STJ Set25 - Júri - Homicídio - Absolvição - Reconhecimento Fotográfico em Hospital - Prova Antecipada Não Confirmada em Juízo pela vítima

 Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por XXXXXXX NASCIMENTO JUNIOR, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, no qual se insurge contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA, assim ementado (e-STJ, fls. 2.021 - 2.032):

"PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO ACUSATÓRIA. RECURSOS DEFENSIVOS. I. Caso em exame 1. Apelação criminal interposta contra sentença que julgou procedente a denúncia, condenando o réu Bruno à pena privativa de liberdade de 10 anos 10 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, por infração ao disposto no art. 121, § 2º, inc. I e IV, c/c 14, inc. II, ambos do CP; Eduardo, à pena privativa de liberdade de 9 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, por infração ao disposto no art. 121, § 2º, inc. I e IV, c/c 14, inc. II, ambos do CP; e Joelson, à pena privativa de liberdade de em 10 anos 10 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, por infração ao disposto no art. 121, § 2º, inc. I e IV, c/c 14, inc. II, ambos do CP. II. Questões em discussão 2. As questões em discussão consistem em saber se: (i) a oitiva da vítima ainda no leito de UTI e o reconhecimento fotográfico realizado na fase investigativa configuram cerceamento de defesa ou nulidade por inobservância das formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal; (ii) a decisão proferida pelo Conselho de Sentença é manifestamente contrária à prova dos autos, a justificar a realização de novo julgamento nos termos do art. 593, III, “d”, do CPP; (iii) houve ilegalidade na fixação da pena na segunda e terceira fase da dosimetria, especialmente quanto aplicação da agravante do motivo torpe e à fração aplicada à causa de diminuição de pena prevista no art. 14, II, do Código Penal. III. Razões de decidir 3. Não configura cerceamento de defesa a oitiva da vítima realizada, com seu consentimento, no leito de UTI, quando demonstrado que se encontrava lúcida e orientada, tampouco é nulo o reconhecimento fotográfico que, embora não tenha seguido rigorosamente as formalidades do art. 226 do Código de Processo Penal, está corroborado por outros elementos probatórios consistentes nos autos, razão pela qual deve ser afastada a preliminar de nulidade. 4. A existência de divergências entre os relatos da vítima nas fases policial e judicial não invalida, por si só, o depoimento colhido na fase inquisitorial, sobretudo quando este foi prestado de forma voluntária, lúcida e detalhada, com reconhecimento individualizado dos autores e descrição coerente da dinâmica dos fatos. 5. É plausível que a posterior alteração de versão decorra do temor de represálias, diante do envolvimento dos réus com organização criminosa atuante na região. 6. Ademais, o depoimento inicial da vítima é corroborado por outros elementos de prova constantes dos autos, como os relatos de testemunhas, laudos periciais e diligências policiais, o que afasta a alegação de fragilidade probatória e mantém hígida a convicção formada pelo Conselho de Sentença. 7. A condenação dos apelantes pelo crime de tentativa de homicídio qualificado encontra respaldo em acervo probatório robusto e harmônico, tendo o Conselho de Sentença firmado sua convicção com base na versão mais coerente e compatível com os demais elementos dos autos. 8. A existência de desfechos distintos em relação aos corréus Katieli e Lucas, condenados por cárcere privado, em autos diversos, não configura nulidade, pois cada réu foi julgado conforme sua participação na empreitada criminosa, sendo os apelantes diretamente responsáveis pelos disparos que quase resultaram na morte da vítima. 9. Inexistente, portanto, decisão manifestamente contrária à prova dos autos a justificar novo julgamento. 10. É válida a elevação da pena em 1/6 na segunda fase da dosimetria, com fundamento na agravante do motivo torpe (art. 61, II, "a", do Código Penal), reconhecida pelo Conselho de Sentença, uma vez que os autos evidenciam que o crime foi motivado por rivalidade entre facções criminosas, circunstância que revela especial reprovabilidade da conduta. 11. Igualmente correta a aplicação da fração mínima de 1/3 na terceira fase da dosimetria, relativa à tentativa (art. 14, II, CP), considerando que o agente percorreu quase todo o iter criminis e a vítima só não foi morta por circunstâncias alheias à vontade dos réus, sobrevivendo em razão de socorro médico imediato e cirurgias de urgência. IV. Dispositivo 6. Recursos conhecidos e desprovidos."

Em suas razões recursais, a parte recorrente aponta violação dos arts. 226 e 593, III, "d", ambos do CPP, argumentando, em síntese, que (i) o reconhecimento feito exclusivamente em sede inquisitorial, sem observância das formalidades legais, é inválido e não pode embasar a condenação; (ii) a condenação baseou-se exclusivamente no reconhecimento ilegal, não confirmado em juízo, e em depoimentos de "ouvir dizer". Com contrarrazões (e-STJ, fls. 2.044 - 2.055), o recurso especial foi admitido na origem (e-STJ, fls. 2.056 - 2.057).

Remetidos os autos a esta Corte Superior, o MPF manifestou-se pelo não conhecimento do recurso ou, caso conhecido, pelo seu desprovimento (e-STJ, fls. 2.063 - 2.069).

É o relatório. Decido.

