STF Set23 - Homicídio - Pronuncia Nula - Baseada em Depoimentos do Inquérito, Retratados em Juízo

 

Inteiro Teor

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 230.951 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR : MIN. ANDRÉ MENDONÇA

DECISÃO

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO DOLOSO. PROCEDIMENTO DO JÚRI. FASE DO JUDICIUM ACCUSATIONIS . FINALIDADE: FILTRO A ACUSAÇÃO INVIÁVEL. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. INDÍCIOS DE AUTORIA: FRAGILIDADE. DECISÃO BASEADA SOMENTE EM ELEMENTOS INVESTIGATIVOS NÃO CONFIRMADOS EM JUÍZO. ART. 155 DO CPP: VIOLAÇÃO. PROVIMENTO.

1. Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto contra acórdão pelo qual a 5a Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 738.284/RS.

2. Extrai-se dos autos que o recorrente foi pronunciado pela prática do crime do art. 121§ 2º, inc. I, do Código Penal (homicídio qualificado).

3. O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso em sentido estrito interposto pela defesa.

4. Contra esse acórdão, formalizou-se a impetração no STJ, a qual não foi conhecida. Na sequência, a 5a Turma negou provimento ao agravo

regimental mencionado.

5. Neste recurso, a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul destaca a relevância da fase preliminar do procedimento do Júri. Alega que não ficaram demonstrados indícios suficientes de autoria a respaldar a pronúncia, que diz baseada somente em depoimento de adolescente colhido na fase policial e não confirmado em juízo. Destaca inexistir prova judicializada sinalizando a participação do recorrente na empreitada criminosa. Assinala ser dispensável revisão de fatos e prova. Requer a despronúncia do recorrente.

6 A Procuradoria-Geral da República manifesta-se pelo não provimento do recurso (e-doc. 102).

É o relatório.

Decido.

7. O procedimento do Júri é bifásico, constituído por uma etapa preliminar e outra voltada ao julgamento propriamente dito em Plenário. Aquela que se desenvolve perante o juiz singular é denominada de sumário da culpa (ou judicium accusationis) e se encerra, quando viável a acusação, com a sentença de pronúncia. Faz-se um juízo de admissibilidade da acusação, a fim de delimitá-la e demonstrar a prova da materialidade do crime e os indícios suficientes de autoria.

8. A razão de ser desta fase, anterior à submissão da matéria ao Tribunal do Júri, se assenta no fato de que os jurados, em regra, são pessoas das quais não se espera qualquer conhecimento técnico-jurídico. Este exame prévio não tem natureza meramente protocolar, servindo para, além de simplificar e delimitar o fato a ser julgado, evitar a submissão imediata (e temerária) da inicial acusatória, por crime contra

a vida, ao crivo de juízes leigos, inaptos à tarefa de distinguir acusações com e sem justa causa .

9. Com efeito, vale lembrar que o Tribunal do Júri adota o sistema da íntima convicção ( CPP, art. 472), ou seja, o jurado julga a partir do seu convencimento pessoal, não sendo necessário justificar ou motivar sua decisão.

10. Outrossim, vigora o princípio da soberania dos veredictos, o que implica, em regra, a imutabilidade das decisões do Júri, salvo as restritas hipóteses legais de cabimento da apelação - CPP, art. 593, inc. III. Nesse sentido, no caso de provimento de recurso em face de veredicto do Júri contrário à prova dos autos, não se retorna à fase do sumário da culpa, sendo apenas o réu sujeito a novo julgamento, valendo salientar que "não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação" ( CPP, art. 593§ 3º). Portanto, não resta dúvida, a fase de pronúncia deve constituir uma barreira importante à eventual condenação injusta.

11. A respeito da finalidade e relevância da mencionada fase preparatória, tomo de empréstimo as palavras do doutrinador Guilherme de Souza Nucci:

"A finalidade da existência de uma fase preparatória de formação da culpa , antes que se remeta o caso à apreciação dos jurados, pessoas leigas, recrutadas nos variados segmentos sociais, é evitar o erro judiciário, seja para absolver, seja para condenar. Porém, fundamentalmente, para evitar a condenação equivocada . Afinal, o Estado se comprometeu a evitar o erro judiciário e, não sendo possível, envidará esforços a repará-lo (art. 5º, LXXXV, CF)."

(NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do júri. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2020, p. 66; grifos nossos).

12. Dito isso, espera-se, ao menos, que seja erigida uma barreira a acusações sem um mínimo respaldo em prova judicial. Vale destacar que o Estado democrático de direito não se coaduna com uma atuação jurisdicional que, valendo-se do famigerado brocardo in dubio pro societate , submete ao crivo de julgadores leigos causas cuja fragilidade levaria o próprio juiz togado a absolver o réu.

Estabelecidas estas premissas, passo ao caso concreto.

13. O Juízo de piso, ao pronunciar o recorrente, aludiu a depoimento de menor envolvido no crime, colhido na etapa investigatória, em que pese tenha havido retratação em juízo. Confira-se:

"BXXXXXXXXXXXs, em seu depoimento disse ser irmão de Vagner e que Denísio morava na mesma vila. Pediu uma corrida para a vítima levar a mulher do depoente a um lugar, mas ele" se passou "com ela, mas o depoente deixou assim, então chamou outra corrida e ele parou em frente ao motel com a mulher do depoente e a convidou para entrar. Tinha 13 anos na época. Tinha um revólver calibre .32 na época dos fatos e Elizer tinha uma pistola, então convidou para matar a vítima, chamando-a para fazer uma corrida para o Gigante do Vale, então mandou ele encostar o carro depois da passarela e o matou junto com Eliezer. Disseram que foi seu irmão, Bruno, mas não foi, foi o depoente. O nome da mulher do depoente na época era Andressa. A vítima sabia que era o depoente que estava pedindo corrida. O irmão da vítima viu que era o depoente que estava pedindo a corrida, mas não sabe o nome dele. Traficava quando era menor, na vila. O motel era para cima do posto do Sapatão.

Bruno XXXXXXXXXXX s, em seu depoimento nada soube dizer para auxiliar na elucidação dos fatos.

(...)

Eliezer XXXXXXXXXXXXX, em seu depoimento disse que conhecia a vítima. O depoente era foragido de homicídios em Guaíba e de outro na Roselândia. Bruno o convidou para matar a vítima, então foi, já que Bruno era novinho. Chamaram uma corrida com a vítima e embaixo do viaduto deu dois tiros na nuca da vítima e depois mais um, então Bruno também disparou. Mataram Dionísio porque ele se" passou "com a esposa de Bruno.

(...)

Por fim, quanto a Jonatan XXXXXXXXXX, também aportaram aos autos elementos que indicam sua participação no crime, sendo que o menor Bruno lhe atribuiu a autoria quando ouvido na fase policial. E, embora depois tenha se retratado ele próprio (Bruno) assumido a autoria, há versões conflitantes do ocorrido, havendo possibilidade de que o menor esteja assumindo inteiramente o crime para fins de possibilitar impunidade a seus comparsas.

E havendo dúvidas, devem ser pronunciados os réus." (e- doc. 5, p. 6,7 e 11)

14. O Tribunal de Justiça, ao manter a decisão supracitada, fez ver a suficiência dos depoimentos prestados na fase do inquérito, embora não confirmados em Juízo (Bruno XXXXXX, Eliezer e Bruno XXXXXs), ressaltando que naquele momento processual não vigora o princípio in dubio pro reo . Confiram-se os principais pontos do acórdão proferido:

"Bruno XXXXXX disse ter sabido da boca do próprio Bruno Prestes que foi o seu irmão VagnerXXXXXXX e William XXXXX, embora em juízo tenha esquecido.

A testemunha Eliezer também apontou Vagner XXXXXXX e

William XXXXXXX como autores do delito.

Ainda Jonatan XXXXXXXXXXX, vulgo WilliamXXXXX, foi apontado por BrunoXXXXXXXs como matador de Denísio.

Diante desses elementos, o que fica claro é que prova não é única e totalmente a favor da escusativa dos acusados, existindo elementos a apontá-los como autores do delito, sendo Antônio o suposto mandante e os supostos executores teriam sido Vagner e Jonatan XXXXXXX.

Veja-se que os elementos que, em tese, amparariam as escusativas, não são únicos nos autos. Ou seja, a prova não é totalmente favorável aos recorrentes que negaram a autoria. E, portanto, dessa forma, a opção de qual a vertente probatória que é mais verossímil é de escolha dos jurados

(...)

