posteriormente, referido réu (BRENO) passou a prestar serviços de assessoria jurídica por meio de seu escritório MENDONÇA E RABXXXXXXXXXS, que foi registrado apenas 14 dias antes da formalização do contrato 009/2017 – um dos contratos celebrados pelo supracitado escritório. O Ministério Público relatou também que, após o ano de 2018, o serviço de assessoria jurídica prestado por BREXXXXXXXXXRA ficou restrito ao Fundo Municipal de Saúde (FMS), contudo era costumeira a participação do referido acusado nas sessões da Comissão Permanente de Licitação (CPL), como também em orientações jurídicas em processos licitatórios e elaboração de pareceres não restritos ao aludido fundo. Mencionou que BREXXXXXXXXIRA, em tese, era o principal intermediador entre o núcleo de agentes públicos e os corréus WEDXXXXXXXXIO MASCARENHA, supostos integrantes do núcleo operacional. A esse respeito, afirmou que BRENO MXXXXXA chegou a enviar mensagens para WEDXXXXXLIVEIRA para comunicar algumas intercorrências ocorridas durante a sessão do pregão presencial 6/2019, que resultou na contratação da empresa WFC – GOIÁS SERVIÇOS E PXXXXXXEIRELI, da qual KÉXXXXXXXTO FERREIRA é sócia e WEDEXXXXXXEIRA procurador. Explanou que, por ocasião das referidas mensagens, BRXXXXNÇA VIEIRA teria falado com WEDERXXXXXXXIRA sobre uma divergência no endereço da sede da supracitada empresa (WFC), ensejo em que o último (WEDER) teria enviado documentos e uma foto da fachada do suposto imóvel da empresa para sanar a referida divergência. Aduziu que, posteriormente, os documentos e as fotos enviadas por WEDXXXXXXXXXEIRA teriam sido juntados ao respectivo processo administrativo do pregão presencial 6/2019 por BRENO MENXXXXXXXXXXEIRA, que também teria confeccionado uma “ata de julgamento após diligências”, que seria ideologicamente falsa e foi assinada pelos membros da comissão de licitação, os quais teriam atestado que compareceram in loco à sede da WFC – GOIÁS para confirmar a existência da empresa, o que, entretanto, não teria ocorrido na prática. Acrescentou que, à época dos fatos, o endereço da WFC – GOIÁS era o mesmo no qual estava instalada uma outra pessoa jurídica também ligada a WXXXXXXXXA, a saber, a COOPERATIVA DXXXXXXXXXXS DE PASSAGEIROS DO ESTADO DE GOIÁS – UNITRANS. Complementou que WEDEXXXXXXXXXDE OLIVEIRA, em tese, chegou a determinar que BRXXXXXXXXXNÇA VIEIRA suspendesse e remarcasse uma sessão de pregão presencial em Jaraguá/GO pelo fato de WEDER não ter conseguido comparecer por ter sido avisado em cima da hora. Além disso, mencionou que BREXXXXXXXXEIRA teria praticado o crime de lavagem de capitais por supostamente ter utilizado a conta de sua esposa XXXXXXXXX RABELO VIEIRA para receber o depósito de um cheque (número 902555), no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), que seria proveniente dos desvios de verbas públicas ocorridos no curso do contrato emergencial 12/2017 (referente à contratação da empresa DPA EMPRXXXXXÕES LTDA). Pois bem. Com base nesses fatos, depreendo que os elementos informativos e probatórios coletados no PIC 2017.0041.4547 permitiam o oferecimento e posterior recebimento da denúncia ofertada nos autos 5621610-36 em relação ao paciente BREXXXXXXXXXVIEIRA, especialmente considerando os indícios de que o referido acusado supostamente integrava o núcleo operacional da organização criminosa denunciada no referido feito e que, nessa condição, teria auxiliado na perpetração das fraudes ocorridas no procedimento de contratação emergencial 12/2017 e na execução do contrato 325/2017, no município de Jaraguá/GO. Demais disso, convém ressaltar que, após o acesso ao celular do corréu WEDXXXXXXXEIRA (com autorização judicial), os Promotores de Justiça do GAECO/GO afirmaram que teriam verificado que a suposta atividade criminosa de BRENO XXXXXXXXXIRA não se esgotou com os fatos a ele imputados na ação penal 5621610-36 – resultante da Operação Limpeza Geral (1ª fase) – já que teriam descoberto a suposta atuação do referido réu em novas fraudes licitatórias e em novos desvios de recursos públicos, mediante o recebimento de vantagens indevidas, o que ensejou o oferecimento de uma outra denúncia em desfavor do paciente nos autos 5768338-464. Assim, realizada essa digressão sobre os fatos, observo que não procede a alegação dos impetrantes de que a competência para o processo e julgamento dos crimes imputados na ação penal 5621610-36 seria da Justiça Federal, pelo fato de o Ministério Público ter afirmado na denúncia que a suposta organização criminosa estava envolvida em fraudes a procedimentos licitatórios