STJ Abr24 - Execução Penal - Livramento Condicional - Imposição de Condições Especiais - Nulidade :"Imposição de Forma Ampla e Genérica, para todos os encarcerados de uma comarca, sem correlação com a situação individual e concreta do condenado"

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


HABEAS CORPUS Nº 756315 - MG (2022/0217571-2)

DECISÃO

Cuida-se de habeas corpus com pedido de liminar, impetrado em favor WXXXXXXXXXXS, em que aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (Agravo em Execução Penal nº 1.0000.22.035732-1/001).

O Juízo da Vara de Execução Penal da Comarca de Guaxupé/MG, "tendo em vista o aumento considerável de boletins de ocorrência noticiando descumprimento das regras fixadas para o livramento condicional", reviu as condições gerais da comarca a serem aplicadas ao mencionado benefício (e-STJ fls. 54/55).

Irresignada, a defesa interpôs agravo em execução perante o Tribunal de origem, o qual negou provimento ao recurso nos termos do acórdão assim ementado (e-STJ fl. 74):

EMENTA: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - LIVRAMENTO CONDICIONAL - FIXAÇÃO DE CONDIÇÕES NÃO PREVISTAS EM LEI - POSSIBILIDADE - DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ DA EXECUÇÃO - INTELIGÊNCIA DO ART. 132, § 2º, DA LEP. Não há que se falar na revogação das novas condições fixadas pela Juíza da Execução, se elas são factíveis e foram estabelecidas de maneira judiciosa e fundamentada, levando em consideração a realidade da Comarca e em conformidade com o que determina o art. 132, § 2º, da Lei de Execucoes Penais.

No presente writ, a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais alega, em síntese, que: a) "o incremento das restrições no cumprimento de pena do livramento condicional não é medida acertada e proporcional, uma vez que o comportamento do paciente tem se mostrado satisfatório durante o cumprimento de sua pena" (e-STJ fl. 11); b) "a autoridade coatora decidiu pelo agravamento das condições do regime aberto e do livramento condicional para todos os reclusos" (e-STJ fl. 16); c) "segundo a autoridade coatora, em razão de alguns sentenciados descumprirem regras fixadas para o livramento condicional/regime aberto, todos os sentenciados devem passar a seguir regras extremamente rígidas, sob pena de revogação do benefício e regressão de regime" (e-STJ fls. 16-17); d) "a fixação de condição facultativa de forma genérica fere o princípio da individualização da pena e da isonomia" (e-STJ fl. 18); e e) "a fiscalização do cumprimento da pena com imposição de sanções ou condições deve ser avaliada com prudência e temperança, de modo a cumprir o seu objetivo" (e-STJ fl. 19).

Por isso, requer, liminarmente, "a suspensão dos efeitos das decisões impugnadas e o cumprimento das condições liberatórias reputadas ilícitas, até o julgamento de mérito desta impetração; e por conseguinte, a expedição do salvo conduto ao paciente" (e-STJ fl. 21) e, no mérito, a concessão da ordem para afastar das condições facultativas fixadas sem fundamentação concreta.

Liminar indeferida (e-STJ fls. 84/85).

Informações prestadas (e-STJ fls. 88/103).

Parecer do Ministério Público Federal pelo não conhecimento do habeas corpus e pela concessão da ordem, de ofício, "para cassar o acórdão impugnado e a decisão do Juízo de Execução Penal de Guaxupé (MG), na parte em que aplicou condições, além das legais, para o cumprimento do livramento condicional, sem fundamentação idônea" (e-STJ fl. 118).

É o relatório.

Decido.