A insurgência prospera. Ao afastar a tese de nulidade do reconhecimento fotográfico, a Corte de origem registrou o seguinte (e-STJ, fls. 2.024 - 2.028):

"No que diz respeito a autoria, é certa e recai sob os acusados. Ao contrário do que pretende a defesa, embora o reconhecimento dos apelantes feito por Carolini, na fase inicial, não tenha sido por ela confirmado em Juízo, a identificação dos autores dos fatos, juntamente com os demais elementos de convicção reunidos durante a instrução, é mais do que suficiente para comprová-la, vejamos. A genitora da vítima, Marizete da Rosa Pereira, relatou perante a autoridade policial que no dia dos fatos, sua filha Carolini saiu de casa por volta das 16h30 para fazer as unhas com Katieli, com quem já havia se atendido antes. No início da noite, Carolini enviou mensagem avisando que chegaria em meia hora, mas não retornou nem respondeu às mensagens. Por volta das 19h, a depoente recebeu uma ligação informando que Carolini havia sido baleada e estava em estado grave no hospital, com três ferimentos por arma de fogo. Carolini foi transferida à UTI de Araranguá. Posteriormente, soube que a filha foi encontrada próxima ao bairro Retiro da União, onde Luiz Eduardo, com quem Carolini teria envolvimento e de quem sofria ameaças, residia. A depoente ouviu de diversas pessoas que Katieli teria atraído Carolini até sua casa para que fosse sequestrada e levada até Luiz Eduardo, que a teria alvejado. Afirmou ainda temer por sua própria segurança, pois foi informada de que os autores queriam "terminar o serviço". Vejamos: Que na data de 25/07/2021, por volta das 16:30hs CAROLINI saiu de casa, para ir fazer a unha; Que CAROLINI havia tentado marcar horário para semana porém a manicure disse que só poderia atende-la no domingo, naquele horário especifico, que a manicure tratava-se de KATIELI, a qual, conforme CAROLINI morava e atendia os seus clientes no bairro São José; Que essa não havia sido a primeira vez que CAROLINI foi fazer suas unhas com KATIELI; Que naquela data antes de sair para fazer as unhas CAROLINI falou para a depoente que retornaria em breve, inclusive combinando de comerem juntas uma pizza quando retornasse; Que ao anoitecer CAROLINI encaminhou uma mensagem via whatsapp para a depoente dizendo que em meia hora estaria chegando; Que passada a meia hora a depoente passou a ficar preocupada; Que já era noite e CAROLINI ainda não havia retornado da manicure; Que a depoente passou a enviar mensagens para o celular dela porém ela não mais recebia; Que por volta das 19 horas, a depoente recebeu uma ligação telefônica de um número que não se recorda, cuja interlocutora se dizia uma amiga de CAROLINI; Que esta pessoa avisou a depoente que CAROLINI havia sido baleada e estava no hospital; Que essa feminina não disse mais nada a depoente; Que a depoente saiu as pressas para o hospital de Sombrio onde soube que sua filha de fato havia sido alvejada por disparos de arma de fogo e estava em estado grave; Que CAROLINI havia sido alvejada por, pelo menos, 3 disparos de arma de fogo; Que um disparo foi na perna, outro no braço, e outro pelas costas o qual chegou ao pulmão; Que pelo estado grave que se encontrava CAROLINI foi levada ao hospital de Araranguá onde se encontra até a presente data entubada e em estado grave, na UTI daquela unidade hospitalar; Que a depoente ficou sabendo que sua filha havia sido encontrada na rodovia que liga Sombrio a Jacinto Machado, próximo a ponte localizada na entrada do bairro Retiro da União; Que a depoente ficou com bastante medo tanto de perder sua filha como também em relação a sua vida; [...] Que a depoente explica que embora tivesse informações que sua filha e LUIZ EDUARDO tinham envolvimento com o tráfico de drogas e facções criminosas a depoente nunca presenciou tais crimes praticados por eles; Que a depoente ficou sabendo através de pessoas vinculadas a sua filha que não quiseram se identificar por temerem por suas vidas que no dia do crime CAROLINI foi atraída por KATIELI até a sua casa para lá ser, sequestrada por dois autores; Que após pegarem CAROLINI na casa de KATIELI, esses dois autores teriam levado a vítima até LUIZ EDUARDO oportunidade em que o mesmo alvejou CAROLINI; Que a depoente escutou essa versão através de mais de uma pessoa; Que explica que tais fatos fazem sentido, tanto pelas ameaças que CAROLINI sofria por parte de LUIZ EDUARDO, como também, pelo local onde CAROLINI foi encontrada alvejada; Que o local em questão fica próximo onde LUIZ EDUARDO mora; Que a própria CAROLINI havia lhe dito que LUIZ EDUARDO estaria morando com sua mãe próximo da ponte do Retiro da União, local este em que foi encontrada baleada; Que, por fim a depoente informa que ficou sabendo que os autores dos disparos contra sua filha estavam querendo saber informações sobre ela para "terminarem o serviço". O depoimento de Marizete da Rosa Pereira vai ao encontro do relato da vítima Carolini Pereira Florêncio, colhido quando estava hospitalizada. Na ocasião, Carolini relatou que estava na casa de Katieli fazendo as unhas quando foi surpreendida por Bruno, Juninho e Dudu, que a interrogaram sobre “Bola” e revistaram seu celular em busca de conteúdo ligado a facções. Informaram que “Caxias” havia ordenado sua morte. Em seguida, foi colocada à força em um carro conduzido por Lucas e levada até a rodovia, onde Dudu, armado, atirou nela pelas costas. Após