STF Set23 - Aplicação do Redutor do Tráfico Privilegiado, Anteriormente Negado pelo STJ, para Réu Preso com 13 gramas de Entorpecente
Inteiro Teor
HABEAS CORPUS 230.088 MATO GROSSO DO SUL
RELATOR : MIN. ANDRÉ MENDONÇA
COATOR (A/S)(ES) : RELATOR DO HC Nº 831.120 DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DECISÃO
HABEAS CORPUS. DECISÃO INDIVIDUAL DE MINISTRO DO STJ. SUBSTITUTIVO DE AGRAVO REGIMENTAL. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO ÓRGÃO APONTADO COMO COATOR. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343, DE 2006. MOTIVAÇÃO INSUBSISTENTE PARA AFASTAMENTO. ILEGALIDADE MANIFESTA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. CONCESSÃO DA ORDEM, DE OFÍCIO.
1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão, proferida no Superior Tribunal de Justiça, pela qual o Ministro Relator indeferiu liminarmente a ordem no Habeas Corpus nº 831.120/MS.
2. Colhe-se dos autos que o paciente foi condenado a 7 anos de reclusão, no regime inicial fechado, e ao pagamento de 700 dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 33, caput , da Lei nº 11.343, de 2006 (tráfico de drogas).
3. O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul deu parcial provimento à apelação da defesa, redimensionando a pena para 5 anos de reclusão, no regime semiaberto, acrescidos de 500 dias-multa. O acórdão transitou em julgado em 30/07/2019.
4. Em 14/06/2023, formalizou-se a impetração no STJ.
5. Neste habeas corpus, os impetrantes apontam constrangimento ilegal ante a não incidência da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. Destacam as condições pessoais favoráveis primariedade e bons antecedentes. Afirmam haver o Tribunal de Justiça afastado a incidência da minorante sem fundamentação idônea, qual seja, a quantidade de entorpecente - 13 gramas de maconha - e o acondicionamento da drogas.
6. Pretendem, em âmbito liminar, a suspensão da execução da pena e, no mérito, a observância da causa de diminuição, no patamar de 2/3.
7. Na Petição STF nº 70.489/2023, os impetrantes reiteraram os pedidos e aludiram à decisão mediante a qual concedi a ordem, de ofício, no HC nº 227.176/SP, em 27/05/2023, dizendo tratar-se de caso análogo.
É o relatório. Decido.
8. Este habeas corpus volta-se contra decisão individual de Ministro
do Superior Tribunal de Justiça. Inexistindo pronunciamento colegiado do STJ, não compete ao Supremo Tribunal Federal examinar a questão de direito versada na impetração ( CRFB, art. 102, inc. I, al. i). O caso é de habeas corpus substitutivo de agravo regimental, cabível na origem. Nesse sentido: HC nº 115.659/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 02/04/2013, p. 25/04/2013; HC 197.645-AgR/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 08/04/2021, p. 16/04/2021, e HC nº 199.029-AgR/MA, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, j. 19/04/2021, p. 29/04/2021.
9. Ademais, as questões suscitadas neste habeas corpus não passaram pelo crivo do STJ. No ato impugnado, o Ministro Relator limitou-se a afirmar a inadequação da via eleita, considerado o trânsito em julgado da condenação, ocorrido em 30/07/2019, restando preclusas eventuais nulidades verificadas no curso do processo . A atuação originária desta Suprema Corte acarretaria supressão de instância e ampliação indevida da competência prevista no art. 102 da CRFB. Assim decidiram o Plenário e ambas as Turmas: HC nº 109.430-AgR/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 10/04/2014, p. 13/08/2014; HC nº 164.535-AgR/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, j. 17/03/2020, p. 20/04/2020; e HC nº 163.568/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. do Acórdão Min. Rosa Weber, Primeira Turma, j. 13/08/2019, p. 30/08/2019.
