STJ Set25 - Dosimetria Irregular - Crime de Inserção de dados falso - (i) consequência do crime: prejuízo é inerente ao tipo ; (ii) culpabilidade: exasperar pelo exacerbado dolo insistente é ilegal [dolo intenso é abstrato]
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em AXXXXXXXXXXXXA JANEIRO, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Colhe-se dos autos que o paciente foi condenado à pena de 4 anos e 2 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 20 dias-multa, no valor mínimo unitário, como incurso no artigo 313-A do Código Penal, por 206 vezes, em continuidade delitiva.
A Tribunal a quo negou provimento à apelação, nos termos da seguinte ementa:
“APELAÇÃO CRIMINAL Inserção de dados falsos em sistema de informações (artigo 313-A do Código Penal). Sentença Condenatória. Materialidade e autorias delitivas sobejamente comprovadas.Dolo demonstrado. Condenação mantida. Dosimetria. Particularidades do caso que impõem a exasperação da pena-base. Continuidade delitiva devidamente reconhecida. Regime aberto fixado para o réu Roberto e semiaberto para o réu Antônio José mantidos. Recursos não providos.” (e-STJ, fls. 12).
Neste writ, o impetrante sustenta, em síntese, que “a r. decisão manteve a majoração da pena-base, apoiando-se em fundamentos genéricos, notadamente na alegação de “culpabilidade exasperada” e em suposto “prejuízo ao erário”, sem, contudo, apontar elementos concretos extraídos dos autos que justificassem tal exasperação” (e-STJ, fl. 3).
Aduz que “o Tribunal local impôs o regime semiaberto sem indicar fundamentação concreta, valendo-se apenas de menções vagas à gravidade do delito em abstrato” (e-STJ, fl. 6).
Requer a concessão da ordem para que a pena base do paciente seja fixada no mínimo legal e fixado regime aberto.
É o relatório. Decido.
Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício.
Assim decidiu o Tribunal a quo quanto aos capítulos da dosimetria impugnados:
“Na primeira fase, o MM. Juiz “a quo”, atento à culpabilidade exasperada, pelo exacerbado dolo insistente na execução do crime -, com intensa consciência da ilicitude, às consequências do crime que resultaram em prejuízo ao erário e aos demais elementos norteadores do art. 59, “caput”, do Código Penal, fixou a pena-base em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 12 (doze) dias- multa, em seu valor mínimo unitário, para cada um dos réus. O crime de que se cuida tem suas particularidades, porquanto os réus agiram com forte consciência da ilicitude, de maneira aberta, sem timidez ou pejo, com prejuízo ao erário conforme constatado no processo SAA 67.167/2011 e confirmado na ação civil pública n° 1500025-19.2017.8.26.0300. [...] Desse modo, por não se entender desarrazoado o aumento aplicado à basilar, ante as justificativas expostas na r. sentença, fica mantida a pena-base como lançada. Na segunda fase, para ambos os apelantes, a reprimenda restou inalterada, ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes. Na terceira fase, para o réu Antônio José, ausentes causas de diminuição de pena, a reprimenda foi acrescida de 2/3, nos termos do artigo 71 do Código Penal, obtendo-se em definitivo 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, em seu valor mínimo unitário. Para o réu Roberto, as penas foram majoradas em 2/3 pela continuidade e, após, reduzidas em 1/6, reconhecida a participação de menor importância, totalizando, 03 (três) anos, 05 (cinco) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa, em seu valor mínimo unitário. [...] Os regimes aberto e semiaberto impostos, respectivamente, aos réus Roberto e Antônio José está em consonância com o disposto no artigo 33, § 2º, “b”, e 3º, c. c. art. 59, III, ambos do Código Penal, destacando-se as circunstâncias negativas dos crimes.” (e-STJ, fls. 44-45)
Sobre o cálculo da pena-base em si, diante do silêncio do legislador, a jurisprudência e a doutrina passaram a reconhecer como critério ideal para individualização da reprimenda-base o aumento na fração de 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada, a incidir sobre o intervalo de pena abstratamente estabelecido no preceito secundário do tipo penal incriminador.
