STJ Set25 - Dosimetria Irregular - Tortura - Bis In Idem na Condição do Agente Ser Policial : "exasperada na primeira fase, quanto para aplicação da causa de aumento prevista no art. 1º, § 4º, I, da Lei n. 9.455/1997"
DECISÃO
Cuida-se de agravo em recurso especial interposto por XXXXXX SANTOS contra decisão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA, que inadmitiu o recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal.
O agravante foi condenado à pena de 3 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do delito capitulado no art. 1°, I, “a”, c/c o §4°, I, da Lei n. 9.455/1997.
Interposta apelação, o Tribunal de origem deu parcial provimento ao recurso da defesa para afastar a circunstância judicial atinente ao arrependimento após o crime, prevista no art. 69 do Código Penal Militar, e fixou a pena do agravante em 3 anos e 1 mês de reclusão, em regime semiaberto.
No recurso especial, a defesa alega ausência de comprovação da materialidade do delito. Sustenta que há uma incompatibilidade entre o relatório de alta hospitalar e o laudo de corpo de delito, indicando que a suposta vítima estaria em dois lugares ao mesmo tempo, o que seria humanamente impossível.
Aduz que essa incongruência afeta a identificação da materialidade delitiva, tornando o laudo inválido para comprovação da materialidade do delito. Argumenta que o acórdão recorrido incorreu em ilegalidade ao utilizar o mesmo fundamento concreto para exasperar a pena na primeira e terceira fase da sentença, violando o princípio do non bis in idem.
A mesma circunstância de ser agente público foi utilizada para aumentar a pena-base e aplicar a causa de aumento, o que configura dupla penalização. Aponta que o acórdão confirmou a incidência de circunstâncias judiciais negativas que são inerentes ao próprio tipo penal.
Por fim, contesta a fixação do regime inicial semiaberto, argumentando que a condenação está abaixo de 4 anos, o réu é primário, sem antecedentes, e possui predicados pessoais favoráveis. Apresentadas as contrarrazões (fls. 1315/1340), o recurso foi inadmitido por incidência da Súmula n. 7/STJ e pela não comprovação do dissídio jurisprudencial (fls. 1361/1378). No agravo em recurso especial, a defesa impugna os referidos óbices (fls. 1420/1427). O Ministério Público Federal, às fls. 1471/1484, opinou pelo não conhecimento do recurso.
É o relatório. Decido.
Atendidos os pressupostos de admissibilidade do agravo em recurso especial, passo à análise do recurso especial. Sobre o laudo de exame corporal, o TJBA não reconheceu a nulidade nos seguintes termos do voto do relator (grifos nossos):
"Conforme relatado, preliminarmente, a Defesa do Réu Alden Teixeira Santos suscita a nulidade do laudo pericial que constatou lesões na vítima, por entender que há inconsistência entre os horários registrados no respectivo documento e aquele constante no relatório de alta emitido pelo Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus. Isso porque, no registro hospitalar, consta que o paciente deu entrada naquela unidade às 03h42min do dia 22.11.2020, e recebeu alta no mesmo dia, às 13h46min. Por sua vez, o exame pericial indica que a perícia foi realizada às 09h58min, também do dia 22.11.2020. Ocorre que, a suposta contradição restou esclarecida no curso da instrução processual, pois a prova oral demonstra que o ofendido, durante o atendimento médico, deixou o Hospital e se dirigiu ao Departamento de Polícia Técnica para realizar o exame pericial, tendo retornado ao nosocômio logo em seguida, para continuar seu tratamento. Inclusive, estas circunstâncias foram relatadas na exordial acusatória (ID 61586982). Sendo assim, inexiste justificativa para que a Defesa continue sustentando que os horários divergentes entre o relatório médico e o laudo pericial implicam em nulidade, tampouco que o exame pericial foi realizado sem a presença da vítima." (fls. 1170/1171)
Da mesma forma, verifica-se na denúncia: "Ainda na mesma noite, entre as 23 horas e a meia-noite, a vítima foi até a delegacia de polícia local registrar ocorrência sobre os fatos, em seguida foi até o Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus, para tratar das lesões ocasionadas pelas agressões dos policiais denunciados, permanecendo naquele nosocômio durante toda madrugada, tomando soro e medicamentos, pois apresentava muitas dores na região da barriga, da cabeça e do ouvido, conforme Relatório Médico de fl. 07. Na manhã seguinte aos fatos se dirigiu ao Departamento de Polícia Técnica de Santo Antônio de Jesus, onde se submeteu ao exame de lesões corporais, cujo resultado constatou a ocorrência das agressões, como demonstra o Laudo de fls. 05/06, e em seguida retornou ao Hospital Regional de Santo Antônio de Jesus, para seguir com a ingestão de soro e medicamento, recebendo alta às 13h46min do dia 22-11-2020." (fls. 3/4)
O Tribunal de origem afastou a alegada nulidade, entendendo devidamente esclarecida a suposta contradição quanto aos horários em que a vítima esteve no hospital e o momento da realização do exame pericial. Consta dos autos que o ofendido, durante o atendimento médico, ausentou-se temporariamente do hospital para se submeter à perícia, retornando posteriormente para dar continuidade ao tratamento — circunstância expressamente descrita na denúncia. Diante disso, a pretensão recursal encontra óbice na Súmula n. 7 do STJ, por demandar reexame do conjunto fático-probatório.