relacionados ao “combate do mosquito aedes aegypti” e à “aquisição de máscaras e aventais para enfrentamento da Covid-19”, que teriam verbas de origem federal. Isso porque, embora o Ministério Público realmente tenha afirmado que o grupo criminoso denunciado nos autos 5621610-36 teria atuado em licitações vinculadas a serviços de mobilização ao combate ao mosquito aedes aegypti e ao combate da Covid-19, a denúncia ofertada no referido feito NÃO MENCIONOU NEM UMA ÚNICA LICITAÇÃO com essa finalidade – enfrentamento ao aedes aegypti e ao coronavírus – que tenha sido fraudada pelo grupo criminoso. A assertiva feita pelo Ministério Público foi essa aqui: Com objetivo de obter vantagens, sobretudo de ordem pecuniária oriunda de desvios de verbas pública e de pagamentos de vantagens pecuniárias indevidas, inúmeras infrações penais foram perpetradas pela organização criminosa, notadamente fraudes em licitações, peculato-desvio, corrupção passiva, falsificação de documentos e uso de documentos contrafeitos, supressão e destruição de documentos públicos, bem assim lavagem de bens, direitos e capitais, não apenas envolvendo a contratação de serviços públicos de limpeza urbana inicialmente investigados, mas também outros serviços e aquisição remunerada de bens, com os mais variados objetos, como: locação de estruturas temporárias para eventos; consultoria para elaboração de projetos para obtenção de recursos federais; serviços de mão de obra (pedreiro, pintor, eletricista, serralheiro etc.); locação de veículos; serviços de mobilização ao combate do mosquito aedes aegypti; serviços gráficos; aquisição de máscaras e aventais para enfrentamento da COVID-19, entre outros. Ainda, desvios de verbas públicas empregados em convênios celebrados pelo município de Jaraguá. Nessa quadra, esclareço que na ação penal 5621610-36 o Ministério Público imputou aos réus TÃO SOMENTE o crime de organização criminosa e outros delitos praticados no âmbito da contratação emergencial 12/2017 e da execução do contrato 325/2017 (proveniente do Pregão Presencial 031/2017), os quais tinham por objeto a prestação de serviços de limpeza pública e os recursos para o custeio desses serviços provinham exclusivamente do tesouro municipal (fonte 100). Confira: [...] Desse modo, ao contrário do que sustentaram os impetrantes, vejo que não resultou minimamente demonstrado o interesse da União na apuração dos crimes denunciados na ação penal 5621610-36, sobretudo porque NÃO HÁ nem um único indicativo de utilização de recursos federais nos referidos certames, nos quais – conforme exposto na tabela acima – foram empregadas verbas advindas exclusivamente dos cofres do Município de Jaraguá/GO. Além disso, verifico que os impetrantes alegaram a existência de conexão entre os fatos denunciados na ação penal 5621610-36 e na ação penal 5768338-46 (2ª fase da Operação Limpeza Geral), referentes ao Pregão Presencial 08/2020 de Leopoldo de Bulhões/GO, porque no referido feito este Juízo declinou da competência em relação a um único delito, isto é, ao crime de frustração do caráter competitivo de licitação relacionado ao referido pregão. Sobre tal questão, informo que na denúncia dos autos 5768338-46 o Ministério Público narrou que descobriu a existência de uma OUTRA organização criminosa (diversa daquela denunciada nos autos 5621610-36 ), supostamente chefiada por WEDEXXXXXXA e com atuação em diversos municípios goianos, com know-how para fraudar o caráter competitivo de licitações e contratos administrativos, bem como falsificar documentos, corromper agentes públicos e “lavar” os recursos provenientes dos crimes praticados. O paciente BXXXXXXXXxA também foi denunciado na citada ação penal (5768338-46), por supostamente integrar o núcleo dos agentes públicos, formado por funcionários públicos5 vinculados a vários municípios, que, utilizando-se de seus cargos, teriam agido em fraudes licitatórias e na execução de contratos simulados. Na denúncia dos autos 5768338-46 foram atribuídas aos réus as fraudes e/ou desvios de recursos públicos relacionados especificamente aos seguintes procedimentos: Dispensa de licitação 5426/2021 de Iporá/GO; Dispensa de licitação 484/2019 do Município de Leopoldo de Bulhões/GO; Pregão Eletrônico 002/2019 de Anápolis/GO; Convites 12/2021 e 19/2021 de Campo Limpo de Goiás/GO; Pregões Presenciais 36/2021 e 069/2022 de Crixás/GO; Pregão Presencial 40/2021 de Rubiataba/GO; Convite 01/2018 e Pregão Presencial 08/2020 de Leopoldo de Bulhões/GO ; Convite 01/2021, Pregões Presenciais 015/2021 e 018/2021 de Araguapaz/GO; Pregões Presenciais 