STJ Dez23 - Cautelar de Suspensão da Advocacia, para Advogado que responde Ação Penal, Não Cabe ao Judiciário - Acusação de Levar recado a Presídios

 

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 191764 - ES (2023/0461271-0) RELATORA : MINISTRA DANIELA TEIXEIRA 

 ADVOGADOS : RICARDO LUIZ DE OLIVEIRA ROCHA FILHO - ES017871

DECISÃO

 Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus com pedido liminar, impetrado em favor de XXXXXXXXX, em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº 5001844-95.2023.8.08.0000).

 O recorrente está incurso nos artigos 33, “caput”; 40, incisos III, ambos da Lei n.º 11.343/2006, na forma do artigo 29, caput, do Código Penal; e artigo 2º, §2º e §4º, da Lei n.º 12.850/2013,na forma do artigo 69 do Código Penal, com a agravante do artigo 61, inciso II, alínea “g”, do mesmo código (e-STJ Fl. 188). 

Imputase-lhe a conduta de ir além de seu papel de advogado e participar ativamente da comunicação da OrCrim denominada PCV - Primeiro Comando de Vitória, ao servir de canal para troca de informações que incluíram alerta sobre operação policial que afetaria o grupo a que supostamente serve (e-STJ fl.172 e segs). O habeas corpus apresentado pela defesa foi denegado por meio de acórdão assim ementado (e-STJ fl. 451 ):

EMENTA. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ORGANIZAÇÃOCRIMINOSA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. PREJUDICADA. LIBERDADE CONCEDIDA PELO MAGISTRADO. TRANCAMENTO DA AÇÃOPENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. PRESENÇA DE INDÍCIOS DEAUTORIA E PROVA DE MATERIALIDADE. CABIMENTO DA MEDIDA CAUTELARDE SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. RAZOABILIDADE. ORDEMDENEGADA. 1. Com relação ao pedido de revogação da prisão preventiva, em consulta ao sistema EJUD, deste Tribunal de Justiça, infere-se que o Magistrado proferiu decisão, concedendo a liberdade provisória ao paciente, a revelar a perda do objeto, neste ponto, pois cessada a coação ilegal. 2. No que concerne a alegação de ausência de justa causa, o que ensejaria o trancamento da ação penal, consta nos autos que, após a quebra de sigilo de dados telefônicos e telemáticos, autorizados judicialmente, averiguou-se que o paciente integrava facção criminosa, na qual ocupava posição de destaque, além de realizar transmissão de mensagens de membros da organização criminosa que se encontravam presos, com os que permaneciam em liberdade. 3. Nesse passo, a denúncia preenche todos os requisitos previstos no artigo 41, do CPP, pois descreve, com precisão, os fatos atribuídos ao paciente, individualmente, propiciando-lhe conhecer os termos da acusação e exercer regularmente seu direito de defesa. Precedente. 4. O rito abreviado do habeas corpus não se mostra adequado aprofundar-se em matérias que serão amplamente debatidas durante a instrução criminal, procedimento este que permitirá com maior amplitude a discussão da culpabilidade do agente, ou a efetiva inexistência de conduta típica. 5. Quanto ao pedido de revogação da suspensão do exercício da advocacia, não há evidência de teratologia na decisão atacada, na medida em que, consoante a firme jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, não se mostra desarrazoada ou ilegal a suspensão do exercício da advocacia quando o réu se valeu de sua profissão para a prática do crime que lhe é imputado na denúncia, como na hipótese dos autos. Precedente. 6. ORDEM DENEGADA.

No detalhe do item 5 da ementa, que decidiu manter a cautelar que suspendeu o exercício da advocacia pelo recorrente, avançou o voto do relator com os seguintes argumentos:

Quanto ao pedido de revogação da suspensão do exercício da advocacia, não identifico evidência de teratologia na decisão atacada, na medida em que, consoante a firme jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, não se mostra desarrazoada ou ilegal a suspensão do exercício da advocacia quando o réu se valeu de sua profissão para a prática do crime que lhe é imputado na denúncia, como na hipótese dos autos.Observo que a cautelar prevista no inc. VI do art. 319 do CPP, referente à suspensão da atividade profissional, abrange todas as profissões, inclusive a advocacia, bem como não afronta a liberdade profissional. E, ainda, que não configura usurpação de eventual atribuição exclusiva da OAB, pois asuspensão cautelar aplicada pelo magistrado difere-se daquela de cunho ético-disciplinar sendo nesse sentido o entendimento firmado pelo STJ, no Agravo Regimental no Recurso em Habeas Corpus n. 165.716/MG, de relatoria do Ministro Ribeiro Dantas, julgado em 16/8/2022.

