STJ Nov23 - Não Cabe Decisão Monocrática para Negar Seguimento a Agravo Interno
HABEAS CORPUS Nº 766125 - MS (2022/0265392-7) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
EMENTA HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE. TRÁFICO DE DROGAS E POSSE DE ARTEFATO EXPLOSIVO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. Ordem concedida nos termos do dispositivo.
DECISÃO Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de Marcia Rodrigues Machado e Mario Cezar Lopes Benitez, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul no julgamento dos Embargos de Declaração no Agravo Interno em Apelação Criminal n. 0003918-13.2021.8.12.0019 (fls. 435/466).
Extrai-se dos autos que o Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca Ponta Porã/MS (Autos n. 0003918-13.2021.8.12.0019) absolveu os pacientes do delito de posse de artefato explosivo (art. 16, § 1º, III, da Lei n. 10.826/2033) e os condenou pela prática do delito de tráfico de drogas, impondo-lhes as penas de 5 anos de reclusão, além do pagamento de 500 dias-multa.
Irresignado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação no Tribunal de origem, sendo dado parcial provimento ao recurso em decisão monocrática proferida pela Desembargadora Relatora para o fim de afastar a fundamentação lançada na sentença de fls. 264/268 quanto ao delito previsto no art. 16, § 1º, III, do Estatuto do Desarmamento, e determinar que o magistrado a quo aprecie, a seu juízo, a eventual prática do mencionado crime ou a causa de aumento de pena constante do art. 40, IV, da Lei n. 11.343/2006, o que faço com supedâneo no art. 138 do Regimento Interno do TJMS (fl. 366).
Inconformada, a defesa interpôs agravo interno perante a Corte a quo, o qual não foi conhecido e teve negado seu seguimento, em decisão monocrática da Desembargadora Relatora (fls. 394/402). Alegando contradição na decisão monocrática que julgou o agravo regimental, a defesa opôs embargos declaratórios que foram rejeitados pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de origem (fls. 435/446).
Daí o presente writ, no qual a defesa sustenta que há flagrante constrangimento ilegal por parte do egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul que, de forma equivocada, negou a submissão do recurso de agravo interno para julgamento perante o Órgão Colegiado competente, mantendo (ao rejeitar os embargos declaratórios) a validade da decisão monocrática que não conheceu do agravo interno (fl. 5).
Aduz que as decisões monocráticas da Desembargadora Relatora e o acórdão do Tribunal de origem estão em desacordo com os procedimentos legais, pois: a) o fundamento exposto na decisão monocrática do recurso de apelação, referente ao entendimento consolidado pela Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, é atinente aos delitos do caput do art. 16 do Estatuto do Desarmamento, e o delito em análise no caso concreto diz respeito ao crime previsto no art. 16, § 1º, III, do mesmo diploma legal; b) inexiste previsão legal de decisão monocrática não conhecendo de agravo interno interposto para combater justamente o julgamento monocrático do decisum anterior; c) o agravo interno manifestamente inadmissível deve assim ser reconhecido pelo órgão colegiado; d) os embargos de declaração opostos à decisão unipessoal devem ser decididos monocraticamente; e e) verifica-se omissão no julgamento dos aclaratórios no ponto específico que tratava do procedimento a ser seguido no processamento do agravo interno (art. 315, § 2º, IV, do Código de Processo Penal).
Requer, assim, a anulação do processo desde a decisão monocrática que não conheceu do agravo interno defensivo, determinando que o TJMS submeta o referido recurso para julgamento perante o órgão colegiado competente (fl. 15). Sem pedido liminar. As informações foram prestadas pela instância ordinária às fls. 453/459.