011/2021, 06/2021 e 04/2022 de Pirenópolis/GO; e Pregões Presenciais 09/2021, 50/2022 e 096/2022 de Uruaçu/GO. Com relação ao Pregão Presencial 08/2020 de Leopoldo de Bulhões/GO6, o Ministério Público afirmou que, APÓS o oferecimento de denúncia nos autos 5768338-46, surgiram indícios de possíveis desvios de verbas federais vinculadas exclusivamente ao referido pregão, razão pela qual este Juízo declinou da competência para a Justiça Federal APENAS quanto ao crime de frustração do caráter competitivo de licitação alusivo ao supracitado procedimento (fato 13 da denúncia oferecida nos autos 5768338-46). Aliás, ao declinar da competência para a Justiça Federal (APENAS quanto ao Pregão Presencial 08/2020 de Leopoldo de Bulhões/GO ), ressaltei que, por ocasião do recebimento da denúncia ofertada nos autos 5768338-46 (no dia 18/01/2023), este Juízo não tinha conhecimento da documentação relacionada ao referido procedimento licitatório – que somente foi encaminhada pelo Município de Leopoldo de Bulhões/GO ao Ministério Público no dia 22/12/2022, ou seja, quando a denúncia dos autos 5768338-46 já tinha sido oferecida (foi oferecida no dia 17/12/2022). Ressaltei, ainda, que não havia nenhuma demonstração de interesse da União na apuração das demais fraudes denunciadas na ação penal 5768338-46, sobretudo diante da ausência de indícios de utilização de recursos federais nos outros certames licitatórios objeto de denúncia, nos quais foram empregadas verbas advindas exclusivamente dos cofres públicos municipais e estaduais. No ensejo, salientei que o fato de a organização criminosa denunciada nos autos 5768338-46 supostamente ter fraudado o Pregão Presencial 08/2020 de Leopoldo de Bulhões/GO em detrimento da União não era motivo para atrair a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de TODAS as infrações penais delineadas ao longo da peça acusatória ofertada nos aludidos autos (5768338-46). Tal assertiva foi realizada porque, com exceção dos fatos relacionados ao Pregão Presencial 08/2020 de Leopoldo de Bulhões/GO, não há nenhuma outra infração penal que tenha sido perpetrada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas no referido feito, de modo que não há razão para o deslocamento da competência para a Justiça Federal quanto aos demais crimes diversos da fraude mencionada no referido pregão. Aliás, pontuei que, SOMENTE NA DENÚNCIA DOS AUTOS 5768338- 46, foram denunciadas fraudes supostamente perpetradas em 19 (dezenove) procedimentos licitatórios/contratos administrativos – isso sem contar outras fraudes que ainda não foram objeto de denúncia8. Sendo assim, destaquei que foge aos critérios da razoabilidade e proporcionalidade estabelecer a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento de todos os crimes denunciados nos autos 5768338-46 pelo simples fato de uma ÚNICA imputação isolada, em um contexto muito mais amplo, possivelmente ter causado prejuízo à União. Destaquei, igualmente, que conclusão em sentido contrário seria contraproducente e causaria prejuízo para a celeridade da prestação jurisdicional, de maneira que não vislumbrei – e ainda não vislumbro – razões para a aplicação da súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça – que determina o julgamento unificado dos crimes conexos de competência da Justiça Federal e Estadual perante o Juízo Federal. Nesse sentido, citei alguns precedentes do próprio Superior Tribunal de Justiça que, em casos semelhantes, afastou a incidência da súmula 122 para o fim de determinar a cisão processual entre os crimes de competência da Justiça Estadual e Federal, em prestígio à celeridade processual. Note: [...] No mais, ressaltei que o crime relacionado ao Pregão Presencial 08/2020 de Leopoldo de Bulhões/GO trata-se de delito autônomo que pode muito bem ser apurado na Justiça Federal independentemente do processo e julgamento das demais infrações penais que ficaram sob a competência da Justiça Estadual, de maneira que a cisão dos autos – conforme possibilita o art. 80 do Código de Processo Penal – a meu ver, não trará nenhum prejuízo para a instrução probatória dos autos 5768338-46 (tampouco dos autos 5621610-36 – que é objeto da presente impetração). Por oportuno, informo que a supracitada decisão (datada de 02/05/2023) que declinou da competência para a Justiça Federal quanto ao fato 13 da denúncia oferecida nos autos 5768338-46 foi prolatada na exceção de incompetência 5070029-05.2023.8.09.0051, oposta pelo corréu WXXXXXXIVEIRA em relação aos fatos apurados na ação penal 5768338-46. Informo, ainda, que WEXXXXXx OLIVEIRA