cair, foi socorrida por uma mulher. Afirmou temer por sua vida, pois ouviu que Caxias teria pago R$ 20 mil para matá-la. Reconheceu, por fotos, os autores: Eduardo (Dudu), como o autor dos disparos; Juninho e Bruno como participantes da ação; e Lucas como o motorista que levou o grupo ao local do crime. Na íntegra: Disse que estava na residência da acusada Katieli e estava fazendo as unhas no local. Disse que, de inopino, chegaram ao local Bruno, Juninho e Dudu da praia. Disse que todos a mandaram dizer tudo que sabia de "Bola" e pegaram seu telefone para ver fotos de armas de fogo e dinheiro, tudo relacionado a facções criminosas. Disse que anunciaram que "Caxias" havia ordenado a sua morte. Disse que os acusados chamaram o uber do acusado Lucas, tratandose de um gol prata. Disse que Lucas também tem relação com a organização "Tudo 2". Disse que determinaram que ficasse calada e a colocaram no carro para levá-la até o retiro. Disse que, ao chegar no local, determinaram que descesse do carro. Disse que Dudu estava armado, com uma pistola preta. Disse que desceu do carro e que ficou na marginal na BR, momento em que atiraram contra sua pessoa, enquanto se encontrava de costas. Disse que caiu no local e que os acusados fugiram. Disse que na sequência uma mulher chegou ao local e a ajudou. Disse que ainda corre perigo de vida, pois escutou todas as conversas entre os acusados e Caxias, sabendo que ele pagou R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para o cometimento do crime. Disse que a esposa de Lucas trabalha no hospital em que está internada e que por isso tem muito medo. Disse que Dudu usava o cabelo azul no momento do crime. Disse que o avistou no hospital após os fatos. Disse que seu ex-companheiro também é conhecido como Dudu e se chama Luiz Eduardo, mas que ele não tem participação nos fatos. Solicitou que lhe fossem mostradas fotos do acusado Eduado (Dudu), pois o reconheceria de pronto. Mostrada a foto do acusado Eduardo, o reconheceu como "Dudu", aduzindo que agora possui mais tatuagens e está com o cabelo azul. Disse que era ele quem estava com a arma de fogo no momento do crime. Disse que depois que deixou a gerência da organização comandada por "Caxias" quem assumiu seu lugar foi "Dudu". Mostrada foto, reconheceu também "Juninho", relatando que foi um dos executores da sua tentativa de homicídio. Disse que ele acompanhou "Dudu" e não permitiu que saísse de dentro do quarto na casa de Katieli. Mostrada foto do acusado Bruno, o reconheceu de imediato também, dizendo que estava com os demais acusados e o reconhecendo como namorado de Katieli. Mostrada foto de Lucas dos Santos, o reconheceu como o uber que auxiliou os demais acusados no dia dos fatos, levando-a até o local do crime. Perante a autoridade judicial, Carolini Pereira Florêncio afirmou não ter envolvimento com facções criminosas e disse não guardar lembranças do dia dos fatos, alegando que estava sob efeito de álcool, drogas e ainda se recuperando do coma. Declarou que não se recorda de ter ido à casa de Katieli e desconhece qualquer pessoa chamada “Caxias”. Negou ter sido ameaçada e afirmou que atualmente é cadeirante e vive reclusa. Disse conhecer Katieli de festas e Lucas por ele ser motorista de aplicativo na cidade, vejamos: [...]Disse que nunca teve envolvimento com facção criminosa. Disse que conhece os acusados de Sombrio, mas que nunca teve nenhum desentendimento com eles e não sabe se eles tem envolvimento com facções criminosas. Disse que não se recorda de ter ido até a casa de Katieli para fazer as unhas no dia dos fatos. Disse que não tem recordações sobre o dia dos fatos. Disse que não está sendo ameaçada para não falar. Disse que não conhece "Caxias". Disse que, quanto à versão prestada para o agente de polícia Glauter, havia acabado de sair do coma e estava dopada e não se recorda da conversa que teve com ele. Disse que a única coisa que se recorda dos fatos é que estava no chão, com muita dor. Disse que já saiu de casa bêbada no dia dos fatos e que também se encontrava sob o efeito de drogas (cocaína). Disse que não faz atualmente parte de nenhuma facção criminosa, pois é cadeirante e vive dentro de casa. Disse que o resultado do ocorrido é que possui uma bala alojada na coluna e não pode caminhar. Disse que não foi ameaçada por seu exnamorado. Disse que conhecia Katieli de festas e uma vez fez as unhas com ela há anos e que marcou na residência da mãe dela. Disse que conhecia Lucas dos Santos antes dos fatos, porquanto ele era uber em Sombrio. Embora se verifiquem divergências entre as declarações prestadas pela vítima Carolini na fase policial e em juízo, é relevante destacar que, no primeiro momento, ainda hospitalizada, a ofendida reconheceu todos os autores do delito e narrou os fatos com riqueza de detalhes, evidenciando, inclusive, temor por sua integridade física diante do envolvimento dos réus com a organização criminosa denominada PGC. Nesse contexto, é plausível que a alteração de versão em juízo decorra do receio de represálias, não sendo suficiente, por si só, para desqualificar a credibilidade do relato prestado na fase inquisitorial, sobretudo quando corroborado por outros elementos probatórios constantes dos autos. Ademais, as alegações defensivas, no sentido de que o depoimento da vítima seria frágil por ter sido prestado em ambiente hospitalar e sob efeitos de medicação, não merecem prosperar. Apesar