No caso dos autos, o Tribunal de origem negou provimento ao agravo em execução interposto pela defesa, consignando, para tanto, que (e-STJ fls. 75/81):

Verifica-se que em 09 de dezembro de 2020 foi concedido ao acusado o livramento condicional, sendo, na ocasião, fixadas as seguintes condições:
"(...) 1) Comparecer mensalmente na Secretaria deste Juízo, até o dia dez (10) de cada mês, a fim de assinar o Livro de Controle de Comparecimento e justificar suas atividades, comprovando, mediante juntada de documento, que efetivamente está trabalhando; 2) Não se mudar do endereço declinado sem prévia autorização deste Juízo; 3) Recolher-se à sua residência, de segunda a sábado, às 20:00 horas, ela podendo de ausentar somente após as 06:00 horas do dia seguinte;
4) Permanecer recolhido aos domingos e feriados, dentro de sua residência, das 20h do sábado até as 06 da segunda-feira; 5) Não frequentar bares, boates, locais congêneres, nem reuniões, espetáculos ou diversões públicas; 6) Não ingerir bebida alcoólica de espécie alguma, nem portar ou fazer uso de substâncias entorpecentes; 7) No caso de descumprimento injustificado das condições constantes nos itens acima, será imediatamente determinando o seu recolhimento à cela, independentemente de nova intimação e não se computará na pena, nesses casos, o tempo em que esteve solto. (ordem 06, fl. 4) Posteriormente, no dia 19 de janeiro de 2022, a Juíza prolatou nova decisão, alterando as condições outrora fixadas para as seguintes:
1) Comparecer mensalmente na Secretaria deste Juízo, até o dia 10 (dez), a fim de assinar o Livro de Controle de Comparecimento e justificar suas atividades, comprovando, mediante juntada de documento, que efetivamente está trabalhando;
2) Não se mudar do endereço declinado sem prévia autorização deste Juízo;
3) Recolher-se à sua residência, diariamente, até as 19h00min, dela podendo se ausentar somente após as 06h00min do dia seguinte, não podendo, ainda, sair às ruas no horário em que deveria permanecer em casa, salvo se por razões justificadas. O sentenciado fica ciente que o recolhimento deve se dar no interior da residência (do portão fechado ou porta fechada para dentro), ou seja, não deverá permanecer na calçada ou entrada da residência;
4) Permanecer recolhido na residência das 19:00 horas do sábado até às 06:00 horas de segunda-feira, ou seja, permanecer recolhido durante todo o dia de domingo, bem como nos dias de feriados;
5) Não frequentar bares, boates, botequins, casa de prostituição ou lugares semelhantes, nem que seja para comprar mercadoria diversa de bebida alcoólica;
6) Não ingerir bebida alcoólica de espécie alguma, nem portar ou fazer uso de substâncias entorpecentes;
7) Realizar o teste do etilômetro sempre que determinado pela Polícia Militar, a qualquer hora do dia ou da noite e em qualquer local, mesmo que no domicílio;
8) Não permanecer na companhia de outros sentenciados e/ou pessoas que respondam a processos criminais;
9) Não manter relação profissional com sentenciados e/ou pessoas que respondam a processos criminais (patrão-funcionário);
10) O apenado deverá instalar campainha ou qualquer instrumento sonoro na porta ou portão da residência, para acionamento pela Polícia Militar quando das fiscalizações, ficando ciente que estas serão realizadas durante todo o período noturno e aos domingos e feriados em tempo integral, por várias vezes no mesmo dia ou mesma noite. Aquele que residir em condomínio sem síndico, deverá estar sempre disponível para fiscalização, sendo de exclusiva responsabilidade do apenado a indicação da forma de contato;
11) O apenado fica ciente que a transferência da execução para outra comarca somente será autorizada se apresentado comprovante de endereço no seu nome ou em nome de familiar e proposta de trabalho real (que será fiscalizada, previamente, pela Polícia Militar);
12) O apenado residente na zona rural terá o prazo de 24 horas para apresentar em Juízo as coordenadas geográficas do seu endereço residencial; (ordem 06) Irresignada, a Defensoria Pública interpôs o presente agravo, argumentando que as novas condições seriam"extremamente rígidas e desproporcionais"e, ainda, que a decisão impugnada seria carente de fundamentação concreta.