Nesse sentido, colhe-se o seguinte precedente (grifos nossos):
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LEI N. 8.137/1990. CRIME TRIBUTÁRIO. ABSOLVIÇÃO EM 1º E 2º GRAUS. AUSÊNCIA DE DOLO RECONHECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONDENAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ. 1. "O delito de sonegação fiscal, previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990, exige, para sua configuração que a conduta seja dolosa e consistente na omissão de informação ou prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias. Há uma diferença inquestionável entre aquele que não paga tributo por circunstâncias alheias à sua vontade de pagar (dificuldades financeiras, equívocos no preenchimento de guias etc.) e quem, dolosamente, sonega o tributo, com a utilização de expedientes espúrios e motivado por interesses pessoais" (AgRg no REsp n. 1.874.619/PE, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 24/11/2020, DJe de 2/12/2020, grifei). 2. No caso, ficou consignado nos autos que a prova colhida durante a instrução não indica que os agravados agiram com a intenção de fraudar a ordem tributária. Consta, ainda, que, em nenhum momento, foi indicada sequer uma conduta dolosa por parte dos recorridos. Concluíram, assim, as instâncias antecedentes que a administração empresarial promovida pelos agravados, mostrou-se temerária e desastrosa. 3. A irresignação não provoca nenhum debate sobre interpretação da legislação infraconstitucional, mas sim a necessidade de reexame da persuasão racional dos julgadores sobre o conjunto probatório dos autos. 4. Nesse contexto, o acolhimento da pretensão ministerial demandaria imprescindível reexame dos elementos fático-probatórios constantes dos autos, o que é defeso em recurso especial, em virtude do que preceitua a Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 1.828.490/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 15/12/2023.)
A defesa sustenta a ocorrência de bis in idem, ao argumento de que o mesmo fundamento — a condição de policial militar em serviço — foi utilizado tanto para exasperar a pena na primeira fase da dosimetria quanto para aplicação da causa de aumento prevista no art. 1º, § 4º, I, da Lei n. 9.455/1997.
Com razão, nesse ponto. Embora o Tribunal de origem tenha afastado a alegação de duplicidade, afirmando que a valoração da gravidade do crime e a causa de aumento teriam fundamentos distintos, este Superior Tribunal já consolidou o entendimento de que não é possível utilizar a condição de agente público em ambas as fases da dosimetria, sob pena de violação ao princípio do non bis in idem (REsp 1.762.112/MT, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 1º/10/2019).
Por outro lado, no tocante à extensão do dano, o acórdão recorrido apontou elementos concretos que extrapolam o tipo penal, destacando que a vítima, por medo de retaliações e em razão do trauma sofrido, precisou vender sua motocicleta e buscar nova profissão, o que demonstra sofrimento físico e psicológico intenso — justificando, portanto, a valoração negativa dessa circunstância judicial.
Quanto às circunstâncias do crime, a alegação da defesa de que havia pessoas observando o fato foi devidamente afastada pelo Tribunal a quo, que ressaltou que o crime ocorreu à noite, em localidade afastada, ainda que próxima de residências. Assim, eventual revisão demandaria o reexame do conjunto probatório, o que atrai o óbice da Súmula 7 do STJ.
O TJBA considerou como desfavoráveis apenas as circunstâncias judiciais da gravidade do crime, os motivos, a extensão do dano e as circunstâncias do delito (fl. 1195). Dessa forma, impõe-se o redimensionamento da pena. Afastada a valoração negativa da gravidade do crime, a pena-base deve ser fixada em 2 anos e 6 meses de reclusão.
Na segunda fase, não há agravantes nem atenuantes. Na terceira fase, aplicando-se a causa de aumento do art. 1º, § 4º, I, da Lei n. 9.455/1997, com fração de 1/6, a pena definitiva é fixada em 2 anos e 11 meses de reclusão. Quanto ao regime inicial de cumprimento, embora a pena seja inferior a quatro anos, justifica-se a adoção do regime semiaberto, diante da valoração negativa de outras circunstâncias judiciais, não havendo afronta ao enunciado da Súmula n. 269/STJ. Diante do exposto, com fundamento no Enunciado n. 568 da Súmula do STJ, conheço do agravo e dou parcial provimento ao recurso especial para reduzir a pena do recorrente ao patamar de 2 anos e 11 meses de reclusão. Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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