Calha salientar que, nesta fase, não tem aplicação o princípio in dubio pro reo devendo esse ser observado, se assim entender, por quem tem competência para julgamento do mérito da causa, ou seja, pelos jurados, consoante precedente do STJ que colaciono: (...)" (e-doc. 6, p. 25-26 ; grifos nossos).

15. Na mesma linha decidiu o STJ, ressaltando que a prova oral colhida daria respaldo à submissão do recorrente a julgamento perante o Tribunal do Júri (e-doc. 63).

16. Quanto aos termos da decisão de pronúncia, o art. 413 do Código de Processo Penal é o dispositivo de regência da matéria:

"Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1º-A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena." (grifos nossos).

17. O standard probatório exigido, que se extrai do art. 413 do CPP, mais especificamente da expressão "indícios suficientes", por óbvio, não é mesmo do que relativo à sentença condenatória (prova da acusação além da dúvida razoável), isto é, não se exige uma demonstração inequívoca da culpa. Nada obstante, é indispensável prova suficiente a evidenciar um juízo de probabilidade da culpa superior ao que se espera do momento do recebimento da denúncia, por exemplo. Mostra-se necessário um grau de probabilidade considerável da culpa, não se contentando a lei com a mera possibilidade.

18. Entretanto, no caso concreto, ao contrário do que se espera, a pronúncia, de fato, calcou-se em frágil conjunto probatório, insuficiente a submeter o recorrente a julgamento popular. Levou-se em conta, exclusivamente, depoimentos colhidos na fase investigatória do menor BrunoXXXXXXs, envolvido no crime, e de outra pessoa (Bruno XXXXXXX) que teria ouvido dele relato imputando participação ao recorrente . Ocorre que, ambos se retrataram em juízo, passando a relatar, o primeiro, que seria autor do crime, e a outra pessoa, que não se lembrava do depoimento prestado na delegacia.

19. Quanto ao menor Eliezer, que na fase judicial assumiu a responsabilidade pelo crime em conjunto com o outro menor Bruno XXXXXXX, na fase investigatória, ao contrário do que destacou o Tribunal de Justiça no julgamento do recurso em sentido estrito, não atribuiu responsabilidade pelo delito ao recorrente, conforme teor da decisão de

pronúncia e memoriais apresentados pela acusação (e-doc. 17), nos quais se detalha toda a prova oral colhida. Ainda que assim não fosse, em juízo, prestou depoimento cujo teor não envolvia o recorrente, nem mesmo de maneira indireta.

20. Portanto, em vista da ausência de prova judicial, tem-se, em última análise, decisão de pronúncia baseada apenas elementos coligidos na fase de inquérito e não confirmados em juízo . A meu sentir, claramente houve transgressão ao disposto no art. 155 do CPP, o qual transcrevo, in verbis:

"Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação , ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas."

21. Pelo que se depreende da norma, dá-se um maior valor aos dados colhidos observando-se os princípios constitucionais que regem todo o sistema processual penal brasileiro - devido processo legal, contraditório e ampla defesa, CRFB, art. 5º, incs. LIV e LV.

22. A premissa se aplica tanto à sentença condenatória quanto à decisão de pronúncia. Desse modo, com a vedação à decisão de pronúncia lastreada somente em dados investigativos, evita-se, por conseguinte, que os jurados condenem o réu apenas com base em elementos colhidos sem a participação da defesa na sua formação, já que nada assegura o surgimento de prova nova durante os debates em Plenário . No Tribunal do Júri, a garantia de não sofrer condenação com base exclusivamente em elementos do inquérito ganha ainda mais relevância, pois, como dito, os jurados - cujas decisões, em regra, são soberanas - não precisam motivar suas conclusões (julgam a partir da

íntima convicção), fato que pode dificultar, ou mesmo inviabilizar, a verificação de uma condenação em desconformidade com o art. 155 do CPP.

