STJ Set25 - Revogação de Prisão Preventiva - Estupro de Vulnerável - Prisão em Sentença - Ausência de Fato Novo - Art. 315 do CPP :"fundamentou-se exclusivamente no quantum da pena aplicada e na gravidade abstrata do delito(estupro de vulnerável)"
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de HEXXXXXXX em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO. Consta dos autos que o paciente foi condenado às penas de 26 anos, 6 meses e 21 dias de reclusão no regime fechado como incurso nas sanções do art. 217-A, caput (mais de 7 vezes), c/c o art. 226, II, na forma do art. 71, caput, todos do Código Penal.
O impetrante sustenta que o paciente respondeu a todo o processo em liberdade, cumprindo todas as medidas cautelares impostas, comparecendo a todos os atos processuais e sem qualquer notícia de descumprimento ou risco à vítima.
Argumenta que a decisão que decretou a prisão preventiva na sentença condenatória é teratológica, contraditória e ilegal, violando os princípios da presunção de inocência e do devido processo legal, uma vez que não há fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a segregação cautelar, conforme exigido pelo art. 312, § 2º, do CPP.
Destaca que o paciente é primário, não possui antecedentes criminais, e é o único responsável pelo cuidado de seu filho menor, diagnosticado com transtorno do espectro autista e outros transtornos mentais, o que reforça a necessidade de medidas alternativas à prisão.
Requer, liminarmente e no mérito, a revogação da prisão preventiva, permitindo que o paciente aguarde em liberdade a tramitação do recurso. Subsidiariamente, pleiteia a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão ou a concessão de prisão domiciliar.
É o relatório.
O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável a utilização do habeas corpus como sucedâneo de recurso próprio, previsto na legislação, impondo-se o não conhecimento da impetração.
Nesse sentido: AgRg no HC n. 933.316/MG, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 20/8/2024, DJe de 27/8/2024 e AgRg no HC n. 749.702/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 29/2/2024. Portanto, não se conhece da impetração.
Porém, em atenção ao disposto no art. 647-A do CPP, verifico que o julgado impugnado possui ilegalidade flagrante que permita a concessão da ordem de ofício, conforme se depreende da fundamentação a ser exposta a seguir.
A sentença condenatória decretou a prisão cautelar, justificando a medida com base nos seguintes fundamentos (fl. 49, grifo próprio):
Nos termos do que dispõe o artigo 387 do CPP, passo a analisar a possibilidade de o réu recorrer em liberdade. AB INITIO, imperioso consignar que os relatos da vítima JÚLIA e sobretudo das testemunhas ministeriais KÁXXXXXA e ADENILDA comprovaram a contento que o acusado possui um comportamento típico de um predador sexual, aproveitando de qualquer oportunidade para saciar a sua pervertida e perigosa libido. Como restou comprovado, trata-se de um abusador contumaz. Trata-se, portanto, de uma pessoa perigosa socialmente. Se já não bastasse isso, o depoimento da ex-companheira do denunciado, de nome PATRÍCIA, corroborado pelo próprio interrogatório judicial deste, revelou que o Senhor HERNANDO não está trabalhando e vive o dia cuidando de um filho menor autista. Em outras palavras, o pedófilo HERNANDO tem sob a sua posse e os “seus cuidados”, totalmente desvigiada, uma criança autista e indefesa, tornando a sua presença perigosa à integridade física e sexual do mencionado deficiente (vulnerável). Portanto, como restou devidamente comprovado neste feito, o acusado se comportava como um predador misógino, utilizando-se sempre do mesmo modus operandi para subjugar as “suas vítimas” (no processo há o relato de 3 delas), impondo sobre as mulheres um domínio calcado no medo e na violência (física e psicológica). A sua liberdade impõe efetivo perigo à sociedade feminina. Tais situações, por si sós, denotam um evidente atentado à paz e à segurança social, exigindo a prisão cautelar como forma de salvaguardar a ORDEM PÚBLICA. Ademais, a simples prolação desta sentença, condenando-o ao cumprimento de vários anos de prisão, traz, por conta do histórico acima, o provável risco de sua fuga, restando imperioso o tolhimento de sua liberdade como forma de preservar a APLICAÇÃO DA LEI PENAL. Todos esses pilares, tomados em conjunto (ameaça à ordem pública, reiteração de condutas delituosas e preservação da aplicação da lei penal), consubstanciam-se como fatores de afronta às elementares regras de bom convício social, sendo suficientes para sustentar a conveniência da medida excepcional, qual seja, a decretação da prisão preventiva do réu. Em tempo, ressalto que ante os fatos e circunstâncias aqui explanados, não seria o caso de aplicar em substituição à prisão preventiva quaisquer das outras medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, motivo pelo qual, em plena sintonia com o que dispõe o art. 282 do mesmo diploma legal, entendo que a segregação cautelar do postulante apresenta-se, neste momento processual, como medida mais adequada à situação em exame, sendo necessária para fins de resguardo da paz social, da garantia da ordem pública, bem como da aplicação da lei penal. Destarte, em razão das circunstâncias fáticas e jurídicas desabonadoras do descumprimento das medidas protetivas de urgência, a custódia provisória encontra fundamento no resguardo da ORDEM PÚBLICA e da salvaguarda dos BENS JURÍDICOS PENALMENTE TUTELADOS DA VÍTIMA. Sendo assim, com fulcro nos artigos 387, 312 e seguintes do Código de Processo Penal pátrio, DECRETO a prisão preventiva do acusado HEXXXXXXXXA [...] e, via de consequência, NEGO-LHE o direito de recorrer em liberdade.