O Ministério Público Federal, às fls. 464/471, opina pelo não conhecimento do habeas corpus. É o relatório. Por oportuno, a Desembargadora Relatora do agravo interno em apelação deixou de conhecer do recurso, negando-lhe seguimento, delineando (fls. 398/402 - grifo nosso):
[...] De início, a despeito dos argumentos lançados no recurso, por singela leitura do art. 138 do RITJMS, é possível constatar que, até mesmo como forma de garantia da integridade e higidez do sistema de precedentes (trazido pelo Código de Processo Civil), cabe ao relator, por natural, a análise e controle de admissibilidade dos recursos, os quais poderão ser providos e desprovidos de plano não havendo, por isso, qualquer mácula à técnica adotada por esta relatora. Assentada tal premissa, de uma acurada análise do presente recurso, constato que, em verdade, não houve a adequada e necessária contraposição aos fundamentos lançados na decisão vergastada, a qual registrou que o delito em tela, constante do art. 16, § 1º, III, do Estatuto do Desarmamento, possui natureza de crime de perigo abstrato e, como tal, a perícia é desnecessária para a sua configuração. Esse entendimento, como já explicitado, é predominante no Superior Tribunal de Justiça. Trago, para tanto, arestos daquele Tribunal: RECURSO ESPECIAL. PENAL. POSSUIR E FABRICAR ARTEFATO EXPLOSIVO OU INCENDIÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO OU EM DESACORDO COM DETERMINAÇÃO LEGAL OU REGULAMENTAR. ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DA LEI N.º 10.826/03. CRIME DE MERA CONDUTA. PERIGO ABSTRATO CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO. 1. O objeto jurídico tutelado em relação à conduta de possuir artefato explosivo ou incendiário não é a incolumidade física, e sim a segurança pública e a paz social, colocados em risco com a prática do ato à deriva do controle estatal, sendo desnecessária, portanto, perícia para atestar a lesividade daquele artigo e, por conseguinte, caracterizar o crime do art. 16, parágrafo único, III, da Lei 10.826/03. O raciocínio é o mesmo daquele desenvolvido por esta Corte Superior de Justiça para o porte de arma de fogo, acessórios e munição. 2. Recurso especial provido para restabelecer a sentença condenatória de primeiro grau. (REsp n. 1.350.196/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 19/2/2013, DJe de 28/2/2013 – grifei) PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DELITO DE POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. ART. 12 DA LEI N. 10.826/03. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. CONDUTA TÍPICA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Firme nesta Corte o entendimento de que a simples conduta de possuir ou portar ilegalmente arma, acessório, munição ou artefato explosivo é suficiente para a configuração dos delitos previstos nos arts. 12, 14 e 16 da Lei n. 10.826/03, sendo dispensável a comprovação do potencial lesivo. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 1.513.023/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19/11/2019, DJe de 26/11/2019 – grifei) AGRAVO REGIMENTAL. DIREITO PENAL. ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DA LEI N. 10.826/2003. POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARTEFATO EXPLOSIVO. POSSUIR, DETER, FABRICAR OU EMPREGAR ARTEFATO EXPLOSIVO OU INCENDIÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO OU EM DESACORDO COM DETERMINAÇÃO LEGAL OU REGULAMENTAR. DELITO DE PERIGO ABSTRATO. CRIME DE MERA CONDUTA. TIPICIDADE CONFIGURADA. CASSAÇÃO DO ACÓRDÃO ABSOLUTÓRIO. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. 1. Na via especial, a discussão acerca da classificação jurídica dos fatos dispostos nos autos mitiga a incidência da Súmula 7/STJ. 2. Constata-se, da análise do tipo penal (art. 16, parágrafo único, III, da Lei n. 10.826/2003) que a lei visa proteger a incolumidade pública, transcendendo a mera proteção à incolumidade pessoal, bastando, para tanto, a probabilidade de dano, e não a sua efetiva ocorrência. Trata-se, assim, de delito de perigo abstrato, tendo como objeto jurídico imediato a segurança pública e a paz social, bastando para configurar o delito o simples porte do artefato explosivo. 3. Irrelevante aferir a eficácia do artefato bélico para a configuração do tipo penal, que é misto-alternativo, em que se consubstanciam, justamente, as condutas que o legislador entendeu por bem prevenir, seja ela o simples porte de artefato explosivo ou mesmo explosivos desacompanhados dos detonadores (art. 16, parágrafo único, III, da Lei n. 10.826/2003). 4. A insurgência vertida no recurso especial foi debatida e decidida no acórdão a quo, a provocar, consequentemente, o adequado prequestionamento da matéria. 5. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 6. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.477.040/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 4/8/2015, DJe de 20/8/2015 – grifei) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSE OU PORTE ILEGAL DE EXPLOSIVOS DE USO RESTRITO. TIPICIDADE DA CONDUTA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. EXAME PERICIAL. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, firmada nos termos do EREsp 1.005.300/RS, da Terceira Seção, é desnecessária a realização de perícia técnica para atestar a lesividade do artefato explosivo para a configuração do crime previsto no art. 16, parágrafo único, III, da Lei 10.826/03, por se tratar de crime de mera conduta ou de perigo abstrato, no qual é prescindível a demonstração de seu caráter ofensivo. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no AREsp: 1375045 ES 2018/0264164-3, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 26/03/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/04/2019 – grifei) Desta forma, sem necessidade de maiores delongas, a decisão monocrática está em sintonia com o entendimento predominante do Superior Tribunal de Justiça e, por isso, não havendo a adequada contraposição aos fundamentos lá registrados, de rigor o reconhecimento da afronta ao princípio da dialeticidade, o qual, para Gustavo Henrique Badaró, representa: [...] Na mesma trilha é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “indispensável a pertinência temática entre as razões de decidir e os fundamentos fornecidos pelo recurso para embasar o pedido de reforma ou de nulidade do julgado” (RMS 26.530, 6ª T., rel. Min. OG FERNANDES, j. 24/11/2009, DJE 14/12/2009.). [...] Logo, não havendo a impugnação dos fundamentos externados por esta relatora na decisão monocrática vergastada, não há como se conhecer do presente agravo regimental, por afronta ao princípio da dialeticidade.