do delicado estado de saúde, a vítima, ainda hospitalizada, apresentou relato firme, coerente e detalhado, reconhecendo individualmente os autores do crime, suas condutas e a dinâmica dos fatos. Outrossim, não há nos autos qualquer elemento que aponte comprometimento cognitivo ou ausência de discernimento da ofendida no momento do relato. A suposta ausência de confirmação dos fatos em juízo também não compromete a validade do conjunto probatório. Como dito, a retração em momento posterior, revela-se compreensível diante do contexto de violência e intimidação envolvendo a organização criminosa denominada PGC, atuante na região, conforme inclusive mencionado em diversos trechos da investigação e por testemunhas. Ressalte-se, ademais, que o depoimento prestado na fase inquisitorial é corroborado por outros elementos de prova colhidos ao longo da instrução, tais como os relatos da genitora da vítima, bem como dos policiais civis e militares envolvidos na investigação e no atendimento da ocorrência. Nesse sentir, um dos responsáveis por prestar auxílio a vítima, Jonatas dos Santos Rosa, assim narrou, perante a autoridade judicial: Estava na rua com sua esposa e que na entrada do Bairro Retiro da União havia dois homens na estrada pedindo socorro. Disse que parou para socorrê-los e que eles narraram que estavam em casa quando escutaram barulhos de tiros e encontraram a vítima caída na sequência. Disse que as duas testemunhas que pediram socorro chegaram a mencionar qual o carro que havia deixado a vítima no meio da rua [...], mas que não se recorda nesse ato, confirmando as informações que prestou na delegacia de polícia nesse ponto. Disse que, como sua esposa tinha realizado parte do curso de bombeiros para primeiros socorros, ficou conversando com a vítima para mantê-la acordada. Disse que ligou para Polícia e SAMU. Disse que os dois homens que inicialmente pediram ajuda saíram do local. Disse que a todo momento a vítima afirmava: "eles vão voltar, eles vão voltar". Disse que a vítima não relatou o que havia acontecido, nem quem havia tentado lhe matar, apenas dizia que havia sido "os caras". Destacou que o local em que a vítima foi encontrada era escuro e que o local onde a vítima estava contava com vegetação alta, de modo que seria difícil uma pessoa de carro encontrá-la. Na dinâmica dos fatos, ouvida em Juízo, a policial militar Aline Menegaro da Silva pontuou: Atendeu a ocorrência de tentativa de homicídio em face da vítima Carolini. Disse que foi acionada via COPOM e ao chegar ao local, próximo ao Retiro da União, localizaram uma feminina deitada no chão. Disse que havia um casal de populares tentando auxiliá-la. Disse que o casal relatou que foi um terceiro que pediu ajuda, mas que ao chegar no local essa testemunha já havia saído. Segundo essa testemunha teria narrado, foi visualizado um veiculo de cor escura de evadindo dali após abandonar Carolini ferida, com um tiro no peito, um no ombro e um na coxa. Disse que os fatos se deram à noite, em local com visibilidade baixa. Disse que a vítima estava muito próxima a pista de rolamento. Disse que a vítima era envolvida com tráfico de drogas e facções criminosas, pelo que acredita com os "manos". Disse também que comumente se ouvia falar da troca de facções criminosas pelos seus integrantes. Sob o crivo do contraditório, o policial civil Glauter Silveira Boucinha Soares narrou: Na época dos fatos, estavam investigando as facções criminosas "Tudo 2" e "Tudo 3". Disse que a vítima Caroline fazia parte da facção "Tudo 3", comandada por "Caxias". Disse que na noite dos fatos, receberam a notícia de que uma vítima havia sido alvejada por tiros e encontrada na estrada que levava Sombrio até Jacinto Machado. Disse que foi identificada a vítima como Carol e no primeiro momento identificaram que o crime poderia ter ocorrido por vinculação com o tráfico de drogas ou disputa de território. Disse que testemunhas disseram que teriam escutado tiros e um carro escuro saindo do local. Disse que na manhã seguinte ao crime receberam informações de que Bruno Jacinto teria participação no crime e que teria chegado na noite anterior, de madrugada, onde havia a arma usada para o crime, além de drogas. Disse que tinham conhecimento de que Bruno tinha ligação com a facção "Tudo 2", facção rival contrária a da vítima e que poderia ter relação com o crime. Disse que fizeram uma investida em sua residência. Disse que, ao chegar no local, encontraram Katieli, que se identificou como companheira de Bruno. Disse que indagaram Bruno sobre a eventual participação dele no crime investigado e ele acabou negando, assim como Katieli. Disse que tomaram conhecimento que pouco tempo antes outro parceiro do crime havia deixado a residência de Bruno, com a suspeita de ter levado consigo a arma do crime. Disse que prosseguiram com as investigações e tomaram conhecimento de que Carolini costumeiramente fazia as unhas na residência de Katieli. Disse que tentaram contato com Katieli e a mãe dela, não conseguiram informações, tendo tomado conhecimento de que Katieli havia fugido na companhia de Bruno. Disse que durante as investigações também foi possível apurar que os acusados foram até a residência de Katieli no dia do crime, após terem sido comunicados de que a "Carol", gerente do "Bola" estava lá, momento em que os disciplinas do grupo (Juninho, Joelson e Dudu) se dirigiram até o local para prestar