10. Acrescente-se que o título condenatório transitou em julgado em 30/07/2019, tendo sido formalizada esta impetração apenas em 04/07/2023 . A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido da inviabilidade de utilização do habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal, salvo em hipóteses de manifesta ilegalidade (RHC nº 203.506-AgR/ES, salvo em hipóteses de manifesta ilegalidade (RHC nº 203.506-AgR/ES, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, j. 23/08/2021, p. 25/08/2021; HC nº 154.106-ED/MS, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j.29/06/2018, p. 06/08/2018; HC nº 135.239-AgR/SP, Rel. Min. Celso de Melo p. 31/10/2018).
11. Verificada a inadequação da via eleita, a concessão da ordem de ofício é providência excepcional , a ser implementada somente quando constatada flagrante ilegalidade, abuso de poder ou mesmo teratologia na decisão impugnada. Entendo ser o caso dos autos.
12. Conforme o art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, é viável a diminuição da pena, de 1/6 a 2/3, para o agente primário, sem antecedentes, que não se dedica a atividades delituosas nem integra organização criminosa.
13. O Tribunal de Justiça, ao realizar a dosimetria da pena quando do julgamento da apelação, entendeu não preenchidos tais requisitos, tendo em vista a dedicação do paciente a atividades criminosas , evidenciada a partir das seguintes premissas:
"Trata-se de minorante fundada em razões de política criminal e que visa a beneficiar o pequeno traficante, aquele que ainda não está profundamente envolvido com o mundo do crime e que pelas circunstâncias merece uma oportunidade mais rápida de ressocialização.
Destaco de pronto que a quantidade de droga apreendida e sua forma de condicionamento, assim como a dinâmica pela qual foi realizada sua prisão em flagrante e as circunstâncias judicias sopesadas em seu desfavor são elementos que evidenciam claramente a dedicação do agente a atividades criminosas .
Nesse sentido:
(...)
Desta feita, ante a existência de dados concretos colacionados ao caderno processual que indicam de forma clara a dedicação do acusado à práticas criminosas, não há se falar em acolhimento do pedido de aplicação da causa de redução de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas." (e-doc. 6, p. 8; grifos acrescidos).
14. Percebe-se que a causa de diminuição foi afastada pelo Tribunal de Justiça com fundamento exclusivo na quantidade de droga apreendida (cerca de 13 gramas de maconha), que não poderia ser considerada exorbitante .
15. Nota-se a inidoneidade da motivação utilizada , tendo em vista o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, embora a natureza e a quantidade da droga sejam elementos determinantes na modulação da minorante do tráfico privilegiado, não são aptas, por si sós, a comprovar o envolvimento com o crime organizado ou a dedicação a atividades criminosas . As suposições quanto à habitualidade delitiva com alicerce na forma de acondicionamento das substâncias também não respaldam, de maneira categórica , a dedicação a atividades criminosas. Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes desta Segunda Turma:
"AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DE MINISTRO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SITUAÇÃO DE FLAGRANTE ILEGALIDADE CARACTERIZADA. TRÁFICO PRIVILEGIADO AFASTADO UNICAMENTE EM DECORRÊNCIA DA QUANTIDADE E DA NATUREZA DA DROGA APREENDIDA . AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO IDÔNEO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Mesmo quando inadmissível o habeas corpus, é possível a concessão da ordem de ofício, desde que caracterizada situação de flagrante ilegalidade. Precedente. 2. O afastamento da minorante do tráfico privilegiado unicamente em decorrência da quantidade e da natureza da droga apreendida não constitui fundamento idôneo apto a afastar a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. 3. Agravo interno desprovido."
(HC nº 190.396-AgR/SP, Rel. Min. Nunes Marques Segunda Turma, j. 16/11/2021, p. 03/02/2022; grifos acrescidos).