opôs outras duas exceções de incompetência (desta vez nos autos 5175871-71 e 5442121-689) em relação aos fatos denunciados na ação penal 5621610-36 (que é objeto da presente impetração), no entanto, referidos incidentes foram julgados improcedentes por esta Magistrada nas datas de 31/07/2023 e 23/10/2024. Para facilitar a compreensão, confira a tabela abaixo: [...] Informo que outras exceções de incompetência foram opostas pelos réus quanto às demais denúncias relacionadas à Operação Limpeza Geral, porém só mencionei as constantes da tabela acima porque o presente writ visa questionar a competência da Justiça Estadual apenas nas ações penais acima reportadas. Informo ainda que os argumentos apresentados pela defesa de WEDER ALVES DE OLIVEIRA nas exceções de incompetência acima mencionadas (5175871-71, 5442121-68 e 5070029-05) foram praticamente os mesmos do presente writ em que figura como paciente BRENO MENDONÇA VIEIRA. Nessa mesma linha, esclareço que os impetrantes alegaram que o Ministério Público acostou aos autos do PIC 2017.0041.4547 documentos relacionados à contratação das empresas WFC – GOIÁS (Pregão Presencial 06/2019 de Jaraguá/GO) e LIFE MIX (Pregão Presencial 05/2019 de Jaraguá/GO) por meio de recursos que – segundo sustentado – teriam sido repassados pelo Governo Federal, porém os supracitados contratos NÃO FORAM OBJETO de denúncia nos autos 5621610-36 e em nenhuma outra ação penal decorrente da Operação Limpeza Geral. Na verdade, os aludidos contratos foram acostados ao PIC 2017.0041.4547 porque o Município de Jaraguá/GO encaminhou para o GAECO cópia de TODOS os procedimentos licitatórios em que as empresas investigadas participaram, por isso há cópia dos referidos contratos nos autos. Ademais, observo que o Ministério Público na denúncia dos autos 5621610- 36, de forma a contextualizar os fatos, apenas mencionou que BRENO XXXÇA VIEIRA teria conversado com WEDXXXXXXXOLIVEIRA sobre algumas intercorrências ocorridas durante a sessão do Pregão Presencial 06/2019 de Jaraguá/GO, relacionadas ao endereço da empresa WFC – GOIÁS, e afirmou que o paciente teria confeccionado uma “ata de julgamento após diligências”, que seria ideologicamente falsa e foi assinada pelos membros da comissão de licitação. NO ENTANTO, referidos fatos – relacionados ao Pregão Presencial 06/2019 de Jaraguá/GO – NÃO FORAM imputados nas denúncias oferecidas pelo Ministério Público. Tais fatos apenas foram mencionados pelo órgão Ministerial para exemplificar que o paciente BRENO XXXXXXXXXRA seria o principal intermediador entre os integrantes do núcleo de agentes públicos e os corréus XXXXXXXXXXA, que eram os supostos integrantes do núcleo operacional. NESSE PONTO, reafirmo que, nos autos 5621610-36, o Ministério Público imputou aos réus tão somente a suposta prática do crime de organização criminosa e dos delitos relacionados às fraudes supostamente executadas no decorrer da contratação emergencial 12/2017 e da execução do contrato 325/2017, que tinham por objeto a prestação de serviços de limpeza urbana e cujas fontes de custeio provinham exclusivamente do tesouro do Município de Jaraguá/GO. Dessa forma, noto que não há nenhum elemento concreto que apoie o pleito dos impetrantes com vistas à nulidade do feito e à declinação da competência para a Justiça Federal. Informo também que BRENO MENDONÇA VIEIRA não ajuizou nenhuma exceção de incompetência perante este Juízo. POR FIM, quanto à alegação dos impetrantes de que Vossa Excelência asseverou no julgamento do Agravo Regimental no Habeas Corpus 791.139/GO que existe “dúvida razoável acerca da competência do Juízo”, obtempero que Vossa Excelência prolatou referida decisão antes do recebimento da denúncia ofertada nos autos 5621610-36, porém, conforme informado acima, nenhuma licitação custeada com verbas federais foi objeto da referida ação penal. Obtempero igualmente que referida decisão foi prolatada antes das decisões nas exceções de incompetência 5175871-71, 5442121-68 e 5070029-05, em que esta Magistrada analisou a competência deste Juízo, conforme esclarecido acima. Quanto ao atual estágio da ação penal 5621610-36.2022.8.09.0051, informo que a instrução processual deste feito teve início no dia 06/02/2025, oportunidade em que foram inquiridas algumas testemunhas do rol da denúncia. Na referida oportunidade, foi designado o dia 03 de abril de 2025 para continuidade do ato instrutório (segue cópia do termo de audiência). Mas Vossa Excelência, em sede de liminar, neste habeas corpus, determinou a suspensão da ação penal e da referida audiência. - negritei.

