STJ Set25 - Lei de Drogas - Desclassificação do Art. 33 para Usuário (art.28) - 90 g sem prova da mercancia - depoimento policial exclusivo para condenar - in dubio pro reo
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de XXXXXXX OLIVEIRA apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Goiás ( Apelação Criminal n. 5635111-80.2022.8.09.0011). Consta dos autos que o paciente foi condenado como incurso no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (tendo em vista a apreensão de 90 g de cocaína) e no art. 180, caput, do Código Penal, em concurso material, à pena de 6 anos e 6 meses de reclusão, em regime fechado. Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, o qual foi julgado nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 132):
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO. DOSIMETRIA. 1 – Comprovadas autoria e materialidade do crime de tráfico de drogas, não há que se falar em absolvição ou desclassificação para o art. 28, da Lei 11.343/06. 2 – Não preenchidos os requisitos art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, não há que se falar em tráfico privilegiado. 3 - Mantém-se a pena de multa fixada dentro dos parâmetros legais e proporcional com a pena restritiva de liberdade. 4 – Apelação conhecida e desprovida.
No presente mandamus, a defesa aduz, em síntese, que a busca domiciliar é ilícita, porquanto não indicadas fundadas razões para a diligência, devendo ser consideradas nulas as provas obtidas, com a consequente absolvição do paciente. Argumenta, ainda, que as drogas eram para consumo do próprio paciente. Pugna pela nulidade das provas, com a consequente absolvição do paciente. Subsidiariamente, pleiteia a desclassificação para o delito previsto no art. 28, caput, da Lei n. 11.343/2006.
As informações foram prestadas às e-STJ fls. 150-157 e 162-175, e o Ministério Público Federal se manifestou, às e-STJ fls. 178-181, nos seguintes termos:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. PRETENSÃO DE DESCLASSIFICAÇÃO. ANÁLISE DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. – Parecer pelo não conhecimento do writ e, acaso conhecido, quanto ao mérito, pela denegação da ordem.
É o relatório. Decido. Em razão da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça passou a acompanhar a orientação do Supremo Tribunal Federal, no sentido de não ser admissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de não se desvirtuar a finalidade dessa garantia constitucional, preservando, assim, sua utilidade e eficácia, e garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. Referido entendimento foi ratificado pela Terceira Seção, em 10/6/2020, no julgamento da Questão de Ordem no Habeas Corpus n. 535.063/SP.
Nessa linha de intelecção, como forma de racionalizar o emprego do writ e prestigiar o sistema recursal, não se admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio.
Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, tem se admitido o exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício. Conforme relatado, a defesa se insurge, em síntese, contra a busca domiciliar realizada, porquanto não indicadas fundadas razões para legitimar a diligência. Entretanto, observo, à primeira vista, que a alegação defensiva não foi previamente submetida ao crivo do Tribunal de origem.
Portanto, não houve manifestação da Corte local sobre o tema, motivo pelo qual não é possível conhecer do writ no ponto, sob pena de indevida supressão de instância.
Com efeito, "é vedada a apreciação per saltum da pretensão defensiva, sob pena de supressão de instância, uma vez que compete ao Superior Tribunal de Justiça, na via processual do habeas corpus, apreciar ato de um dos Tribunais Regionais Federais ou dos Tribunais de Justiça estaduais (art. 105, inciso II, alínea a, da Constituição da Republica)" ( EDcl no HC 609.741/MG, Relatora Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/9/2020, DJe 29/9/2020).
No mesmo sentido:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NULIDADES. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PROLAÇÃO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE PREJUDICA A APRECIAÇÃO DO TEMA. AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO DAS TESES DEFENSIVAS PELA SENTENÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EXCESSO DE PRAZO PARA O TÉRMINO DA INSTRUÇÃO . ENUNCIADO N. 52, DA SÚMULA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. As alegadas nulidades decorrentes da sentença condenatória não foram examinadas pelo Tribunal de origem, de modo que inviável a análise inaugural por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância. Outrossim, prolatada a sentença condenatória, fica obstada a análise de eventuais nulidades decorrentes do recebimento da denúncia. 2. No que se refere ao alegado excesso de prazo para o encerramento da instrução, incide o Enunciado n. 52, da Súmula do STJ, que afirma que "Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo". Nesse contexto, prolatada a sentença condenatória, inviável o reconhecimento do excesso de prazo. 3. Agravo regimental desprovido. ( AgRg no HC n. 837.966/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 27/10/2023.)