Por sua vez, a Corte de origem, ao rejeitar os aclaratórios, afirmou (fls. 439/445): [...] Com efeito, o Ministério Público Estadual recorreu da sentença proferida pelo d. Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Ponta Porã que absolveu os então apelados da prática do crime previsto no art. 16, § 1º, III, da Lei 10.826/2003. Esta relatora, então, utilizou-se do disposto no art. 138 do RITJMS para aplicar o entendimento predominante do STJ de que o mencionado crime possui natureza jurídica de perigo abstrato e mera conduta para dar provimento de plano à insurgência recursal. [...] Na oportunidade, fiz referência ao entendimento exarado pela Corte da Cidadania quanto à desnecessidade de laudo pericial para comprovação do potencial lesivo do artefato apreendido. Inconformados, os embargantes reiteraram a insurgência sem que, no entanto, tenham contraposto o principal fundamento para o acolhimento da pretensão ministerial, qual seja: o fato de o crime em tela ser de perigo abstrato e de mera conduta. [...] O fato de a defesa não concordar com o entendimento sedimentado pela Corte da Cidadania, por si, não representa fundamento hábil a justificar a admissão de recursos que sejam manifestamente improcedentes ou que não contemplem a adequada contraposição aos fundamentos externados. Desta forma, diversamente dos argumentos constantes da inicial, não vislumbro contradição a ser sanada representando, por isso, mero inconformismo com relação ao teor do que já foi decidido. [...]
A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que não viola o princípio da colegialidade a decisão monocrática do relator calcada em jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista a possibilidade de submissão do julgado ao exame do órgão colegiado, mediante a interposição de agravo regimental (AgRg no HC n. 540.758/PA, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 10/3/2020).
Com efeito, nas hipóteses previstas no art. 932 do Código de Processo Civil, nas quais o relator está autorizado a decidir monocraticamente, obstar o reexame da matéria pelo órgão a que competiria julgar o recurso original viola o princípio da colegialidade.
Ora, a principal finalidade do agravo interno é submeter o reexame da matéria por parte do órgão colegiado. Por conseguinte, as atribuições do relator, em sede de agravo interno, limitam-se à retratação ou à remessa dos autos ao órgão competente para julgamento, mesmo quando se deparar com recurso flagrantemente inadequado ou que careça de pressupostos ou requisitos para sua interposição (HC n. 707.043/PR, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 21/2/2022).
Nessa ordem de ideias, vejo que a Desembargadora do Tribunal de origem decidiu contrariamente ao entendimento desta Corte Superior de Justiça ao proferir decisão unipessoal em sede de agravo interno. Pelo exposto, concedo a ordem de habeas corpus para anular o julgamento monocrático do agravo interno, determinando que o recurso seja julgado pelo Colegiado do Tribunal de origem.
Comunique-se. Intime-se o Ministério Público estadual. Publique-se. Brasília, 20 de novembro de 2023. Ministro Sebastião Reis Júnior Relator
(HC Nº 766125 - MS (2022/0265392-7) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, 6 Turma, Dje: 22/11/2023)
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