Como se vê, a defesa do paciente alegou, em primeiro grau de jurisdição, a existência de conexão entre os fatos denunciados na ação penal n. 5621610-36 e na ação penal n. 5768338-46 (igualmente derivada da Operação Limpeza Geral, na qual o paciente também figura como réu), referentes ao Pregão Presencial 08/2020 de Leopoldo de Bulhões/GO, porque o Juízo singular, ao examinar a exceção de incompetência n. 5070029-05.2023.8.09.0051, oposta pelo corréu WEDERXXXXXXXA, declinou da competência para o Juízo Federal da Subseção Judiciária de Goiânia, em relação a um único delito, qual seja, o crime de frustração do caráter competitivo de licitação relacionado ao referido pregão, em razão de indícios de possível desvio de verbas públicas federais.

Com efeito, ao declinar da competência para a Justiça Federal apenas quanto ao Pregão Presencial 08/2020 de Leopoldo de Bulhões/GO (ação penal n. 5768338-46), o Juízo singular entendeu que não havia nenhuma demonstração de interesse da União na apuração das demais fraudes denunciadas na ação penal 5768338-46, sobretudo diante da ausência de indícios de utilização de recursos federais nos outros certames licitatórios objeto de denúncia, nos quais foram empregadas verbas advindas exclusivamente dos cofres públicos municipais e estaduais.