Em relação ao pedido de desclassificação para o art. 28, caput, da Lei n. 11.343/2006, a Corte local registrou que (e-STJ fls. 137-138):
Do mesmo modo, a autoria restou demonstrada, pelas provas orais produzidas nos autos. A testemunha Cleiton Cardoso de Melo, Policial Militar, inquirida em juízo, narrou: [...] que estavam em serviço quando receberam a informação do roubo; que na sequência ficaram sabendo que o veículo estava na casa de Mateus; que se deslocaram ao local e viram o veículo; que a esposa de Mateus franqueou a entrada; que ao realizarem a busca na residência, encontraram uma porção de aproximadamente 90 gramas de cocaína dentro de um armário ; que o acusado disse que a droga e o veículo pertenciam a um amigo, que seria morador de rua; que ao conduziram o acusado até a delegacia; que as vítimas reconheceram o acusado como autor dos roubos [...]. [grifo nosso] Já a testemunha Edson Luiz Gomes Santana, também Policial Militar, inquirida em juízo, disse: [...] que receberam a informação de que um veículo havia sido subtraído; que o veículo estava estacionado na garagem da residência do acusado; que entraram no local e encontraram uma porção de cocaína que estava em cima de um rack; que o acusado disse que o veículo e a droga pertencia a um amigo, morador de rua; que as vítimas reconheceram o acusado como autor dos roubos [...]. [grifo nosso] O acusado, por sua vez, ao ser interrogado negou o tráfico de drogas e afirmou que: [...] que o veículo devia ter sido subtraído por um amigo de alcunha ‘pau quente’, o qual estava dormindo em sua residência; que este amigo havia deixado o veículo estacionado em sua garagem; que não haviam drogas no local [...]. [grifo nosso] Embora o apelante tenha negado a prática do crime de tráfico de drogas, sua versão encontra-se isolada no arcabouço probatório, mormente considerando os depoimentos dos policiais militares que o apontam como autor do delito. Cumpre frisar que o fato das testemunhas serem policiais não afeta o valor probante de suas palavras, sendo certo que a condição funcional nem confere ao testemunho maior força persecutória nem o inquina de suspeição, devendo sua confiabilidade ser medida pelos critérios ordinariamente aplicados. Sendo assim, é torrencial a corrente jurisprudencial no sentido de que tais servidores, mormente os que se encontravam no momento e no lugar do crime, não estão impedidos de depor, pois não podem ser considerados inidôneos ou suspeitos pela simples condição funcional. Se não demonstrado seus interesses diretos na condenação do acusado, têm eles o direito de sustentar a legitimidade do trabalho que realizaram. Registre-se que o consumo próprio não impede a condenação pelo tipo penal do art. 33 da Lei 11.343/06, e embora não exista a constatação da venda, percebe-se a flexão de verbos nucleares contidos no tipo penal em análise, que quando confrontados com a natureza e a quantidade da substância (90 gramas de cocaína), apontam para o crime de tráfico.
Conforme exposto nos trechos acima transcritos, a condenação se embasou na quantidade e natureza dos entorpecentes apreendidos — 90 g de cocaína — e nos depoimentos policiais, os quais se limitaram a afirmar que localizaram as drogas na residência do paciente.
Nada obstante, em que pese a fundamentação da Corte de origem, não se observa a existência de provas de que os entorpecentes eram destinados ao tráfico, mas mera presunção, uma vez que foi apreendido apenas um tipo de entorpecente e em quantia que não destoa da normalidade.
Ademais, o testemunho dos policiais sobre a ocorrência não tem o condão de elidir quaisquer dúvidas a respeito da eventual destinação da droga para consumo próprio. Assim, havendo dúvidas de que a droga apreendida se destinava ao comércio, deve prevalecer a tese defensiva.
Nesse contexto, apesar de não ser possível, na via eleita, reexaminar fatos e provas, não é possível desprezar a existência de duas versões igualmente válidas, devendo a dúvida beneficiar o paciente.
Ao ensejo:
O Tribunal de origem, diante de duas versões, decidiu pela absolvição em razão da máxima in dubio pro reo, (...). Valorar juridicamente a prova é aferir se, diante da legislação pertinente, um determinado meio probatório é apto para provar algum fato, ato, negócio ou relação jurídica. (AgRg no R Esp n. 1.505.023/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 1/9/2015, DJe de 22/9/2015). Assim, "quando a acusação não produzir todas as provas possíveis e essenciais para a elucidação dos fatos, capazes de, em tese, levar à absolvição do réu ou confirmar a narrativa acusatória caso produzidas, a condenação será inviável, não podendo o magistrado condenar com fundamento nas provas remanescentes" ( AREsp n. 1.940.381/AL, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/12/2021, D Je de 16/12/2021).
Pelo exposto, não conheço do mandamus. Porém, concedo a ordem de ofício, a fim de desclassificar a conduta do paciente para a prevista no art. 28, caput, da Lei n. 11.343/2006, em atenção ao princípio in dubio pro reo. Publique-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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