STJ 2023 - Réu expressou o Desejo de Recorrer da Sentença e os Advogados não Recorram - Nulidade do Trânsito em Julgado
HABEAS CORPUS Nº 836855 - MT (2023/0235947-5) RELATOR : MINISTRO JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado contra decisão que indeferiu pedido nos autos do recurso em sentido estrito. Aduz a impetrante que, após o julgamento do recurso em sentido estrito, a defesa técnica optou por não interpor recurso.
Em atendimento realizado pela Defensoria Pública com o réu, esse teria manifestado inconformismo com o acórdão e desejo de recorrer. Requerido ao relator que determinasse a intimação da defesa constituída para que tomasse as providências cabíveis, não foi acolhido o pleito (fls. 444/445).
Ressalta que na discordância deve prevalecer o desejo do paciente de recorrer. Requer a concessão da ordem para devolução do prazo recursal. Deferida a liminar para suspensão da ação penal e prestadas as informações, o Ministério Público manifestou-se pela concessão da ordem. A decisão impugnada pela Defensoria Pública tem o seguinte teor (fls. 444/445):
Vistos.... Resumidamente, trata-se de recurso em sentido estrito interposto por EDINALDO XXXXXX em face da r. decisão proferida pelo d. Juízo da Terceira Vara da Comarca de Mirassol D’Oeste/MT nos autos da ação penal n.º 1002408- 62.2022.8.11.0011, em que o réu foi pronunciado como incurso nas penas do crime tipificado no art. 121, §2.º, inciso II, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, por duas vezes, em concurso material com o delito do art. 12 da Lei n.º 10.826/2003, a fim de ser submetido a julgamento perante o Egrégio Tribunal do Júri. O recurso em sentido estrito foi julgado pela c. Terceira Câmara Criminal na sessão ordinária realizada em 07/06/2023, oportunidade em que o aludido órgão fracionário, por unanimidade, desproveu o stricto sensu (ID 171295678). Na mesma data (07/06/2023), o representante do Ministério Público tomou ciência da decisão colegiada (ID 171445162) e, em 15/06/2023, a defesa técnica do recorrente, representada pela Dr.ª Anne de XXXXXXXX [OAB-MT n.º 28.058], tomou ciência do acórdão e manifestou desinteresse em recorrer (ID 172018196). Em 16/06/2023, a Defensoria Pública Estadual atravessou petição nos autos, por meio da qual informou que, em atendimento realizado, naquela data, na Cadeia Pública de Mirassol D'Oeste/MT, o réu teria informado que tomou ciência do resultado do julgamento e manifestou sua inconformidade, motivo pelo qual o d. defensor requereu a intimação da advogada do réu, para que tome as providências que entender pertinentes (ID 172296662). Todavia, a prestação jurisdicional já foi entregue por este Relator e a intimação da advogada constituída também já se aperfeiçoou validamente, de modo que, supostamente constatada a divergência entre a defensora e o réu acerca do intuito de recorrer, entendo que, in casu, deve prevalecer a vontade da defesa técnica, pois, além de em tese dispor de melhores condições para aferir a necessidade e a utilidade da impugnação, não se pode descuidar que, no caso em exame, os recursos admissíveis doravante são aqueles de competência dos Tribunais Superiores, portanto, com pressupostos e requisitos muito mais restritos e específicos, não condizentes com mera irresignação do acusado em ser pronunciado a Júri Popular, decisão que, inclusive, equivale à mera admissibilidade da acusação, e não em proclamação de culpa. Sendo assim, determino à Terceira Secretaria Criminal que intime a Dr.ª Anne de XXXXXXXXXX apenas para tomar conhecimento da petição de ID 172296662 juntada pela Defensoria Pública Estadual e, depois, prossiga com as providências necessárias à certificação do trânsito em julgado do acórdão e restituição dos autos à Comarca de Origem para inauguração da fase do judicium causae.
Como se vê, após o julgamento do recurso em sentido estrito, em 15/6/2023 a defesa constituída teve ciência do resultado do julgamento, manifestando desinteresse em recorrer do acórdão, sobrevindo o trânsito em julgado. Posteriormente, houve renúncia ao mandato, a Defensoria Pública passou a atuar na defesa dos interesses do réu e realizou atendimento, oportunidade na qual o réu teria manifestado o seu inconformismo com o resultado do acórdão.
Dessa forma, em 16/6/2023, a Defensoria Pública requereu ao relator do feito que intimasse a advogada até então atuante para que tomasse as providências cabíveis. Nesse contexto, o relator, considerando a ausência de vícios na atuação da defesa, intimada validamente e com maior capacidade técnica para avaliar a viabilidade de interposição de recursos especial ou extraordinário, concluiu que, na eventual discordância, deveria prevalecer o entendimento da defesa constituída.