auxílio a Bruno e "dar cabo" a Carol. Disse que os acusados contaram com o auxílio de Lucas, uber, que já prestava auxílio à facção relativamente ao tráfico de drogas. Disse que, para confirmar essas informações, foram até o hospital, aonde conversaram com a vítima, após a sua saída da UTI. Disse que, em conversa com Carolini, esta confirmou que no dia dos fatos foi fazer as unhas na residência de Katieli e foi surpreendida pela chegada de três individuos (Juninho, Joelson e Dudu), assim como por Bruno, que segundo disse já estava dentro da residência. Disse que a vítima mencionou não ter conhecimento do envolvimento entre Katieli e Bruno. Disse que a vítima relatou que, de pronto, os acusados a renderam fazendo uso de uma arma de fogo e a sequestraram inicialmente. Disse que, inicialmente, os acusados entraram em contato com o chefe da facção – Caxias (Willian), comunicando o sequestro de Carolini. Disse que Caxias então determinou que Carolini inserisse a senha em seu aparelho celular, a fim de verificar informações da facção rival, como a localização de armas e drogas. Disse que, após o cumprimento das ordens, os acusados acabaram por colocar a vítima dentro do carro e levá-la para o local do crime, tudo na intenção de matá-la. Disse que, conforme a própria vítima aduziu, "Caxias" disse que não era para matá-la, mas sim para apenas dar um susto e liberá-la. Disse que o grupo desobedeceu as ordens e a levou por meio do uber até o local em que ela foi encontrada. Disse que pediram para que a vítima descesse do carro e efetuaram disparos de arma de fogo em face dela, a deixando no local acreditando estar morta. Frisou que os acusados já eram investigados tanto pelo tráfico de drogas como pela participação em organizações criminosas e outros homicídios. Aduziu que Carolini, desde a adolescência, foi conduzida inúmeras vezes para a delegacia pela prática do crime de drogas e por gerenciar o tráfico nas regiões em que atuava. Disse que a vítima foi namorada de outro faccionado, "Dudu", que pensaram ser pessoa que inicialmente tivesse relação com o crime, mas essa hipótese foi descartada. Disse que Carolini era faccionada ao "Tudo 2" e gerente de "Caxias". Disse que em virtude de desavenças e dívidas relacionadas ao tráfico de drogas, acabou saindo da facção "Tudo 2" e ingressando na facção "Tudo 3", ficando sob a gerência de "Bola". Disse que Carolini assumiu a gerência do tráfico e conseguiu galgar na facção um cargo de gerência acima dos demais e passou a ser responsável pela distribuição de drogas. Disse que, por ocupar essa posição, Carolini passou a fazer algumas ameaças a membros do "Tudo 2" e, diante do receio e até como retaliação, ocorreu a tentativa de homicídio. Acrescentou que o acusado Bruno comentou com amigos que teria fugido com Katieli justamente por possuírem vinculação com a tentativa de homicídio. Disse, ainda, que, em diligências efetuadas no Balneário Gaivota, testemunhas indicaram que Juninho e Dudu estavam juntos no dia do crime e mencionaram que fariam uma "fita". Quanto ao relato de Carolini no hospital, disse que a própria vítima, temerosa de ser executada, mediante os rumores de que os acusados iriam até o hospital para "terminar o serviço", pediu que a sua genitora fizesse contato com a Polícia Civil, mais precisamente consigo, para relatar que os acusados, descrevendo já de início os seus nomes, haviam tentado lhe matar. Disse que, ao ouvir a vítima, ela pessoalmente lhe contou os fatos e que mediante a sua autorização gravou o depoimento de Carolini. Relatou que as informações de que os acusados pretendiam levar a cabo sua intenção criminosa no hospital chegaram por informantes e pela própria vítima, a mãe de Carolini e o hospital. Disse que não receberam notícias de que a vítima ou sua mãe tivessem sido ameaçadas para não esclarecer os fatos na audiência de instrução, mas que sempre temeram isso. Disse que monitoraram a residência delas e que receberam visitas de faccionados, bem como de que as queixas iniciais eram nesse sentido. Disse que, conforme o relato da vítima, quem efetuou os disparos foi o acusado Dudu. Destacou que a acusada Katieli nega os fatos e que as informações que chegaram até a polícia é de que ela não é faccionada, mas que teria ciência de que Carolini seria sequestrada e que atentariam contra a sua vida. Quanto aos demais acusados, disse que todos são faccionados ao "Tudo 2", rival da facção "Tudo 3". Disse que, durante a entrevista com Carolini no hospital, não houve qualquer intervenção médica e que Carolini tinha dificuldade de fala, mas plena consciência. Disse que, posteriormente, quando a vítima estava fora do hospital, teve contato com ela e ela sempre reafirmou todos os fatos que mencionou no vídeo. Também ouvido em juízo, o policial civil Marcelo Dutra Gazana relatou: A investigacão da policia civil tomou conhecimento de uma tentativa de homicídio, na qual uma feminina havia sido alvejada por disparos de arma de fogo no caminho entre Sombrio e Jacinto Machado. Disse que, quando tomaram conhecimento dos fatos, a vítima já tinha sido socorrida e levada ao hospital. Disse que foi até o local dos fatos no dia seguinte e tomou conhecimento de que a vítima se tratava de Carolini, a qual já havia sido investigada por crimes nesta Comarca, havendo informações inclusive de que ela havia migrado de uma organização criminosa para outra. Disse que, no início das