No caso concreto, a decretação da prisão preventiva fundamentou-se exclusivamente no quantum da pena aplicada e na gravidade abstrata do delito (estupro de vulnerável).
A sentença proferida carece de elementos fáticos concretos que justifiquem a necessidade da custódia cautelar, revelando-se contrária ao ordenamento jurídico vigente, o qual veda o encarceramento como mera decorrência automática do decreto condenatório.
Imprescindível, no caso, a indicação de fatos novos ou de circunstâncias supervenientes que justificassem a necessidade da medida extrema, situação não verificada, tendo em vista que o paciente respondeu a todo o processo em liberdade sem nenhuma alteração na moldura fática.
Nesse sentido: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TORTURA. SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO. VILIPÊNDIO A CADÁVER. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE. SEGREGAÇÃO DECRETADA 5 ANOS APÓS OS FATOS, SEM FATO NOVO. ORDEM CONCEDIDA. I. Caso em exame 1. Habeas corpus impetrado visando à revogação da prisão preventiva dos pacientes, sob alegação de ausência de requisitos e contemporaneidade para a manutenção da custódia preventiva. O Tribunal de origem havia dado provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público para decretar a prisão preventiva, considerando a vinculação dos pacientes a organização criminosa. I. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste na análise da presença dos requisitos legais para a decretação da prisão preventiva, especialmente a contemporaneidade dos fatos. III. Razões de decidir 3. A prisão preventiva exige prova da existência do crime, indício suficiente de autoria e perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, conforme art. 312 do CPP. 4. A contemporaneidade dos fatos é requisito essencial para a decretação da prisão preventiva, não sendo suficiente a gravidade do crime como fato novo. 5. A ausência de fatos novos e contemporâneos desde a prática dos crimes até a decretação da prisão preventiva inviabiliza a manutenção da custódia cautelar. IV. Dispositivo 6. Ordem de habeas corpus concedida. (HC n. 914.983/MT, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 8/10/2024, DJe de 11/11/2024.)
A ausência desses requisitos, em especial a inobservância do disposto no art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal, que impõe a necessidade de fundamentação concreta para a decretação ou manutenção da custódia por ocasião do sentenciamento, configura manifesto constrangimento ilegal, apto a ensejar a concessão da ordem de ofício.
Assim, constata-se a falta de contemporaneidade, uma vez que o paciente respondeu a todo o processo em liberdade, sem que nenhum fato novo ou fundamento concreto tenha sido apresentado pelo sentenciante para justificar a prisão preventiva.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. NEGATIVA DE RECORRER EM LIBERDADE. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AUSÊNCIA DE FATOS NOVOS. PRISÃO EXTEMPORÂNEA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 387, § 1º, DO CPP. EVIDENCIADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. É pacífico o entendimento de que a urgência intrínseca às medidas cautelares, notadamente à prisão processual, exige a contemporaneidade dos fatos justificadores dos riscos que se pretende evitar com a prisão (HC n. 214.921/PA, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 25/3/2015). 2. A falta de contemporaneidade dos motivos utilizados para a decretação da prisão preventiva e a não indicação de fatos novos para justificar a custódia a tornam ilegal por não atender ao requisito essencial da cautelaridade, pois apenas houve a presunção de que, com a condenação, o réu continuaria na prática delitiva, o que não se admite para decretação da custódia cautelar. 3. Assim, não assiste razão ao Ministério Público Federal, pois denota-se a inobservância do disposto no art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal, estando ausente indicação de fundamentos concretos para a decretação da prisão cautelar. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 895.651/SP, de minha relatoria, Sexta Turma, julgado em 18/12/2024, DJEN de 23/12/2024.)
Ante o exposto, com fundamento no art. 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do habeas corpus. Contudo, de ofício, concedo a ordem para revogar a prisão preventiva decretada em desfavor do paciente, salvo se por outro motivo estiver preso, sendo possível a fixação de outras medidas alternativas ao cárcere, a serem definidas pelo Juízo de primeiro grau, sem prejuízo da decretação de nova prisão, desde que concretamente fundamentada em fatos contemporâneos. Comunique-se, com urgência, às instâncias ordinárias. Cientifique-se o Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se.
Relator
OG FERNANDES
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