Ainda, destacou que o fato de a organização criminosa denunciada nos autos 5768338-46 supostamente ter fraudado o Pregão Presencial 08/2020 de Leopoldo de Bulhões/GO em detrimento da União não era motivo para atrair a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento de TODAS as infrações penais delineadas ao longo da peça acusatória ofertada nos aludidos autos (5768338-46).

Assim, concluiu que, com exceção dos fatos relacionados ao Pregão Presencial 08/2020 de Leopoldo de Bulhões/GO, não há nenhuma outra infração penal que tenha sido perpetrada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas no referido feito, de modo que não há razão para o deslocamento da competência para a Justiça Federal quanto aos demais crimes diversos da fraude mencionada no referido pregão.

Nesse cenário, o Juízo Estadual afastou a incidência da Súmula 122/STJ, a fim de determinar a cisão processual entre os crimes de competência da Justiça Estadual e Federal, em prestígio à celeridade processual, destacando que conclusão em sentido contrário seria contraproducente e causaria prejuízo para a celeridade da prestação jurisdicional, de maneira que não vislumbrei – e ainda não vislumbro – razões para a aplicação da súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça – que determina o julgamento unificado dos crimes conexos de competência da Justiça Federal e Estadual perante o Juízo Federal.

Ocorre que, ao contrário da conduta realizada pela magistrada de primeiro grau, compete à Justiça Federal avaliar sua própria competência para processar e julgar as condutas conexas, que não pode ser subtraída pela Justiça Estadual, como aponta a Súmula 150/STJ:

"Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas".

Nesse sentido:

Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. COMPETÊNCIA. CONEXÃO. PRESENÇA DE VERBA FEDERAL EM ALGUNS DOS CONTRATOS. POSSÍVEL CONEXÃO SUBJETIVA E OBJETIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA AVALIAÇÃO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 122 E 150 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que conheceu de agravo em recurso especial para dar provimento ao recurso e determinar o envio dos autos à Justiça Federal, a fim de que esta avaliasse sua competência para o julgamento de ação penal que envolvia pontos em comum com outros processos já declinados àquele juízo, incluindo conexão de pessoas (núcleo político) e modus operandi semelhante. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão:(i) determinar se há conexão probatória ou teleológica suficiente para atrair a competência da Justiça Federal nos termos das Súmulas 122 e 150 do STJ;(ii) verificar se a ausência de verba federal no custeio das contratações impede a aplicação da regra de conexão que estabelece a competência unificada da Justiça Federal. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A competência criminal da Justiça Federal, prevista no art. 109, IV, da Constituição Federal, é de natureza absoluta e abrange os crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, suas autarquias ou empresas públicas. 4. A Súmula 122 do STJ estabelece que compete à Justiça Federal o julgamento unificado de crimes conexos de competência federal e estadual, salvo exceções previstas em lei. 5. A análise da conexão probatória entre ações penais deve considerar se a prova de uma infração influi na de outra ou se há interligação entre os fatos, como pode ocorrer no caso em tela, no qual há pontos em comum e modus operandi semelhante entre as ações penais. 6. Embora a ação penal em questão não envolva diretamente verba federal, a jurisprudência consolidada admite que a competência da Justiça Federal para crimes conexos deve ser analisada em cada caso concreto, sobretudo quando há indicativos de identidade parcial de partes (núcleo político) e de outros elementos de interconexão entre os fatos. 7. A decisão agravada está de acordo com as Súmulas 122 e 150 do STJ, que reconhecem a competência da Justiça Federal para avaliar, inclusive, a definição da própria competência nos casos de conexão. IV. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no AREsp n. 2.763.668/RS, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 26/2/2025, DJEN de 5/3/2025.) PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DELITOS DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL CONEXOS COM CRIMES FEDERAIS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. SÚMULAS 122150 E 208/STJ. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO JUÍZO APARENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Consoante as Súmulas 122150 e 208/STJ, compete à Justiça Federal o julgamento dos crimes envolvendo o desvio de verbas federais e dos delitos a eles conexos, cabendo à própria Justiça Federal avaliar, também, sua competência. 2. Havendo desde o princípio das investigações indícios da prática de crimes federais conexos, não pode o órgão acusador ignorá-los e prosseguir na apuração dos delitos de competência da Justiça Estadual. Violação do art. 76, I e III, do CPP, com a interpretação dada pela 122/STJ. 3. [...]. (AgRg no HC n. 891.537/CE, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 27/5/2024, DJe de 3/6/2024.) [...]. 3. Firma-se a competência da Justiça Federal na apuração do ilícito penal praticado em detrimento de verbas federais, para assegurar a sua adequada e lícita destinação. E a apuração dos atos de improbidade administrativa só se submete à Justiça Estadual para reaver as verbas destinadas ao Município e no caso de a União não ter interesse para processar e julgar os agentes públicos envolvidos. Precedentes do STF (CC n. 125.211/CE, Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora Convocada do TJ/PE), Terceira Seção, DJe 20/3/2013). 4. Não é possível considerar que o procedimento licitatório foi em parte escorreito, no que concerne à verba federal utilizada, e em parte fraudulento, no que se refere à verba municipal, considerando-se que o valor do superfaturamento é proveniente exclusivamente do Município. Essa cisão não é viável no mundo fático muito menos no mundo jurídico, razão pela qual, havendo parcela de verba federal proveniente de convênio submetido a controle de órgão federal, todo o procedimento licitatório fraudulento passa a ser de interesse da Justiça Federal, conforme dispõe o verbete n. 208 da Súmula desta Corte. Incidência também da Súmula 122/STJ. Precedentes. (HC n. 364.334/SC, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 4/10/2016). [...]. (REsp n. 1.597.460/PE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 21/8/2018, DJe de 3/9/2018.) CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CONFIGURAÇÃO, OU NÃO, DE CRIME QUE LESIONE BENS, SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO OU DE SUAS ENTIDADES AUTÁRQUICAS OU EMPRESAS PÚBLICAS. DELIBERAÇÃO QUE COMPETE À JUSTIÇA COMUM FEDERAL. JUÍZO FEDERAL QUE CONCLUIU NÃO SE TRATAR A CONDUTA DO DELITO DE DESCAMINHO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO, PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. 1. Cabe somente à Justiça Comum Federal deliberar sobre a configuração, ou não, de crime que atraia sua competência, por lesionar bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. 2. Incidência, mutatis mutandis, do entendimento sedimentado na Súmula n.º 150 desta Corte, segundo a qual "[c]ompete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas". 3. Conflito de competência conhecido, para declarar como competente o Órgão Jurisdicional Suscitado. (CC n. 129.055/MT, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 12/2/2014, DJe de 25/2/2014.) - negritei.