Todavia, entendo que não merece guarida a pretensão defensiva.
Como cediço, o benefício do livramento condicional nada mais é do que a antecipação provisória da liberdade daqueles condenados que estão próximos ao término do cumprimento de suas reprimendas corporais. A mens legis do aludido benefício é possibilitar a tais reeducandos, até por razões de política criminal, um retorno progressivo ao pleno convívio em sociedade.
Neste contexto, a Lei de Execucoes Penais determina que sejam fixadas condições específicas para que o apenado goze de tal benefício, possibilitando que a retirada gradual da vigilância a que está submetido permita a sua reinserção na sociedade.
A Lei faculta, ainda, que o Juiz da Execução fixe outras condições que julgar necessário, ainda que não previstas em Lei, o que tem como objetivo adequar os preceitos legais à realidade da Comarca e, assim, garantir que o benefício atenda ao seu propósito. Confira-se:
Art. 132. Deferido o pedido, o Juiz especificará as condições a que fica subordinado o livramento.
§ 1º Serão sempre impostas ao liberado condicional as obrigações seguintes:
a) obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para o trabalho;
b) comunicar periodicamente ao Juiz sua ocupação;
c) não mudar do território da comarca do Juízo da execução, sem prévia autorização deste.
§ 2º Poderão ainda ser impostas ao liberado condicional, entre outras obrigações, as seguintes:
a) não mudar de residência sem comunicação ao Juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção;
b) recolher-se à habitação em hora fixada;
c) não frequentar determinados lugares.
Diante disso, tenho que devem ser mantidas as novas condições fixadas na decisão impugnada, porquanto a Juíza a quo entendeu que necessárias para garantir a efetiva fiscalização daqueles que se encontram em gozo do livramento condicional, atendando-se ao fato de que houve"aumento considerável de boletins de ocorrência noticiando descumprimento das regras fixadas para o livramento condicional, o que inevitavelmente demonstra indisciplina e desobediência dos apenados em relação às determinações das autoridades e seus agentes"(ordem 06).
Registro que já aportaram nesta c. 9ª Câmara Criminal especializada outros processos que versam sobre semelhantes decisões, oriundas da mesma Comarca de Guaxupé/MG, oportunidades em que, à unanimidade, foram mantidas as novas condições fixadas pela Juíza da Execução. (. ..)
Ressalto que o fato de a decisão ter sido fundamentada também em fatos praticados por outros reeducandos não implica, ao contrário do alegado pela defesa, em imposição de sanção coletiva. Trata-se, na realidade, de fundamentação baseada na política criminal da Comarca de origem, que se mostra em total harmonia com as narradas especificidades do local.
De igual modo, a imposição de condições não expressamente previstas em Lei não implica em excesso de execução, uma vez que, como já pontuado, o art. 132, 2º, da LEP autoriza que o Juiz da Execução fixe outras obrigações que garantam a efetiva fiscalização do benefício, ainda que não previstas em Lei.
Aliás, as condicionantes afetas a eventuais benefícios da execução penal não se baseiam em critério de conforto ou conveniência do reeducando; muito ao contrário, elas devem ser efetivas o suficiente para exteriorizar, com eloquência, a gravidade do processo executivo e de reinserção social.
É conveniente, em casos como este, que se prestigie o chamado princípio da confiança que deve ser depositado nas autoridades públicas inseridas na realidade da execução penal da Comarca, que possuem melhores condições de aferir quais as medidas necessárias no caso concreto.
Assim, não há que se falar na revogação das novas condições fixadas pela Juíza da execução, eis que estabelecidas de maneira fundamentada, judiciosa, factível, que leva em consideração a realidade da Comarca e, ainda, em conformidade com o que determina a Lei.

