STF Set23 - Investigação Iniciado com Base em Provas já Declaradas Nulas pelo Supremo - Trancamento do Inquérito

 

Inteiro Teor

EMB.DECL. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.305.035

MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES

DECISÃO

AXXXXXXXXXX apresenta a Petição 96143/2023 (Doc. 57), alegando a ocorrência de fato superveniente e pleiteando a nulidade das investigações formulado nos Embargos de Declaração (Doc. 43, fl. 4).

O recorrente afirma que, não obstante o provimento do RE, com o consequente reconhecimento da competência da Justiça Eleitoral, a decisão merece complementação, devendo ser declarada a nulidade de todos as decisões anteriormente proferidas, em face da decisão da Segunda Turma desta CORTE que declarou a nulidade dos elementos extraídos dos sistemas de contabilidade paralela do Grupo CCCCCCC, denominados XXXXXXXXXXs ( Reclamação 43.007).

Ao final, requer o acolhimento dos embargos para que seja reconhecida a nulidade do processo desde a origem, com seu arquivamento.

É o relatório. Decido.

Trata-se de fato superveniente e essencial para a solução da controvérsia, suscitado no presente Agravo em Recurso Extraordinário pelo recorrente.

No julgamento do Recurso Extraordinário foi dado provimento ao recurso para declarar a incompetência do Juízo de Direito da Vara de Inquéritos de Belo Horizonte/MG, reconhecendo a competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar a presente demanda, tendo sido considerados válidos todos os atos processuais anteriores.

O recorrente aponta a existência de fato superveniente consistente na

decisão da Segunda Turma desta SUPREMA CORTE, nos autos da Rcl 43007 AgR-segundo, de relatoria do Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe. 24/3/2022, que declarou a imprestabilidade dos elementos de prova decorrentes do Acordo de Leniência celebrado pela Odebrecht, apontando que:

"Não apenas em face do material colhido na referida operação, fartamente analisado na decisão aqui atacada, como também diante do decidido nos HCs 193.726-ED/PR e 164.493- AgR/PR, ambos de relatoria do Ministro Edson Fachin, redator para acórdão o Ministro Gilmar Mendes, nos quais foram anulados os atos decisórios emanados em ações penais ajuizadas contra o reclamante, dentre elas aquela discutida nesta reclamação, cumprindo, por isso, afastar a alegação de ausência de aderência estrita formulada pelo agravante.

Sim, porque a decisão agravada examinou, em ordem cronológica e de forma pormenorizada, todos os indícios que concluíram ela inequívoca imprestabilidade do Acordo de Leniência celebrado pela Odebrecht, bem como de seus anexos, como prova de acusação em relação ao reclamante.

Salta à vista, pois, a absoluta plausibilidade do direito invocado, apto a levar à declaração de inviabilidade do uso de tais provas irremediavelmente contaminadas. Como já anotado, está caracterizado, ademais, o risco iminente de instauração de nova persecução penal, ou mesmo de imposição de medidas constritivas contra o reclamante, com a utilização do Acordo de Leniência da Odebrecht e elementos de prova oriundos de tal pacto de cooperação, os quais sempre foram o objeto desta ação reclamatória.

Tais pressupostos emprestam, pois, pleno suporte ao provimento judicial implementado, nos termos do art. 654§ 2º, do CPP, para declarar a imprestabilidade, quanto ao reclamante, dos elementos de prova não apenas ilegalmente produzidos, como também indevidamente manuseados (inclusive, segundo consta, transportados em sacolas de supermercado), com a consequente quebra da cadeia de custódia, no que toca à Ação Penal 5063130-17.2016.4.04.7000 (caso"Sede do IXXXXXXXXXX"), até então, em trâmite na Justiça Federal do Paraná (grifos meus) .

Nesse panorama, cumpre reafirmar, in totum, a decisão aqui atacada, a qual não comporta reforma, seja por repousar em fundamentos jurídicos sólidos, seja porque o agravante não logrou trazer argumentos capazes de afastar as razões nela expendidas".

No presente caso, o pedido de instauração do Inquérito também teve como origem informações obtidas em Acordos de Leniência firmados com executivos do Grupo XXXXX, conforme se nota da seguinte ementa da petição (Doc. 1, fl. 5):

"PROCESSO PENAL. PROCEDIMENTO SIGILOSO. ACORDOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA. ELEMENTOS QUE INDICAM APOSSÍVEL EXISTÊNCIA DE CRIMES. ENVOLVIMENTO DE AGENTE PÚBLICO DETENTOR DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. MANIFESTAÇÃO PELA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DOS FATOS.

1. Trata-se de acordos de colaboração premiada firmados por envolvidos em investigação criminal referente à chamada" Operação Lava Jato "e submetidos à apreciação do Supremo.

2. A análise de Termos de Depoimento aponta para o possível envolvimento de autoridades com foro por prerrogativa, nos termos do 102, inciso I, b e c, da Constituição Federal, com fatos ilícitos referentes à"Cidade Administrativa de MG".