investigações, cogitaram a possibilidade do crime ter sido cometido por um namorado dela, mas que essa hipótese foi descartada. Disse que informantes já de inicio procuraram a polícia civil para apontar a autoria do crime, bem como Carolini logo após acordar solicitou que a PC fosse contatada porque queria ser ouvida. Disse que se dirigiram até o hospital e Carolini apontou como autores Dudu (Eduardo Coelho Virgilino), Juninho, Bruno (que se encontrava com Katieli). Disse que apuraram que a vítima foi fazer as unhas na casa de Katieli e que Bruno estava no local e se sentiu ameaçado pelo histórico de divergências de facção e acabou chamando os seus comparsas para sequestrarem. Disse após sequestrarem a vítima a colocaram em uma chamada de vídeo com o líder da facção, Caxias e a ordem inicial desse era para que dessem um susto nela, não havendo ordem inicial para homicídio, tendo o fato sido de iniciativa dos acusados Dudu, Juninho, Bruno e Joelson. Disse que após os fatos, efetuadas tentativas de contato com Katieli, essa acabou por fugir, indo para a casa de Bruno em Jacinto Machado, confirmando sua participação no crime. Disse que o depoimento de Carolini no hospital foi esclarecedor e convergiu com todas as informações que já tinham. Disse que a vítima, durante a investigação, Carolini relatou diversas vezes que se sentia ameaçada e dizia com frequência que voltariam para "terminar o serviço", tanto que foram realizados atendimentos e acompanhamentos à vítima. Disse que as informações de ameaças a Carolini, após os fatos, chegavam à polícia por informantes também. Disse que, após sair do hospital, Carolini reforçou todo o seu depoimento, em mais de uma oportunidade. Esclareceu que não ficou claro durante as investigações se Katieli de fato atraiu a vítima até a sua casa ou se foi um estratagema armado por Bruno. Afirmou que houve a utilização de um uber ou táxi, tratando-se de um siena branco, utilizado por Katieli para ir até o hotel em que inicialmente ficou com Bruno. Dos depoimentos colhidos, infere-se que os populares, embora soubessem quem seriam os autores do crime, optaram por não formalizar suas declarações, motivados pelo receio de sofrerem represálias. Tal conduta é compreensível, considerando que a tentativa de homicídio foi claramente praticada por ordem da facção criminosa Primeiro Grupo Catarinense (PGC), organização notoriamente violenta, com atuação consolidada em diversas regiões do Estado. Ademais, o receio da vítima e de outras testemunhas em confirmar a autoria delitiva restou evidenciado no relatório de investigação criminal: [...]Quando do atendimento da ocorrência, testemunhas narraram que a vítima se encontrava ainda consciente, pedindo socorro e dizendo não conhecer os autores, ao que constatamos, não querendo identifica-los naquele momento por temer por sua vida, uma vez que achava que os autores ainda poderiam retornar para lhe matar. [...] Na manhã seguinte ao crime (26/07 /2021), recebemos a informação anônima de que um dos autores seria a pessoa de BRUNO BENTO IGNACIO DE OLIVEIRA, vulgo “Bruninho”, o qual estaria dormindo na casa de sua mãe, no Bairro Figueira, em Jacinto Machado, juntamente de sua atual namorada, até então não identificada. [...] As informações davam conta de que Bruno estaria com drogas e a arma do crime em uma mochila preta e que, estaria dando guarida para um segundo autor, que naquele momento, não estava identificado. Diante daquela informação, nos deslocamos até O endereço denunciado, onde encontramos Bruno juntamente de sua namorada (KATIELI) e uma mochila de cor preta. [...] Informamos que durante esta diligência, fomos noticiados por vizinhos que, instantes antes de nossa chegada naquela residência, havia saído um amigo de Bruno. De pronto constatamos que o referido amigo era mais um dos autores que, possivelmente, havia saído daquela residência com a arma e a droga denunciada. Vê-se, portanto, que as investigações se iniciaram a partir de informações repassadas por populares, o que permitiu identificar Bruno Bento Ignácio de Oliveira, Eduardo Coelho Vergilino e Joelson Silva do Nascimento Júnior como os principais responsáveis pela tentativa de homicídio. Tal conclusão veio a ser corroborada pela própria vítima quinze dias após o crime. Nesse contexto, constata-se que o Conselho de Sentença, ao examinar o acervo probatório, firmou sua convicção na versão mais coerente e compatível com os demais elementos dos autos, razão pela qual a decisão deve ser integralmente mantida. Por fim, no que diz respeito à alegação de que os corréus Katieli e Lucas foram condenados por cárcere privado, enquanto os apelantes por tentativa de homicídio, trata-se de argumento que deve ser rechaçado. Com efeito, depreende-se dos autos que cada um dos réus foi julgado individualmente com base na prova relativa à sua atuação no crime em questão, de modo que a existência de desfechos distintos decorre da avaliação das condutas imputadas, sendo certo que, no presente caso, os apelantes participaram ativamente da execução do crime, inclusive sendo responsáveis diretos pelos disparos que quase ceifaram a vida da vítima. Portanto, não se verifica qualquer contrariedade à prova dos autos, mas sim a formação de um juízo de condenação pautado em conjunto probatório robusto, harmônico e suficiente, razão pela qual não há falar em submissão do feito a novo julgamento pelo Tribunal do Júri."