23. Visando a elucidar a matéria, consigno, a esse respeito, os seguintes ensinamentos:

"Se os elementos informativos colhidos na investigação, isoladamente considerados, não podem ser usados para a formar a convicção do juiz ( CPP, art. 155), é de rigor a conclusão no sentido de que também não poderão servir como fundamento exclusivo da decisão de pronúncia. Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir a pronúncia do réu, dada sua carga decisória, sem qualquer lastro probatório colhido em juízo (...)." 1

24. Sem embargo, não significa que se devam abandonar os elementos coligidos na fase inquisitorial, mas apenas que estes, sozinhos, não sustentam o livre convencimento motivado do julgador togado. Ensina a doutrina que tais elementos podem servir para corroborar o que foi produzido na fase judicial , desde que não haja colisão. Com efeito, quando houver divergência com a prova judicial, esta última, pelas razões expostas, deve prevalecer. Para se estabelecer o sentido dessa corroboração, reporto-me às seguintes lições:

"Tanto os elementos de informação do inquérito quanto as provas em contraditório devem ser convergentes, apontando para um convencimento judicial no mesmo sentido . Não será possível ao julgador, no caso em que haja

1 Lima, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal : volume único. 9. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. Juspodivm, 2021, p.1232

provas produzidas em contraditório em um sentido, e elementos colhidos no inquérito no outro sentido, ficar com essa versão e, com base nela, condenar o acusado . Nesse caso, substancialmente, o acusado terá sido condenado exclusivamente com base nos elementos de formação colhidos no inquérito, sem a observância do contraditório.

Por fim, é de se ver que a corroboração das provas deve ter por objeto uma mesma afirmação sobre fato juridicamente relevante para a decisão da causa, independentemente de ser o mesmo tipo de prova, ou a mesma fonte de prova." (BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 8. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020.; grifos nossos).

25. Dito isso, constata-se inexistir conjunto fático-probatório capaz de dar apoio à decisão de pronúncia, impondo-se a sua cassação. Os elementos investigatórios que supostamente indicariam a participação do recorrente, além de não confirmados em juízo, não foram corroborados, nem mesmo minimamente, por nenhum dos demais dados colhidos em juízo. Pelo contrário, outra versão dos fatos, que também surgiu na fase investigatória, acabou ganhando contornos mais nítidos , deixando os elementos colhidos na fase inquisitiva relativos ao recorrente sem qualquer confirmação.

26. Em arremate, faço a seguinte ponderação. Caso os elementos colhidos na fase investigatória fossem suficientes, por si sós, à submissão de acusado ao julgamento do Plenário do Júri, não haveria necessidade da etapa preliminar, isto é, da primeira fase do procedimento do júri. Nessa hipótese, o inquérito seria apresentado pelo Órgão acusador ao magistrado; este, então, de imediato, efetuaria o juízo preliminar de admissão da acusação, encerrando-se a fase do judicium accusationis . Ora, por óbvio, não é o que se extrai da interpretação das normas legais e constitucionais sobre a matéria, sendo incabível relegar a instrução probatória da fase do sumário da culpa a um papel de irrelevância e neutralidade, sob pena de se tornar inócua etapa processual obrigatória e indispensável à consecução do justo processo.

27. A ilustrar toda a motivação consignada, cito os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal :

"EMENTA:"HABEAS CORPUS"- TRIBUNAL DO JÚRI - DECISÃO DE PRONÚNCIA - IMPOSSIBILIDADE DE REFERIDO ATO DECISÓRIO TER COMO ÚNICO SUPORTE PROBATÓRIO ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO PRODUZIDOS, UNILATERALMENTE, NO ÂMBITO DE INQUÉRITO POLICIAL OU DE PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL INSTAURADO PELO PRÓPRIO MINISTÉRIO PÚBLICO - TRANSGRESSÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA PLENITUDE DE DEFESA, VIOLANDO-SE, AINDA, A BILATERALIDADE DO JUÍZO - O PROCESSO PENAL COMO INSTRUMENTO DE SALVAGUARDA DA LIBERDADE JURÍDICA DAS PESSOAS SOB PERSECUÇÃO CRIMINAL - (...). - O sistema jurídico-constitucional brasileiro não admite nem tolera a possibilidade de prolação de decisão de pronúncia com apoio exclusivo em elementos de informação produzidos, única e unilateralmente, na fase de inquérito policial ou de procedimento de investigação criminal instaurado pelo Ministério Público, sob pena de frontal violação aos postulados fundamentais que asseguram a qualquer acusado o direito ao contraditório e à plenitude de defesa. Doutrina. Precedentes. - Os subsídios ministrados pelos procedimentos inquisitivos estatais não bastam, enquanto isoladamente considerados, para legitimar a decisão de pronúncia e a consequente submissão do acusado ao Plenário do Tribunal do Júri. - O processo penal qualifica-se como instrumento de salvaguarda da liberdade jurídica das pessoas sob persecução criminal. Doutrina. Precedentes. - (...)."