Assim, houve determinação de intimação da advogada a respeito da petição da Defensoria Pública, que ocorreu, e, em seguida, determinou-se a certificação do trânsito em julgado (fls. 490/491). Conforme mencionado pelo Ministério Público Federal, na existência do conflito entre a vontade do réu e da defesa, deve prevalecer o desejo do paciente.
Desse modo, "para se preservar a ampla defesa e contraditório, há que se reformar a decisão da Corte local, para cassar o trânsito em julgado e devolver ao réu, representado pela Defensoria Pública, que se manifeste sobre o Acórdão que negou provimento ao recurso em sentido estrito da defesa" (fl. 474).
Esse é o entendimento da jurisprudência do STJ, que tem reconhecido que prevalece o desejo de recorrer, independentemente de que o
manifesta:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÃO INTERPOSTA PESSOALMENTE PELO RÉU PRESO. DESISTÊNCIA DO RECURSO POR ADVOGADO CONSTITUÍDO COM PROCURAÇÃO DOTADA DE PODERES ESPECIAIS PARA DESISTIR. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, em caso de divergência entre defensor e réu acerca do intuito de recorrer, prevalece o entendimento que viabiliza o duplo grau de jurisdição, ou seja, de quem pretende recorrer, seja a defesa técnica, seja o acusado pessoalmente. 2. Não é vedado, todavia, que o advogado desista do recurso interposto pelo réu, desde que possua procuração com poderes especiais para desistir ou conte com a anuência expressa da parte. 3. No caso dos autos, não se tratava, propriamente, de conflito entre a vontade manifestada pelo réu pessoalmente e a vontade expressa pela defesa técnica. O advogado, quando formulou o pedido de desistência do recurso, o fez em nome do réu, com procuração dotada de poderes especiais para tanto. Não havia, tecnicamente, portanto, duas vontades opostas. O que havia era a declaração inicial do réu pessoalmente de que tinha intenção de recorrer e, mais de um mês depois, a informação do causídico nos autos dizendo que "o sentenciado não possui mais o interesse de recorrer da sentença do referido processo". Vale dizer, o patrono constituído, com poderes especiais para isso, disse, em outras palavras, que o réu havia mudado de ideia e, em nome dele, retratou a primeira manifestação de vontade. 4. Ordem denegada. (HC n. 712.847/PE, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 25/4/2022.) RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. 1. RECURSO PARA AS INSTÂNCIAS SUPERIORES. INTERESSE MANIFESTADO PELA RECORRENTE PERANTE A DEFENSORIA PÚBLICA. DECURSO DO PRAZO IN ALBIS. PREVALÊNCIA DO INTERESSE RECURSAL. TESE ACOLHIDA PELO TRIBUNAL A QUO. 2. ORDEM NÃO CONCEDIDA NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉCONSTITUÍDA. VONTADE DE RECORRER QUE NÃO FOI FORMALMENTE DEMONSTRADA. EXISTÊNCIA DE DOCUMENTO DA DEFENSORIA PÚBLICA. DESCONSIDERAÇÃO PELA CORTE LOCAL. IMPROPRIEDADE. 3. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA DESCONSTITUIR O TRÂNSITO EM JULGADO E REABRIR O PRAZO RECURSAL. 1. Assentou o Tribunal de origem que, "quando colidirem os interesses do réu e do seu defensor, deve levar em conta a vontade daquele que quer recorrer à instância superior", conclusão firmada em benefício do paciente, a qual, ainda que dela se discordasse, não seria possível reverter em habeas corpus. Nada obstante, consigno, por oportuno, que a tese firmada pela origem é efetivamente a que prevalece nesta Corte Superior, no sentido de que deve preponderar o interesse daquele que quer recorrer. 2. A Corte a quo deixou, entretanto, de conceder a ordem, por considerar que as provas trazidas aos autos não eram suficientes a demonstrar que a recorrente pretendia recorrer às instâncias extraordinárias, porquanto a divergência não foi formalmente expressada. Contudo, em sistema processual no qual não há se falar em prova tarifada, não se mostra correto exigir formalidades maiores para se demonstrar que a recorrente procurou a Defensoria Pública visando a interposição de recurso perante o Superior Tribunal de Justiça, fato que ficou efetivamente demonstrado por meio de expediente produzido pelo próprio defensor público. 3. Recurso ordinário em habeas corpus a que se dá provimento para desconstituir o trânsito em julgado, determinando a reabertura de prazo para que a recorrente possa manejar os recursos cabíveis para os tribunais superiores.(RHC n. 33.756/RR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 21/5/2013, DJe de 29/5/2013.)
Ante o exposto, concedo o habeas corpus para que seja desconstituído o trânsito em julgado do acórdão que julgou o recurso em sentido estrito, com devolução do prazo recursal. Comunique-se. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 29 de agosto de 2023.
Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) Relator
(STJ - HABEAS CORPUS Nº 836855 - MT (2023/0235947-5) RELATOR : MINISTRO JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), 6ª Turma, Dje: 30/08/2023 )
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