Deveras, tratando-se de patamar meramente norteador, que busca apenas garantir a segurança jurídica e a proporcionalidade do aumento da pena, é facultado ao juiz, no exercício de sua discricionariedade motivada, adotar quantum de incremento diverso diante das peculiaridades do caso concreto e do maior desvalor do agir do réu.
Com efeito, "a análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. " (AgRg no REsp 143071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015).
Isso significa que não há direito do subjetivo do réu à adoção de alguma fração específica para cada circunstância judicial, seja ela de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo supracitado ou mesmo outro valor.
Tais frações são parâmetros aceitos pela jurisprudência do STJ, mas não se revestem de caráter obrigatório, exigindo-se apenas que seja proporcional o critério utilizado pelas instâncias ordinárias.
Nesse sentido: "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. USO DE ALGEMAS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. DOSIMETRIA. PROPORCIONALIDADE DA PENA-BASE. AUSÊNCIA DE CRITÉRIO DE AUMENTO IMPOSI TIVO ESTABELECIDO PE LA JURISPRUDÊNCIA. RECONHECIMENTO DO REDUTOR DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 3. No que tange à dosimetria, 'A legislação penal não estabeleceu nenhum critério matemático (fração) para a fixação da pena na primeira fase da dosimetria. Nessa linha, a jurisprudência desta Corte tem admitido desde a aplicação de frações de aumento para cada vetorial negativa: 1/8, a incidir sobre o intervalo de apenamento previsto no preceito secundário do tipo penal incriminador (HC n. 463.936/SP, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 14/9/2018); ou 1/6 (HC n. 475.360/SP, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 3/12/2018); como também a fixação da pena-base sem a adoção de nenhum critério matemático. [...] Não há falar em um critério matemático impositivo estabelecido pela jurisprudência desta Corte, mas, sim, em um controle de legalidade do critério eleito pela instância ordinária, de modo a averiguar se a pena-base foi estabelecida mediante o uso de fundamentação idônea e concreta (discricionariedade vinculada)' (AgRg no HC n. 603.620/MS, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 9/10/2020). 4. Não há falar em direito subjetivo do acusado em ter 1/6 (um sexto) de aumento da pena mínima para cada circunstância judicial valorada negativamente. No caso dos autos, o aumento da pena-base, referente ao delito de tráfico ilícito de entorpecentes, em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, pela presença de 2 (duas) circunstâncias judiciais desfavoráveis, utilizando-se do critério de 1/8 (um oitavo) da diferença entre a pena máxima e mínima previstas legalmente para o tipo penal, revela-se proporcional e adequado. [...] 6. Agravo regimental desprovido". (AgRg no REsp 1898916/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2021, DJe 27/09/2021; grifei)
A culpabilidade, para fins do art. 59 do CP, deve ser compreendida como juízo de reprovabilidade da conduta, apontando maior ou menor censura do comportamento do réu.
Não se trata de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para que se possa concluir pela prática ou não de delito, mas, sim, do grau de reprovação penal da conduta do agente, mediante demonstração de elementos concretos do delito.
No caso concreto, as instâncias ordinárias apenas descreveram genericamente o terceiro substrato de qualquer crime, o que inidôneo para valorar negativame3nte esta circunstância judicial.
Quanto às consequências do crime, estas consistem no conjunto dos efeitos danosos causados pelo crime. Em concreto, as instâncias ordinárias concluíram que a conduta causou prejuízo ao erário, contudo, tal fato é inerente ao tipo penal, não sendo despiciendo, para exacerbar a referida circunstância, a demonstração de significativo prejuízo.