(HC nº 180.144/GO, Rel. Celso de Mello, Segunda Turma,

j. 10/10/2020, p. 22/10/2020; grifos nossos).

"SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. IMPRONÚNCIA. PROVIMENTO DO APELO MANTIDO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: PRONÚNCIA DO RÉU. SENTENÇA DE PRONÚNCIA: JUÍZO PROVISÓRIO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO: EXIGÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE E DE INDÍCIOS DE AUTORIA NEGADO NA ESPÉCIE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO. CONCESSÃO DA ORDEM PARA RESTABELECER A DECISÃO DE IMPRONÚNCIA . AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO."

(HC nº 179.201-AgR-segundo/PI, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, j. 20/10/2020,p. 17/11/2020, grifos nossos).

"Penal e Processual Penal. 2. Júri. 3. Pronúncia e standard probatório: a decisão de pronúncia requer uma preponderância de provas, produzidas em juízo, que sustentem a tese acusatória, nos termos do art. 414CPP. 4. Inadmissibilidade in dubio pro societate : além de não possuir amparo normativo, tal preceito ocasiona equívocos e desfoca o critério sobre o standard probatório necessário para a pronúncia. 5. Valoração racional da prova: embora inexistam critérios de valoração rigidamente definidos na lei, o juízo sobre fatos deve ser orientado por critérios de lógica e racionalidade, pois a valoração racional da prova é imposta pelo direito à prova (art. 5º, LV, CF) e pelo dever de motivação das decisões judiciais

(art. 93, IX, CF). 6. Critérios de valoração utilizados no caso concreto: em lugar de testemunhas presenciais que foram ouvidas em juízo, deu-se maior valor a relato obtido somente na fase preliminar e a testemunha não presencial, que, não submetidos ao contraditório em juízo, não podem ser considerados elementos com força probatória suficiente para atestar a preponderância de provas incriminatórias. 7. Dúvida e impronúncia: diante de um estado de dúvida, em que há uma preponderância de provas no sentido da não participação dos acusados nas agressões e alguns elementos incriminatórios de menor força probatória, impõe-se a impronúncia dos imputados, o que não impede a reabertura do processo em caso de provas novas (art. 414parágrafo únicoCPP). Primazia da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF e art. 8.2, CADH). 8. Função da pronúncia: a primeira fase do procedimento do Júri consolida um filtro processual, que busca impedir o envio de casos sem um lastro probatório mínimo da acusação, de modo a se limitar o poder punitivo estatal em respeito aos direitos fundamentais. 9. Inexistência de violação à soberania dos veredictos: ainda que a Carta Magna preveja a existência do Tribunal do Júri e busque assegurar a efetividade de suas decisões, por exemplo ao limitar a sua possibilidade de alteração em recurso, a lógica do sistema bifásico é inerente à estruturação de um procedimento de júri compatível com o respeito aos direitos fundamentais e a um processo penal adequado às premissas do Estado democrático de Direito. 10. Negativa de seguimento ao Agravo em Recurso Extraordinário. Habeas corpus concedido de ofício para restabelecer a decisão de impronúncia proferida pelo juízo de primeiro grau, nos termos do voto do relator."

(ARE nº 1.067.392/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 26/03/2019, p. 02/07/2020; grifos nossos).

28. Por fim, importante ressaltar que a impronúncia não se confunde

com a absolvição, conforme dispõe o art. 414parágrafo único, do CPP.

"Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.

Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova."

29. Sobre o ponto, pertinente é a seguinte lição doutrinária:

"Impronunciado o réu, nem por isso ficará ele livre de novo processo pelo mesmo fato. Enquanto não estiver extinta a punibilidade, se surgirem novas provas, novo processo poderá ser-lhe instaurado." (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 18. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 776.)

30. Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus , com base no art. 192 c/c o art. 312 do RISTF, para despronunciar o recorrente.

Comunique-se, com urgência.

Publique-se.

Brasília, 4 de setembro de 2023.

Ministro ANDRÉ MENDONÇA

Relator

(STF - RHC: 230951 RS, Relator: ANDRÉ MENDONÇA, Data de Julgamento: 04/09/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 04/09/2023 PUBLIC 05/09/2023)

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