Sobre o tema, esta Corte Superior inicialmente entendia que "a validade do reconhecimento do autor de infração não está obrigatoriamente vinculada à regra contida no art. 226 do Código de Processo Penal, porquanto tal dispositivo veicula meras recomendações à realização do procedimento, mormente na hipótese em que a condenação se amparou em outras provas colhidas sob o crivo do contraditório" (AgRg no HC 629.864/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 05/03/2021).

Todavia, em julgados recentes, ambas as Turmas que compõe a 3ª Seção deste Superior Tribunal de Justiça alinharam a compreensão de que "o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa" (HC 652.284/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 03/05/2021).

A esse respeito, convém a transcrição dos seguintes precedentes:

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. ROUBO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO E PESSOAL REALIZADOS EM SEDE POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. INVALIDADE DA PROVA. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE O TEMA. AUTORIA ESTABELECIDA UNICAMENTE COM BASE EM RECONHECIMENTO EFETUADO PELA VÍTIMA. ABSOLVIÇÃO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE OFÍCIO. [...]. 6. O reconhecimento fotográfico serve como prova apenas inicial e deve ser ratificado por reconhecimento presencial, assim que possível. E, no caso de uma ou ambas as formas de reconhecimento terem sido efetuadas, em sede inquisitorial, sem a observância (parcial ou total) dos preceitos do art. 226 do CPP e sem justificativa idônea para o descumprimento do rito processual, ainda que confirmado em juízo, o reconhecimento falho se revelará incapaz de permitir a condenação, como regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração do restante do conjunto probatório, produzido na fase judicial. [...]. 9. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para absolver o paciente".(HC 652.284/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 03/05/2021) "RECURSO EM HABEAS CORPUS. PICHAÇÃO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. ELEMENTO INFORMATIVO INSUFICIENTE PARA CONFIGURAR INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. TRANCAMENTO DO PROCESSO. EXCEPCIONALIDADE EVIDENCIADA. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO. [...]. 3. No caso, a recorrente foi denunciada com base tão somente em reconhecimento fotográfico extrajudicial, realizado em desconformidade ao modelo legal, a partir de imagens de câmera de segurança - em que aparece a suspeita a metros de distância e sem visão frontal - e sem possibilidade de exata percepção da fisionomia da autora da conduta criminosa. [...]. 8. Recurso em habeas corpus provido, a fim de determinar o trancamento do Processo n. 0002804-78.2018.8.26.0011, da 1ª Vara Criminal do Foro Regional de Pinheiros - SP, sem prejuízo de que outra acusação seja formalizada, dessa vez com observância aos requisitos legais". (RHC 139.037/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 13/04/2021, DJe 20/04/2021)

Com efeito, o acórdão recorrido manteve a condenação amparando-se, de modo decisivo, no reconhecimento fotográfico realizado em ambiente hospitalar — logo após a vítima deixar a UTI — e na narrativa inquisitorial então colhida, apesar de a própria vítima, em juízo, afirmar não se recordar da conversa policial nem dos fatos, por estar recém-saída do coma e sob efeito de medicação.

Ademais, ainda que o acórdão afirme, de modo genérico, que o reconhecimento fotográfico teria sido corroborado por outras provas produzidas sob o crivo do contraditório, ao examinar-se detidamente os fundamentos, constata-se que nenhuma prova efetivamente desvinculada do reconhecimento é apontada como suficiente para demonstrar, de forma autônoma, a participação do recorrente nos fatos.

As demais referências probatórias valoradas no acórdão — relatos indiretos, informes colhidos na investigação e impressões de agentes estatais — não suprem a exigência de prova judicializada de autoria. A jurisprudência desta Corte repele a manutenção de veredictos do Júri quando lastreados exclusivamente em prova inquisitorial e testemunhos de “ouvir dizer”, por ausência de idoneidade jurídica da fundamentação.

É certo que o acórdão local aventa a possibilidade de retração da vítima por temor de represálias ligado a organização criminosa atuante na região. Contudo, tal hipótese — ainda que plausível no plano fático — não afasta a necessidade de que a autoria seja demonstrada por prova válida e produzida sob contraditório em juízo.

Na espécie, não houve confirmação judicial do reconhecimento nem de imputações específicas ao recorrente; a própria vítima negou lembrança dos fatos e do diálogo hospitalar, o que fragiliza, de modo incontornável, a única peça incriminatória direta. Permanecendo o reconhecimento viciado e sem ratificação em audiência, a condenação não se sustenta. No mesmo sentido, confira-se:

"DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA ABSOLVER O RÉU. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. INOBSERVÂNCIA DO ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA. AUSÊNCIA DE PROVAS INDEPENDENTES E AUTÔNOMAS. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra decisão que absolveu o agravado da prática dos delitos tipificados no art. 157, § 2º, II, e art. 157, § 2º-A, I, na forma do art. 69, todos do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. 2. O Tribunal de Justiça reformou em parte a sentença condenatória para reduzir a pena imposta ao agravado, mas manteve a condenação com base em reconhecimento fotográfico realizado na fase policial e confirmado em juízo. II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se o reconhecimento fotográfico realizado na fase policial, sem observância do art. 226 do CPP, pode ser considerado válido para fundamentar a condenação do agravado. 4. Outra questão em discussão é se existem provas autônomas e independentes que possam sustentar a condenação do agravado, além do reconhecimento fotográfico. III. Razões de decidir 5. O reconhecimento fotográfico realizado na fase policial foi considerado viciado por não seguir o procedimento previsto no art. 226 do CPP, o que compromete sua validade como prova. 6. Inexistem outras provas autônomas e independentes que possam sustentar a condenação do agravado, além do reconhecimento fotográfico, que foi realizado de forma irregular. 7. A jurisprudência desta Corte estabelece que o reconhecimento fotográfico, quando realizado em desacordo com o art. 226 do CPP, não pode ser utilizado como prova para fundamentar a condenação. IV. Dispositivo e tese 8. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: "1. O reconhecimento fotográfico realizado sem observância do art. 226 do CPP é inválido e não pode fundamentar a condenação. 2. A ausência de provas autônomas e independentes impede a condenação baseada apenas em reconhecimento fotográfico irregular". Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 226; CPP, art. 386, VII. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AgRg no AREsp 2.182.905/MG, Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 28.02.2023; STJ, AgRg no HC 739.321/RS, Min. Jesuíno Rissato, Sexta Turma, julgado em 14.02.2023; STJ, HC 790.250/RJ, Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14.02.2023." (AgRg no AgRg no AREsp n. 2.437.252/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 30/4/2025, DJEN de 7/5/2025.) "DIREITO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE PESSOAS. NULIDADE DOS RECONHECIMENTOS. FORMAÇÃO DO JUÍZO CONDENATÓRIO FUNDADA EXCLUSIVAMENTE NOS RECONHECIMENTOS E NO DEPOIMENTO DA VÍTIMA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 226 DO CPP. AUSÊNCIA DE OUTRAS PROVAS MATERIAIS INDEPENDENTES. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. RECONHECIMENTO DA NULIDADE. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE . RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Recurso Especial interposto pela Defensoria Pública contra acórdão que deixou de reconhecer a nulidade dos reconhecimentos pessoal e fotográfico, em violação ao art. 226 do Código de Processo Penal, mantendo a condenação do réu pelo crime de roubo majorado, previsto no art. 157, § 2º, inciso II, c/c o art. 61, inciso I, ambos do Código Penal. 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a nulidade dos reconhecimentos realizados sem as formalidades do art. 226 do CPP; (ii) estabelecer se, diante da nulidade do reconhecimento pessoal e fotográfico, subsistem outras provas suficientes para manter a condenação. 3. A Sexta Turma desta Corte Superior, no julgamento do HC 598.886 (Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe de 18/12/2020), propôs nova interpretação do art. 226 do CPP, estabelecendo que: "O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa". Tal entendimento foi acolhido pela Quinta Turma desta Corte. 4. No caso, o reconhecimento pessoal realizado na Delegacia de Polícia sequer foi formalizado por meio de termo, limitando-se a um encontro entre a vítima e o recorrente nas dependências da unidade policial. Assim, o reconhecimento pessoal do recorrente, em desconformidade com o art. 226 do Código de Processo Penal, é nulo e não convalida reconhecimentos posteriores, ainda que realizados em Juízo. 5. É imprescindível enfatizar que o fato de a vítima, ao visualizar o recorrente detido na Delegacia de Polícia, tê-lo apontado como autor do roubo, não exime a necessidade de observância das formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal, cujo objetivo é assegurar a maior precisão possível na identificação do suposto autor do crime. Nesse contexto, a dispensa dos procedimentos estabelecidos no referido dispositivo legal, garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito de um delito, enfraquece o reconhecimento informal realizado pela vítima na fase inquisitiva. 6. Ainda, o reconhecimento fotográfico realizado em Juízo, de igual modo, ocorreu de maneira informal, em flagrante desconformidade com o disposto no art. 226 do Código de Processo Penal, tendo sido realizado, mais especificamente, na modalidade nomeada como "Show up", que consistiu na apresentação de apenas uma fotografia do recorrente, com a solicitação para que a vítima identificasse se ele seria o responsável pelo crime. 7. Adicionalmente, não há qualquer elemento apto a atestar a autoria delitiva, como exemplo, histórico de localização de GPS, imagens de circuitos de segurança, posse dos objetos subtraídos, objetos do recorrente juntamente com os bens subtraídos localizados, dentre outros. 8. A condenação baseada em reconhecimentos irregulares e no depoimento judicial da vítima, que testifica aqueles, sem provas independentes que demonstrem a autoria, deve ser afastada, em observância ao princípio da presunção de inocência. 9. Recurso conhecido e provido, a fim de absolver o recorrente, nos termos do art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal." (REsp n. 2.055.237/RS, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 18/2/2025, DJEN de 25/2/2025.)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial a fim de absolver o recorrente, com fulcro no art. 386, VII, do CPP. Por força do art. 580 do CPP, estendo a decisão aos corréus BrunoXXXXXXXardo CXXXXXXxilino, para também absolvê-los. Publique-se. Intimem-se.

Relator

RIBEIRO DANTAS

(STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 2225281 - SC (2025/0286540-6) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS, Publicação no DJEN/CNJ de 04/09/2025.)

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