STJ Set25 - Júri Dosimetria Irregular - Causa de aumento do Crime contra o Cônjuge não debatida em Plenário - ferimento ao art. 492, inciso I, alínea "b", do CPP -
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por J.A. DA S.F., com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (fls. 419-425) que, ao julgar apelação criminal, manteve sua condenação pela prática de homicídio qualificado (feminicídio), bem como a aplicação da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea "e", do Código Penal (crime contra cônjuge), mesmo não tendo sido tal circunstância alegada pela acusação durante os debates em plenário (fls. 419-425).
O recorrente sustenta violação ao artigo 492, inciso I, alínea "b", do Código de Processo Penal, argumentando que o reconhecimento de agravante não debatida perante o Tribunal do Júri ofende os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Alega que a aplicação da referida agravante, sem que tenha sido objeto de discussão em plenário, configura flagrante ilegalidade na dosimetria da pena (fls. 431-441). O recurso foi regularmente admitido pelo Tribunal de origem (fls. 484-485). O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 500-503), sustentando que "a dosimetria da pena deve ser fundamentada e que a agravante não debatida em plenário não pode ser aplicada", citando precedentes desta Corte que vedam a aplicação de agravantes não discutidas durante o julgamento pelo Tribunal do Júri.
É o relatório. DECIDO.
Verifico que o recurso especial preenche os requisitos de admissibilidade. A matéria foi devidamente prequestionada, tendo o Tribunal de origem enfrentado expressamente a questão relativa à aplicação de agravante não debatida em plenário.
A tempestividade e a regularidade formal também se encontram atendidas, conforme certificado nos autos. Quanto ao mérito, assiste razão ao recorrente.
A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que, nos julgamentos pelo Tribunal do Júri, as circunstâncias agravantes e atenuantes somente podem ser consideradas pelo juiz presidente na dosimetria da pena quando efetivamente submetidas ao contraditório durante os debates em plenário.
Tal entendimento decorre da necessidade de observância do devido processo legal e da plenitude de defesa, garantias constitucionais especialmente relevantes no procedimento do júri.
O artigo 492, inciso I, alínea "b", do Código de Processo Penal estabelece que, em seguida aos debates, o juiz presidente proferirá sentença que "no caso de condenação, fixará a pena-base e, se houver, a de multa, observando o disposto nos arts. 59 e 60 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, indicará as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas em lei, e cuja existência reconhecer".
A interpretação sistemática deste dispositivo, em consonância com os princípios constitucionais que regem o Tribunal do Júri, impõe que apenas as agravantes efetivamente debatidas em plenário possam ser reconhecidas na sentença.
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA. REINCIDÊNCIA. TRIBUNAL DO JÚRI. AGRAVANTE NÃO DEBATIDA EM PLENÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "O acórdão impugnado divergiu da orientação da jurisprudência dominante nesta Corte Superior no sentido de que, mesmo sendo a reincidência agravante de ordem objetiva, somente é possível sua valoração na dosimetria da pena dos crimes julgados pelo Tribunal do Júri quando for arguida em plenário nos debates." (AgRg no HC n. 858.386/RS, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 29/4/2024, DJe de 2/5/2024.) 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 959.299/PE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 12/2/2025, DJEN de 17/2/2025.)
No caso em análise, constato que o Tribunal de origem reconheceu que a agravante de crime cometido contra cônjuge não foi objeto de debate específico durante o julgamento em plenário.
Conforme se extrai dos autos, a acusação não suscitou tal circunstância em suas alegações finais, tampouco houve discussão sobre o estado civil do réu ou sobre a relação conjugal com a vítima durante os trabalhos do júri.
A própria defesa apontou, em sede de embargos de declaração, que não consta dos autos a certidão de casamento para comprovar o estado civil do acusado, documento que seria essencial para a caracterização da agravante.
A aplicação de agravante não debatida em plenário representa violação ao princípio da correlação entre acusação e sentença, além de configurar supressão do direito de defesa.
O réu tem o direito de conhecer todas as circunstâncias que podem influenciar na dosimetria de sua pena, para que possa exercer plenamente o contraditório.
Quando o juiz presidente reconhece, de ofício, agravante não discutida nos debates, priva o acusado da oportunidade de contestar tal circunstância perante o conselho de sentença.
É importante ressaltar que a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça tem rechaçado a possibilidade de o juiz presidente reconhecer, na sentença condenatória, circunstâncias agravantes ou qualificadoras não submetidas ao crivo dos jurados.
