STF Out-2023 - Guarda Municipal Não Pode Fazer Busca Pessoal - Nulidade das Provas - Ausência de Flagrante
Inteiro Teor
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.451.377 SÃO PAULO
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
DECISÃO: Cuida-se de agravo regimental (eDOC 150) interposto contra decisão em que dei parcial provimento ao recurso extraordinário do Ministério Público do Estado de São Paulo, para determinar que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo prosseguisse no julgamento de mérito da apelação interposta pela Defensoria Pública, desta feita em conformidade com o entendimento do STF na ADPF 995/DF (eDOC 144).
Nas razões do regimental, sustenta-se que "a Guarda Municipal tem a responsabilidade de proteção do patrimônio municipal, e salvo situação de clara e evidente flagrância, dentro dos estritos limites de sua atuação, não pode atuar para se substituir às atribuições constitucionais reservadas a outras polícias, inclusive a militar ou a civil" (eDOC 150, p. 3).
Afirma que, no caso concreto, as circunstâncias demonstram que os guardas municipais agiram como se policiais fossem, efetuando trabalho investigativo, em nítido desvio de função.
Aduz-se, ainda, que o julgamento da ADPF 995 não alterou a competência constitucionalmente reservada às Guardas Municipais, tendo tão somente ficado definido que tal instituição faz parte do Sistema de Segurança Pública previsto do art. 144 da Constituição da Republica.
Nessa linha, assevera que, "mesmo sendo integrantes do Sistema de Segurança Pública, as Guardas Municipais continuam possuindo competência específica e bem delimitada pelo próprio art. 144, § 8º, da CF, consistente na proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei" (eDOC
150, p. 4).
É o relatório. Decido.
Verifico que assiste razão ao Recorrente, tendo em vista que, embora esta Corte Suprema, no julgamento do ADPF 995/DF, tenha definido que as Guardas Municipais estão incluídas no Sistema de Segurança Pública previsto no art. 144 da CF/88, é de se notar que o julgado não promoveu alteração na competência constitucionalmente atribuída a tal categoria de agentes públicos, disposta no § 8º do referido artigo da Constituição Federal.
No caso concreto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu que réu, ora agravante, não se encontrava em situação de flagrante delito no momento em que foi abordado pelos guardas municipais, o que ensejou sua absolvição, ante o reconhecimento da ilicitude das provas colhidas durante a busca pessoal ilegítima.
Confira-se, a propósito, as razões de decidir do acórdão recorrido (eDOC 27, p. 2/3):
"É que às guardas municipais nossa Constituição Federal não reservou a competência para o exercício de atividade policial. No caso, os guardas civis Damião e Josmar, sem visualizar qualquer situação de flagrante de crime , e até mesmo invocando indevidamente a atividade de" policiamento fixo "- segundo suas próprias palavras documentadas em seus depoimentos de fls. 10 e 11 -, trataram de abordar mero transeunte que não positivava nenhuma infração penal por conduta sensível e, procedendo a uma revista corporal que não tinham nenhuma competência para assim submeter, consigo encontraram as drogas e petrechos mencionados na denúncia.
De modo algum nosso direito vigente permite a guardas civis essa abordagem de transeuntes que caminham pelas ruas, até porque a atividade policial é reservada aos policiais civis e militares e, em nenhuma hipótese, aos guardas civis, aos quais não compete, repita-se, senão o zelo e o cuidado para com o patrimônio, instalações e os serviços da Municipalidade ( Constituição Federal, artigo 44, parágrafos 4º, 5º e 8º). Ou seja, guardas civis não podem parar transeuntes e revistá-los como se policiais fossem, eis que policiais não são.
Insista-se, Flávio não se encontrava naquele momento em situação visual alguma de flagrante delito e, portanto, não podia ser abordado pelos guardas civis com ordem de revista corporal, coisa que nem eles, nem qualquer um do povo podia fazer em relação ao apelante naquele momento. Tendo-o feito, toda a prova daí decorrente é ilícita e não pode ser aproveitada em desfavor do acusado. Somente seria admissível solução diversa se houvesse, concretamente, uma situação de flagrância visual de crime que reclamasse, da parte dos guardas civis ou de qualquer do povo, uma intervenção para interrupção de atividade criminosa que efetivamente crepitasse ao olhar imediato e inequívoco de quem observasse aqueles acontecimentos . Todavia, ao dizer dos próprios guardas civis, não é o que se passou e, portanto, inequívoca a ilegalidade da intervenção dos servidores.
Por consequência, ausente prova lícita incriminando o acusado, inevitável sua absolvição em relação aos termos da imputação inicial, ainda que o seja pela ausência de elementos para a resposta adversa." (grifei)
Desse modo, especialmente no que se refere à alegada situação de flagrante delito apta a ensejar a abordagem, eventual divergência em relação ao entendimento adotado pelo Tribunal de origem demandaria o reexame dos fatos e provas constantes dos autos, o que inviabiliza o processamento do apelo extremo, tendo em vista o óbice contido na Súmula 279 do STF. Nesse sentido:
"Ementa: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006. CRIMES PERMANENTES. INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO. ARTIGO 5º, XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TEMA 280. RE 603.616. DEVOLUÇÃO DO FEITO À ORIGEM. ATO JUDICIAL PREVISTO NO ARTIGO 328, PARÁGRAFO ÚNICO, DO RISTF. IRRECORRIBILIDADE. DEVOLUÇÃO IMEDIATA. AUTORIA E MATERIALIDADE. ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADES NA PRISÃO EM FLAGRANTE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279 DO STF . AGRAVO INTERNO DESPROVIDO." (ARE 1129179-AgR, Rel.: LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 1º.08.2018 - grifei)
"EMENTA Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. Matéria criminal. Tráfico de drogas. Flagrante. Busca pessoal. Inviolabilidade da intimidade. Fundadas suspeitas . Regularidade do procedimento policial. Reapreciação de fatos e provas. Inadmissibilidade. Incidência da Súmula nº 279/STF. Precedentes. Agravo regimental não provido.
1. Conclusão em sentido diverso daquele do acórdão recorrido demandaria, na espécie, o reexame aprofundado do conjunto fático-probatório dos autos, o qual é inviável na via eleita, segundo o enunciado da
Súmula nº 279/STF.
2. Agravo regimental ao qual se nega provimento." (ARE 1437291 AgR, Relator (a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, DJe 14-09-2023 - grifei)
Ante o exposto, com amparo no art. 317, § 2º, do RISTF, reconsidero a decisão agravada, para negar seguimento ao recurso .
Publique-se.
Brasília, 4 de outubro 2023.
Ministro EDSON FACHIN
Relator
(STF - RE: 1451377 SP, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 04/10/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05/10/2023 PUBLIC 06/10/2023)
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