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS . PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ORDEM CONCEDIDA PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DO REDUTOR DO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão agravada. 2. A causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 é aplicada desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Em observância aos princípios da individualização da pena e da fundamentação das decisões judiciais, o afastamento do benefício deve ser embasado em elementos concretos que indiquem o não preenchimento dos requisitos legais. 3. A quantidade da droga apreendida e notícias anônimas de envolvimento com o tráfico não constituem fundamentação idônea para afastar o redutor. 4. À luz do princípio constitucional da presunção da não culpabilidade, esta Suprema Corte consolidou o entendimento de que inquéritos ou ações penais em curso não podem ser valorados na dosimetria da pena. Por iguais razões, notícias de que o acusado era conhecido no meio policial não impedem a aplicação do benefício. 5. Agravo regimental desprovido."
(HC nº 206.716-AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda
Turma, j. 11/11/2021, p. 18/02/2022; grifos acrescidos).
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO APTA A NEGAR O REDUTOR DO ART. 33, § 4º DA LEI 11.343/2006. ORDEM CONCEDIDA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AUSÊNCIA DE ARGUMENTAÇÃO APTA A INFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA. A MERA MENÇÃO À QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA APREENDIDA NÃO SATISFAZ A NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS PARA FINS DE NÃO INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. CIRCUNSTÂNCIAS INAPTAS A COMPROVAR A DEDICAÇÃO AO CRIME OU O PERTENCIMENTO A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. MANUTENÇÃO DO DECISUM . AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão agravada. 2. A quantidade e a natureza da droga apreendida não são fatores que, isoladamente, impedem a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º da Lei 11.343/2006. 3. Diversamente do que ocorre na primeira fase da dosimetria da pena, em que a quantidade e qualidade de drogas são vetores legalmente expressos (art. 42 da Lei 11.343/2006) e, portanto, dispensam maiores digressões, a utilização dessa circunstância na terceira fase só é admitida se constituir uma demonstração do não preenchimento de algum dos vetores legalmente eligidos. Precedentes. 4. Imperiosa a comprovação de algum evento concreto, dentro da cadeia factual, de que o agente efetivamente pertença a organização criminosa ou se dedique a atividades criminosas . 5. Agravo regimental desprovido."
(HC nº 205.357-AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda
Turma, j. 04/10/2021, p. 08/11/2021; grifos acrescidos).
"AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS . AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. RAZÕES NÃO APRECIADAS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA . INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTO IDÔNEO PARA AFASTAR O TRÁFICO PRIVILEGIADO. 1. É inviável o agravo interno que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada. 2. Não se admite o habeas corpus quando as razões apresentadas pela parte impetrante não houverem sido apreciadas pelo Tribunal apontado como coator, por caracterizar-se inadmissível supressão de instância. 3. A pequena quantidade de droga apreendida, por si só, não é fundamento idôneo para afastar a redução do tráfico privilegiado. 4. Ficou evidenciado, no caso, tratar-se de pequeno traficante, eventual ou de menor potencial, que faz jus à aplicação da causa especial de redução de pena (tráfico privilegiado), nos termos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
5. Agravo interno provido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício, para determinar o refazimento da dosimetria da pena, com a incidência da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas."
(HC nº 208.115-AgR/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Red. do Acórdão Min. Nunes Marques, Segunda Turma, j. 14/12/2021, p. 03/03/2022; grifos nossos).
16. Ante o exposto, nego seguimento ao habeas corpus, mas , com base no art. 192 do RISTF, concedo a ordem, de ofício, para determinar ao Juízo da Execução Penal que aplique o redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 2006 . Redimensionada a pena, deverá avaliar o cabimento de regime de cumprimento mais brando e a possibilidade
de substituição da pena por restritivas de direitos.
Comunique-se, com urgência. Publique-se. Brasília, 14 de setembro de 2023.
Ministro ANDRÉ MENDONÇA
Relator
(STF - HC: 230088 MS, Relator: ANDRÉ MENDONÇA, Data de Julgamento: 14/09/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 14/09/2023 PUBLIC 15/09/2023)
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