A defesa alega e requer em síntese: a) não haver prova de materialidade e autoria de crime imputado ao recorrente; b) ser insustentável a proibição do exercício da advocacia por falta de fundamentação idônea.

 Por fim, a defesa pede: a) a concessão em caráter liminar para o trancamento da Ação Penal de nº 0017253-95.2021.8.08.0024 em trâmite na 8ª Vara Criminal da Comarca de Vitória, Estado do Espírito Santo, até o julgamento do presente writ; b) a concessão em caráter liminar da ordem de habeas corpus para a revogação da medida cautelar de proibição do exercício da atividade profissional de advogado imposta ao Recorrente, tendo em vista a inexistência de fundamentação idônea para a sua manutenção conforme argumentação acima trazida; c) a concessão da ordem de habeas corpus em caráter definitivo, fazendo cessar o andamento do processo penal de nº 0017253-95.2021.8.08.0024, bem como a consequente revogação da medida cautelar, haja vista todos os argumentos a cima mencionados. 

É o relatório. 

Decido. 

A acusação feita ao recorrente vem sendo, a cada nova decisão proferida nos autos da instância originária, diminuída em seu escopo e impacto. A prisão provisória foi relaxada. Não foram impostas cautelares alternativas à prisão, o que é índice da baixa pressão da conduta imputada ao recorrente sobre o ordenamento jurídico, no limite das provas contidas hoje nos autos. 

O Direito surge do conflito e se afirma em sua resolução. Para essa resolução, acorrem o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia - não por outro motivo enraizada no latim como "aquele chamado para estar junto". Junto de quem está em conflito com a lei, ou que a autoridade assim suspeita que esteja. O conflito entre os atores do Direito é permanente. 

Mas esse conflito é institucional e com o fim único de resolver conflitos, não se alimentar deles, menos ainda de conflitos entre as próprias instituições. Quando se defende longamente uma perspectiva do conflito, surge o risco de a perspectiva passar a ser o bem defendido. 

Porém, não é assim com o Direito. O bem a ser defendido é a imposição do justo, na forma da lei. Não é o "interesse" (aquilo que se coloca "entre os seres") que deve orientar a resolução do conflito. Não é a perspectiva de um dos atores do Direito. É, sim, a consumação do Direito como estrutura consolidante da vida social. O dia a dia da advocacia, em especial a criminal, é lidar com o meio social em conflito com a lei. Confundir o advogado, ou a advogada, com seu cliente é uma postura que distorce a visão, que contamina a perspectiva do ator do Direito. 

Qualquer do povo pode cometer crime. O Direito nunca evitará o desvio. Mas as distorções precisam ser contidas a cada manifestação, para que as instituições funcionem bem e mantenham-se em seu papel. 

Não há elementos robustos nos autos que sustentem que o recorrente cometeu crime. Cabe ao Estado fazer essa prova. 

Antes da prova, a liberdade. 

Tampouco cabe ao Judiciário intervir no exercício da Advocacia. Quem pode o mais (prender o advogado) não pode o menos (cassar o direito de exercer sua profissão). E isto é assim porque os atores do Direito, como dito acima, estão em permanente conflito. A paridade de armas e a horizontalidade na relação entre juiz, advogado, promotor e defensor público é de ser mantida a todo custo, contra toda tentação. 

Ante o exposto, defiro liminar e parcialmente o recurso, para conceder a ordem de cassar a decisão de suspensão do exercício da Advocacia pelo recorrente, sem prejuízo de revisão da medida quando apreciado o mérito. Prossiga-se a ação penal. 

Oficie-se a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Espírito Santo, para que conheça das acusações feitas a seu membro e, se for o caso, dê início ao procedimento cabível para apurar sua conduta profissional. Solicitem-se informações ao Tribunal de origem e ao Juízo singular, que deverão ser prestadas preferencialmente por malote digital e com senha de acesso para consulta ao processo. Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se.

 Brasília, 19 de dezembro de 2023. 

Ministra Daniela Teixeira Relatora

(STJ - RHC Nº 191764 - ES (2023/0461271-0) RELATORA : MINISTRA DANIELA TEIXEIRA, 5ª Turma, Assinado em: 19/12/2023 22:05:39)

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