Neste sentido, confira-se:
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES DO INSS. DOSIMETRIA DA PENA. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ELEVADO PREJUÍZO CAUSADO À VÍTIMA QUE NÃO SE CONFUNDE COM AS ELEMENTARES DO TIPO PENAL. AUMENTO DE 3 MESES PROPORCIONAL E JUSTIFICADO. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto contra decisão que conheceu do agravo para negar provimento ao recurso especial. 2. O recorrente foi condenado pela prática do delito previsto no art. 313-A do CP. A Corte regional reduziu a pena do agravante, mas manteve a valoração negativa das consequências do crime, devido ao prejuízo de R$ 33.416,23 (trinta e três mil, quatrocentos e dezesseis reais e vinte e três centavos) causado ao INSS. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. Consiste em saber se a valoração negativa das consequências do crime, em razão do prejuízo causado ao INSS, é idônea para majorar a pena-base, ou se configura bis in idem, por ser inerente ao tipo penal. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. O significativo valor do prejuízo causado ao erário é fundamento apto a embasar o aumento da pena-base, conforme entendimento do STJ. 5. Correta a valoração negativa da circunstância judicial atinente às consequências do crime, tendo em vista o significativo prejuízo causado aos cofres públicos, fato que extrapola a individualização legislativa e deixa de caracterizar bis in idem. 6. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no AREsp n. 2.463.976/DF, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 19/5/2025.), DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento ao recurso especial, fundamentando-se na impossibilidade de reexame do conjunto fático-probatório, conforme Súmula 7 do STJ, e na adequação da dosimetria da pena, considerando a culpabilidade e as consequências do crime. 2. O agravante foi condenado pelo delito de inserção de dados falsos em sistema de informações, previsto no art. 313-A do Código Penal. A defesa alegou violação aos artigos 156, 381, III, e 386, VII, do Código de Processo Penal, além do art. 59 do Código Penal, e requereu a absolvição pela inexistência de prova do dolo, ou, subsidiariamente, o afastamento da valoração negativa das circunstâncias judiciais por ocorrência de bis in idem. II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se a condenação do agravante por inserção de dados falsos em sistema de informações pode ser mantida diante da alegação de insuficiência de provas e se a dosimetria da pena importou em bis in idem. III. Razões de decidir 4. A decisão agravada aplicou corretamente a Súmula 7 do STJ, ao não admitir a rediscussão de provas, uma vez que a materialidade, autoria e dolo foram comprovados por meio de provas documentais e depoimentos. 5. A exasperação da pena-base, quanto à culpabilidade, não configura bis in idem, pois foi fundamentada na sofisticada premeditação da empreitada delitiva e nas consequências do crime, que extrapolam o mero prejuízo ao erário. 6. A decisão recorrida demonstrou que a fixação da pena foi justa e proporcional, fundamentando o seu aumento em elementos concretos que extrapolam as elementares do tipo penal. IV. Dispositivo e tese 7. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: "1. A Súmula 7 do STJ impede o reexame de provas em recurso especial. 2. A exasperação da pena-base pode ser fundamentada em elementos concretos que extrapolem as elementares do tipo penal, sem configurar bis in idem". Dispositivos relevantes citados: CP, art. 313-A; CPP, arts. 156, 381, III, 386, VII; CP, art. 59. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 7. (AgRg no AREsp n. 2.861.694/SC, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 19/8/2025, DJEN de 27/8/2025.)
Passo à nova dosimetria. Tendo a pena base sido reduzida ao mínimo legal, em 2 anos de reclusão, ausente agravantes e atenuantes, bem como causas de aumento e diminuição, fazendo incidir a continuidade delitiva na fração de 2/3, chega-se à pena definitiva de 3 anos e 4 meses de reclusão. Ausentes circunstâncias judicias desfavoráveis, sendo primário o paciente, deve ser fixado o regime inicial de cumprimento de pena aberto, nos termos do art. 33, § 2º, "c" e § 3º, do Código Penal. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, contudo, concedo a ordem de ofício para readequar a pena do paciente para 3 anos e 4 meses de reclusão em regime inicial aberto. Publique-se. Intime-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
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