STJ 2023 - Princípio da Fungibilidade Recursal - RESE contra Decisão que Nega Revogação de Protetiva em Mª da Penha: "Lei Maria da Penha não é clara quanto ao ponto, bem como há divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema"

 

HABEAS CORPUS Nº 831510 - SP (2023/0205341-6) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ 

 DECISÃO 

NELSON XXXXXXXXXXX alega sofrer coação ilegal em seu direito de locomoção, em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Recurso em Sentido Estrito n. 1004163- 71.2019.8.26.0347. 

A defesa pretende seja determinado ao Tribunal estadual que conheça do recurso em sentido estrito interposto, para que analise o mérito da insurgência. Indeferida a liminar (fls. 333-334) e prestadas as informações (fls. 340- 345 e 346-372), os autos foram ao Ministério Público Federal, que opinou pelo não conhecimento do writ. 

Decido. Infere-se dos autos que o Magistrado da Vara Criminal da Comarca de Matão - SP acolheu pedido de N. M. A, em face do paciente, e impôs medidas protetivas de urgência em desfavor deste. Foi formulado pedido de revogação das medidas impostas, o que foi indeferido pelo Juízo de primeiro grau.

Inconformada, a defesa do agente interpôs recurso em sentido estrito, que não foi conhecido pelo Tribunal a quo, sob os seguintes fundamentos (fls. 281- 285): No caso vertente, não se conhece do presente recurso em sentido estrito. Isso porque a matéria ensejadora do presente reclamo, qual seja, a pretensão de que sejam revogadas as medidas protetivas de urgência impostas ao recorrente, concedidas em favor de N.M.A., não se enquadra em nenhuma das hipóteses taxativamente elencadas no artigo 581, do Estatuto Adjetivo, tanto que na petição de interposição do presente recurso (fl. 157), o recorrente, sintomaticamente, sequer indica em qual dos inúmeros incisos desse dispositivo legal estaria embasado o seu inconformismo. Assim, sendo o artigo supracitado, repita-se, taxativo no tocante aos temas que ensejam abordagem em sede de recurso em sentido estrito, não permitindo elasticidade, nem interpretação, e constatando-se que a argumentação promovida pelo recorrente é estranha ao dispositivo legal invocado, bem como à própria essência do recurso eleito, a denotar que o erro empregado se mostra grosseiro, tal inviabiliza a recepção inclusive do princípio da fungibilidade, sendo de rigor o seu não conhecimento. Preleciona Fernando da Costa Tourinho Filho, quanto à taxatividade das possibilidades inscritas nos incisos do artigo 581, do Estatuto Adjetivo, a denotar o não cabimento, no caso vertente, do recurso em sentido estrito para o fim aqui almejado: [...] Não é outro o entendimento de Paulo Rangel quanto a taxatividade do recurso em sentido estrito imperar, não havendo que ser ampliado o rol estabelecido. [...] Isto posto, não se conhece do presente recurso em sentido estrito ajuizado em favor de N.L.C.

Inicialmente, cumpre ressaltar que a interposição de recurso em sentido estrito contra decisão que indefere pedido de revogação de medidas protetivas não se encontra dentre as hipóteses previstas no artigo 581 do Código de Processo Penal. Não obstante, na hipótese, não há previsão legal de recurso específico a ser interposto para impugnar o referido decisum, motivo pelo qual esta Corte Superior tem entendido, constatada a ausência de má-fé, ser possível a aplicação do princípio da fungibilidade.

A propósito: 2. "[...] para o Superior Tribunal de Justiça é possível a aplicação do princípio da fungibilidade na utilização do recurso de apelação em detrimento do recurso em sentido estrito, desde que demonstradas a ausência de má-fé e a tempestividade do instrumento processual (AgRg no REsp n. 1.808.491/MG, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 19/8/2019), não havendo que se falar em erro grosseiro" (AgRg no REsp n. 1.850.907/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 10/3/2023). [...] 4. Recurso improvido. (AgRg no REsp n. 1.886.909/SP, Rel Ministro Antonio Saldanha Palheiro, 6ª T., DJe de 11/5/2023) PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. IMPRONÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO QUANDO CABÍVEL APELAÇÃO. TEMPESTIVIDADE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ OU DE ERRO GROSSEIRO. FUNGIBILIDADE RECURSAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - A jurisprudência deste Superior Tribunal "admite a fungibilidade recursal, a teor do art. 579 do CPP, quando, além de observado o prazo do recurso que se pretende reconhecer, não fica configurada a má-fé ou a prática de erro grosseiro" (AgRg no REsp n. 1.704.526/AM, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 30/5/2018). II - O caso em comento se revela pela possibilidade de conversão do recurso em sentido estrito em apelação se, do erro, não se constatou a intempestividade recursal, nem prejuízo à parte recorrida no que tange ao processamento do recurso. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.937.416/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, 5ª T., DJe de 27/3/2023) PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO E EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ADMISSÃO PARCIAL DA ACUSAÇÃO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO RECEBIDO COMO APELAÇÃO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. POSSIBILIDADE. 1. Conforme o art. 579 do Código de Processo Penal, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça admite a fungibilidade recursal, desde que observado o prazo do recurso que se pretende reconhecer e que não fique configurada a má-fé ou a prática de erro grosseiro. 2. No caso dos autos, o magistrado de primeira instância admitiu parcialmente a acusação, para pronunciar o recorrente pelo crime de homicídio e absolvê-lo sumariamente pelo crime conexo. 3. O Tribunal de origem consignou que o recurso em sentido estrito - que impugnava a parte da decisão que absolvia o recorrente – foi interposto dentro do prazo de 5 dias previstos nos arts. 586 e 593 do Código de Processo Penal, o que demonstra ter havido um equívoco tão somente quanto ao nomen iuris atribuído ao recurso interposto. Precedentes. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.597.691/SC, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, 6ª T., DJe 30/5/2017) REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA REJEITADA. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. APELAÇÃO. HIPÓTESE DO ARTIGO 581, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ E TEMPESTIVIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. RECURSO IMPROVIDO. 1. Segundo o artigo 581, inciso I, do Código de Processo Penal, cabe recurso em sentido estrito contra a decisão que rejeita a denúncia. 2. Todavia, tendo sido interposta apelação contra a decisão que considerou inepta a exordial acusatória, cabível a sua conversão em recurso em sentido estrito se, do erro, não se constatou má-fé, intempestividade, nem prejuízo à parte recorrida no que tange ao processamento do recurso. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 517.516/RO, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª T., DJe 6/9/2016)

Menciono, ainda, as seguintes decisões monocráticas: REsp n. 2.006.116/PR, Rel. Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), DJe 6/9/2022; REsp n. 1.743.165/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 22/6/2018. 

No caso, verifico haver fundada dúvida na interposição do recurso, o que afasta a existência de erro grosseiro e de má-fé por parte do recorrente, na medida em que a Lei Maria da Penha não é clara quanto ao ponto, bem como há divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema. Desta forma, entendo que, preenchidos os pressupostos para incidência do princípio da fungibilidade, de rigor o conhecimento do recurso em sentido estrito pelo Tribunal estadual.

À vista do exposto, concedo a ordem de habeas corpus, a fim de determinar que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo conheça do Recurso em Sentido Estrito n. 1004163-71.2019.8.26.0347 e o julgue como entender de direito. Publique-se e intimem-se. 

Brasília (DF), 29 de agosto de 2023. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Relator

(STJ -  HABEAS CORPUS Nº 831510 - SP (2023/0205341-6) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, 6ª Turma, Dje: 30/08/2023)

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