3. Suposta prática dos crimes de corrupção passiva e ativa, bem como de lavagem de dinheiro, cartel e fraude à licitação, previstos, respectivamente, nos arts. 317 e 333, todos do CP, bem como no art. , caput e § 1ºI, da Lei n. 9.613/1998, no art. I e II, da Lei 8137/1990 e no art. 90 da Lei 8.666/1993.

4. Manifestação pela instauração de inquérito".

Os elementos de prova decorrentes dos referidos acordos, repita-se, foram declarados imprestáveis por esta CORTE também em decisão proferida pelo Min. DIAS TOFFOLI nos autos da Pet 11403 Extn, DJe. 28/8/2023:

"RXXXXXXXXX formula pedido de extensão (Petição/STF nº 92119/2023) da decisão mediante a qual deferi o pedido constante desta petição e estendi os efeitos da decisão proferida na Reclamação 43.007/DF, para declarar a imprestabilidade, quanto a Rodrigo Tacla Duran, nos autos das Ações Penais 5018184-86.2018.4.04.7000 e 5019961- 43.2017.4.04.7000, em trâmite na 13a Vara Criminal Federal de Curitiba, dos elementos de prova obtidos a partir dos sistemas DXXXXXXX B, utilizados no Acordo de Leniência celebrado pela OXXXXXXXt.

O requerente alega estar na mesma situação processual do corréu/requerente originário, motivo pelo qual faria jus à extensão dos efeitos da decisão, referindo que"a Ação Penal nº 5018184- 86.2018.4.04.7000, para a qual Vossa Excelência deferiu o pedido de extensão dos efeitos da decisão prolatada na Reclamação 43.007/DF, é desmembrada da Ação Penal nº 5054787-95.2017.4.04.7000."

Examinados os autos, decido.

Ao apreciar o pleito do corréu, considerados o que posto nos autos da mencionada ação penal nº 5018184- 86.2018.4.04.7000, desmembrada da ação penal nº 5054787- 95.2017.4.04.7000 (e-doc 157, fls. 9/10), em trâmite na 13a Vara Criminal Federal de Curitiba, anotei:

"Ora, conforme se verificou na decisão reproduzida acima, a imprestabilidade das provas questionadas pelo reclamante foi placitada em decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal - transitada em julgado -, em face da comprovada contaminação do material probatório arrecadado pela 13a Vara Federal de Curitiba.

Isso porque, nas ações em curso perante a Justiça Federal de Curitiba, os elementos probatórios coincidem, ao menos em parte, com aqueles declarados imprestáveis por esta Suprema Corte nos precedentes antes mencionados, ostentando, em consequência, os mesmos vícios.

Nesse sentido, é possível verificar, conforme salientou o ora requerente, que os mencionados elementos de prova foram citados em diversas oportunidades nas exordiais acusatórias.

[...]

Diante de tal quadro, declararei a imprestabilidade dos elementos de prova obtidos a partir dos sistemas DXXXXXXXB, utilizados no Acordo de Leniência celebrado pela OXXXXXXXt.

Colhe-se dos documentos que instruem estes autos que o ora requerente é corréu em ação penal da qual foi desmembrada aquela em que reconheci a imprestabilidade dos elementos de prova anteriormente nestes autos.

À luz dessas circunstâncias é inegável a identidade de situações jurídicas, relativamente à invalidade jurídica dos mencionados elementos de prova que dão suporte probatório à persecução penal a que responde o ora requerente.

Tenho, portanto, que o caso recomenda, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal, o acolhimento do pedido de extensão, tendo em vista a identidade de situações entre o corréu/requerente originário nesta Pet e o ora requerente.

Nessa conformidade, defiro o pedido de extensão para estender os efeitos da decisão proferida na Reclamação 43.007/DF para declarar a imprestabilidade, quanto ao ora requerente - RXXXXXXXXXra -, dos elementos de prova obtidos a partir dos sistemas DrXXXXXXXXXXX B, utilizados no Acordo de Leniência celebrado pela Odebrecht, nos autos da ação penal nº 5054787-95.2017.4.04.7000, em trâmite na 13a Vara Criminal Federal de Curitiba".

No mesmo sentido, citem-se as seguintes decisões: Pet 11435 Extn,

DJe. 14/8/2023; Pet 11422 Extn, DJe. 29/8/2023; Pet 11439 Extn, DJe. 14/8/2023; Rcl 43007 Extn-quintuagésima primeiro, DJe. 17/5/2023, todas de relatoria do Min. DIAS TOFFOLI; e Rcl 43007 Extn-trigésima segunda, DJe. 9/1/2023, de relatoria do Min. RICARDO LEWANDOWSKI.

A presente hipótese amolda-se, exatamente, às decisões acima transcritas, pois o IPL 1035/2018, da Polícia Federal de Minas Gerais, teve como origem acordo de colaboração premiada celebrado entre a Procuradoria-Geral da República e os executivos do Grupo OXXXXXXXT, especificamente XXXXXXXXXXR, tendo como fundamento os elementos extraídos dos sistemas de contabilidade paralela do Grupo ODXXXXXXT, denominados MXXXXXXXXXX.