Portanto, constata-se a necessidade de apreciação pela Justiça Federal da suposta conexão entre os crimes envolvendo o desvio de verbas federais e os demais delitos narrados pelo órgão ministerial, com vista a deliberar sobre a existência de interesse da União que atraia a sua competência por conexão e/ou a necessidade de reunião ou cisão dos inquéritos e ações penais decorrentes da chamada "Operação Limpeza Geral".

Registre-se, por oportuno, que a incompetência absoluta não depende de exceção, mas pode ser decretada até mesmo de oficio (HC n. 222.712/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 7/3/2013, DJe de 18/3/2013; EREsp n. 1.265.625/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, julgado em 30/3/2022, DJe de 1/8/2022 e HC n. 934.960/GO, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 26/11/2024, DJEN de 2/12/2022).

Por fim, não há falar, de plano, em nulidade dos atos processuais praticados pelo Juízo Estadual, porquanto, no caso dos autos, a existência de indícios de possíveis desvios de verbas federais vinculadas exclusivamente ao Pregão Presencial 08/2020 de Leopoldo de Bulhões/GO somente foi apontada a posteriori, conforme anotado nas informações prestadas pelo Juízo de primeiro grau (e-STJ fls. 1.999/2.000): Aliás, ao declinar da competência para a Justiça Federal (APENAS quanto ao Pregão Presencial 08/2020 de Leopoldo de Bulhões/GO), ressaltei que, por ocasião do recebimento da denúncia ofertada nos autos 5768338-46 (no dia 18/01/2023), este Juízo não tinha conhecimento da documentação relacionada ao referido procedimento licitatório – que somente foi encaminhada pelo Município de Leopoldo de Bulhões/GO ao Ministério Público no dia 22/12/2022, ou seja, quando a denúncia dos autos 5768338-46 já tinha sido oferecida (foi oferecida no dia 17/12/2022). Incide, portanto, em princípio, a teoria do juízo aparente para facultar à Justiça Federal, caso se declare competente, a ratificação das decisões proferidas na Justiça Estadual. Ao ensejo, os atos praticados não são, de plano, declarados nulos.

Antes, permanecem hígidos até que a autoridade reconhecida como competente decida sobre a sua convalidação ou revogação, sendo o caso de invocar-se a assim chamada teoria do juízo aparente, para refutar a alegação de nulidade de provas determinadas por juízo que, à época, aparentava ser competente para exercer jurisdição no feito (RHC n. 142.308/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/4/2021, DJe de 15/4/2021). Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus.

Contudo, concedo a ordem, de ofício, para determinar a imediata remessa dos autos (ação penal n. 5621610-36.2022.8.09.0051) à Justiça Federal da Seção Judiciária de Goiás para que decida sobre a existência de interesse dos entes indicados no art. 109 da CF/88, capaz de atrair, inclusive, sua competência por conexão ( Súmulas 122 e 150 do Superior Tribunal de Justiça). De outro lado, julgo prejudicado o agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado de Goiás contra a decisão que deferiu a medida liminar, mesmo porque incabível. Intimem-se.

Relator

REYNALDO SOARES DA FONSECA

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 987688 - GO (2025/0081479-0) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA, Publicação no DJEN/CNJ de 10/09/2025)

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