Inicialmente, cumpre-me asseverar que o Juízo da execução penal pode estabelecer condições especiais para o livramento condicional, sem prejuízo das condições gerais e obrigatórias (art. 132, § 2º, da LEP).

No entanto, consoante orienta a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, não é possível a fixação de condições especiais para o cumprimento da pena em livramento condicional de forma ampla e genérica, para todos os encarcerados de uma comarca, sem correlação com a situação individual e concreta do condenado.

Em casos análogos, inclusive da mesma comarca, esta Corte decidiu no sentido oposto ao do acórdão impugnado.

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.
EXECUÇÃO PENAL. IMPOSIÇÃO DE CONDIÇÕES ESPECIAIS PARA O CUMPRIMENTO DE PENA EM LIVRAMENTO CONDICIONAL, QUE DESBORDAM DAS CONDIÇÕES GERAIS PREVISTAS NO ART. 132 DA LEP. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO RELACIONADA AO CASO ESPECÍFICO DO EXECUTADO. ILEGALIDADE DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido de que" É lícito que o magistrado, observando as particularidades do caso concreto, fixe condições especiais, além das gerais e obrigatórias, para o cumprimento da pena em regime aberto, podendo também, modificar as condições já estabelecidas, desde que as circunstâncias recomendem a alteração ". (REsp 1649771/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018.)
2. Isso não obstante, a criação de regra que destoe das condições gerais e obrigatórias previstas no art. 132 da LEP pressupõe, necessariamente, seja a imposição acompanhada de fundamentação que justifique adequadamente a adequação da restrição imposta ao executado à sua situação concreta.
3. No caso concreto, as informações prestadas pelo Juízo das execuções da Comarca de Guaxupé/MG deixam claro que as condições especiais foram implementadas tendo em conta descumprimentos das anteriores regras gerais fixadas para o livramento condicional ocorridos na Comarca, mas não relacionados ao paciente.
4. De consequência, forçoso reconhecer a ilegalidade das condições especiais, visto que o Juízo das execuções deixou de demonstrar, fundamentadamente, a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida com relação ao comportamento carcerário do apenado, não a individualizando diante das particularidades do caso concreto e, em consequência, não apresentando motivação válida para a sua imposição. Precedentes desta Corte que examinaram situação em tudo semelhante à posta nos autos e também concluíram pela ilegalidade das condições especiais para o livramento condicional: HC 756.314/MG, Rel. Min. JESUÍNO RISSATO (Desembargador convocado do TJDFT), DJe de 18/08/2022; HC 753.946/MG, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe de 09/08/2022; HC 752.402/MG, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, DJe de 1º/07/2022.
5. Agravo regimental do Ministério Público Federal ao qual se nega provimento.
(AgRg no HC 749.408/MG, relator o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/09/2022, DJe de 04/10/2022).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. LIVRAMENTO CONDICIONAL.
RECRUDESCIMENTO DAS CONDIÇÕES. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA.
ILEGALIDADE CONSTATADA.
1. O Juízo das execuções estabeleceu regras gerais para o livramento condicional, em razão do" aumento considerável de boletins de ocorrência noticiando descumprimento das regras fixadas para o LIVRAMENTO CONDICIONAL, o que inevitavelmente demonstra indisciplina e desobediência dos apenados em relação às determinações das autoridades e seus agentes (art. 44 da LEP) [...]".
2. Em situação semelhante, consigna a jurisprudência desta Corte Superior que" É lícito que o magistrado, observando as particularidades do caso concreto, fixe condições especiais, além das gerais e obrigatórias, para o cumprimento da pena em regime aberto, podendo também, modificar as condições já estabelecidas, desde que as circunstâncias recomendem a alteração ". (REsp 1649771/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018).
3. No caso, contudo, não se verifica a indicação de fato concreto cuja responsabilidade seja atribuída ao paciente, a fim de justificar que o livramento condicional a seu respeito seja recrudescido, sendo estabelecidas condições mais gravosas. Na verdade, em razão de fato de terceiro, porque outros detentos estariam com constante descumprimento das regras, o paciente está sendo apenado.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 749.880/MG, relator o Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 04/10/2022, DJe de 07/10/2022).

Nessas circunstâncias, verifico a existência de constrangimento ilegal apto a ensejar a concessão da ordem.

Ante o exposto, concedo a ordem para afastar as condições supralegais fixadas pelo MM. Juiz da Execução Penal da comarca de Guaxupé-MG e ratificadas pelo Tribunal de Justiça local, para o cumprimento do livramento condicional, recomendando que o estabelecimento de condições especiais se dê de forma individualizada e fundamentada.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 08 de abril de 2024.

Ministra Daniela Teixeira Relatora

(STJ - HC: 756315, Relator: Ministra DANIELA TEIXEIRA, Data de Publicação: 09/04/2024)

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