Tal orientação se fundamenta na compreensão de que o Tribunal do Júri constitui o juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, cabendo aos jurados não apenas decidir sobre a materialidade e autoria, mas também sobre todas as circunstâncias relevantes para a individualização da pena.
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. HOMICÍDIO TENTADO. DOSIMETRIA DA PENA. AGRAVANTE NÃO DEBATIDA NA SESSÃO PLENÁRIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. VEDADA A APLICAÇÃO. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. CONFIGURADO. CONTINUIDADE DELITIVA. NÃO CONFIGURADA. PARCIAL PROVIMENTO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo interposto contra decisão que inadmitiu recurso especial, visando à anulação do julgamento por suposto erro na aplicação da pena. O agravante foi condenado a 39 anos e 4 meses de reclusão por homicídio qualificado e tentativa de homicídio. 2. O Tribunal de origem desproveu o recurso da defesa e deu parcial provimento ao do Ministério Público, reconhecendo o concurso material entre os crimes e majorando a pena. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A questão em discussão consiste em saber se a agravante de crime cometido contra cônjuge, não debatida em plenário, pode ser considerada na dosimetria da pena. 4. Outra questão é a correta aplicação do concurso material em vez da continuidade delitiva entre os crimes praticados. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. A jurisprudência do STJ estabelece que agravantes e atenuantes devem ser debatidas em plenário para serem consideradas na dosimetria da pena. 6. O Tribunal de origem corretamente aplicou o concurso material, pois os crimes foram cometidos com desígnios autônomos. IV. AGRAVO CONHECIDO E RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO PARA DETERMINAR NOVA DOSIMETRIA DA PENA, AFASTANDO A AGRAVANTE DE CRIME COMETIDO CONTRA CÔNJUGE. (AREsp n. 2.511.112/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024, DJEN de 6/12/2024.)
Ademais, conforme bem destacado pelo Ministério Público Federal em seu parecer, a necessidade de debate prévio sobre as agravantes não se confunde com a possibilidade de o juiz reconhecer circunstâncias judiciais desfavoráveis na primeira fase da dosimetria.
Enquanto as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal podem ser valoradas pelo magistrado com base nos elementos constantes dos autos, as agravantes genéricas devem necessariamente ter sido objeto de discussão em plenário, sob pena de violação ao devido processo legal. No presente caso, a aplicação indevida da agravante resultou em aumento significativo da pena do recorrente.
O Tribunal de origem, ao manter a agravante de crime contra cônjuge, fixou a pena definitiva em 20 anos e 1 mês de reclusão, quando, sem tal circunstância, a reprimenda seria consideravelmente menor. Tal situação configura flagrante prejuízo ao réu, impondo-se a correção do vício apontado. Por fim, registro que o entendimento aqui adotado não implica em vedação absoluta ao reconhecimento de agravantes pelo juiz presidente do Tribunal do Júri.
O que se exige é que tais circunstâncias sejam efetivamente debatidas em plenário, garantindo-se ao réu o direito de contestá-las perante os jurados. Trata-se de medida essencial para a preservação das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito.
Reconhecida, portanto, a violação legal, passo ao redimensionamento da pena: Primeira fase. Preservo a pena-base em 17 (dezessete) anos e 3 (três) meses de reclusão, tal como fixada pelo Tribunal de origem, diante da culpabilidade acentuada (12 facadas) e das circunstâncias do crime (emboscada e execução em via pública), com frações de 1/6 e 1/8 sobre o intervalo, respectivamente. Segunda fase. Afasto a agravante do art. 61, II, “e”, do CP por ausência de arguição nos debates do Júri (art. 492, I, “b”, CPP). Mantenho a compensação entre a atenuante da confissão (art. 65, III, “d”, CP) e a agravante de violência doméstica (preponderantes).
Pena intermediária inalterada: 17 anos e 3 meses. Terceira fase. Inexistem causas de aumento ou diminuição, mantendo-se o que foi afirmado nas instâncias ordinárias. Pena definitiva: 17 (dezessete) anos e 3 (três) meses de reclusão. Regime inicial. Fechado, à luz do art. 33, § 2º, “a”, do CP, preservadas as demais disposições não alcançadas pela presente decisão. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para, reconhecendo a violação ao artigo 492, inciso I, alínea "b", do Código de Processo Penal, afastar a agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea "e", do Código Penal, procedendo-se ao redimensionamento da pena. Publique-se. Intimem-se.
Relator
MESSOD AZULAY NETO
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