A declaração de imprestabilidade das delações produzidas com fundamento nos sistemas MXXXXXXXXys, portanto, devem repercutir na presente hipótese, pois como alegado pelo recorrente," todas as medidas investigativas empreendidas pela Autoridade Policial têm fundamento causal nos elementos de convicção oriundos dos mencionados sistemas "(Doc. 57, fl. 3).

Declarada a nulidade da prova considerada imprestável por essa SUPREMA CORTE, bem como de todas as demais provas diretamente dela derivadas, não há na referida investigação nenhum indício real de fato típico praticado pelo recorrente (quis) ou qualquer indicação dos meios que os mesmos teriam empregado (quibus auxiliis) em relação às condutas objeto de investigação, ou ainda, o malefício que produziu (quid), os motivos que o determinaram (quomodo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando) ou qualquer outra informação relevante que justifique a instauração de inquérito policial (João Mendes de Almeida Júnior. O processo criminal brasileiro, v. II, Freitas Bastos: Rio de Janeiro, 1959, p. 183).

Nessas hipóteses excepcionais, não obstante nosso sistema acusatório consagrar constitucionalmente a titularidade privativa da ação penal ao Ministério Público ( CF, art. 129, I), a quem compete decidir pelo oferecimento de denúncia ou solicitação de arquivamento do inquérito ou peças de informação, é dever do Poder Judiciário exercer sua"atividade de supervisão judicial"(STF, Pet. 3825/MT, rel. Min. GILMAR MENDES), evitando ou fazendo cessar toda e qualquer ilegal coação por parte do Estado-acusador, quando o Parquet insiste em manter procedimento investigatório mesmo ausentes indícios de autoria e materialidade das infrações penais imputadas, pois"essa prerrogativa do Parquet , contudo, não impede que o magistrado, se eventualmente vislumbrar ausente a tipicidade penal dos fatos investigados, reconheça caracterizada situação de injusto constrangimento, tornando-se consequentemente lícita a concessão ex officio de ordem de habeas corpus em favor daquele submetido a ilegal coação por parte do Estado ( CPP, art. 654§ 2º)."( HC 106.124 HC 106.124 , Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, d. 22/11/2011).

A manutenção da investigação criminal sem justa causa, ainda que em fase de inquérito, constitui injusto e grave constrangimento aos investigados, como bem demonstrado na lapidar lição do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, nos autos do Habeas Corpus nº 80.564:

"Estamos todos cansados de ouvir que o inquérito policial é apenas um ‘ônus do cidadão’, que não constitui constrangimento ilegal algum e não inculpa ninguém (embora, depois, na fixação da pena, venhamos a dizer que o mero indiciamento constitui maus antecedentes: são todas desculpas, Sr. Presidente, de quem nunca respondeu a inquérito policial algum). Mas é demais dizer-se que não se pode sequer examinar o fato sugerido, o fato apontado, e impedir a sequência de constrangimentos de que se constitui uma investigação criminal - seja ela policial ou seja, no caso judicial - sobre alguém que, à primeira vista, se evidencia não ter praticado crime algum, independentemente de qualquer juízo ético a fazer no caso. A jurisprudência do Supremo Tribunal - é certo que afirmada em uns poucos casos e por motivos evidentes -, tem sido sensível a necessidade de proteger pelo habeas corpus situações de evidente atipicidade do fato investigado. Recordo, além dos já referidos, esses Habeas corpus:

80.204, relator, o Ministro Maurício Correa; 64.373, relator, o Ministro Rafael Mayer; 63.523, relator: o Ministro Francisco Rezek; 67.039, relator, o Ministro Moreira Alves, e o 68.348 de que fui relator).

Dessa maneira, a presente hipótese, em face de fato superveniente, carece de elementos indiciários mínimos, restando patente a ausência de justa causa para a continuidade da investigação, sendo, portanto, possível seu trancamento ( Inq. 3815 QO/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, 10/02/2015; Inq 3847 AgR Inq 3847 AgR /GO, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, 07/04/2015; Pet 3.825-QO/MT, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES; HC 106.124 HC 106.124 , Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, 22/11/2011); não se justificando, a manutenção da decisão anterior de remessa dos autos à Justiça eleitoral para sua continuidade.

Diante do exposto, tendo em vista a presença de fato superveniente absolutamente imprescindível ao julgamento da causa, DOU PROVIMENTO AOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, COM EFEITOS INFRINGENTES, declarando a nulidade das provas produzidas no IPL 1035/2018 e, DETERMINO SEU IMEDIATO ARQUIVAMENTO, por ausência de justa causa.

Publique-se e Intime-se.

Oficie-se a digna autoridade policial que preside o IPL 1035/2018. Ciência Procuradoria-Geral da República.

Brasília, 01 de setembro de 2023.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES

Relator

Documento assinado digitalmente

(STF - ARE: 1305035 MG, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 01/09/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 04/09/2023 PUBLIC 05/09/2023)

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