STJ 2023 - Absolvição Por Atipicidade - Lei de Armas - Colete Balístico não é Acessório de Uso Restrito - Quadrado como Equipamento

 

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 755599 - SC (2022/0214214-6)

RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO

DECISÃO

Cuida-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado pela Defensoria Pública em favor de NATAN XXXXXXXX em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina , no julgamento da apelação criminal n. 0008450-13.2016.8.24.0038/SC.

Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado, inicialmente, às penas de 4 anos de reclusão em regime inicial aberto e de 20 dias-multa, cada um fixado no mínimo legal, pela prática das condutas tipificadas nos arts. 12 e 16parágrafo únicoIV, ambos da Lei n. 10.826/2003 (fls. 422-430)..

A defesa interpôs recurso de apelação pleiteando, entre outras teses, a absolvição por inconstitucionalidade do tipo e por ausência de lesividade na conduta, bem como a ausência de fundamentação na substituição da sanção corporal por duas penas restritivas de direitos.

O Tribunal negou provimento ao apelo, mas reviu, de ofício, a dosimetria da pena "a fim de fixá-la em 3 (três) anos de reclusão e 1 (um) ano de detenção, ambos em regime inicial aberto, além de 20 dias-multa, mantidas as demais cominações da sentença".

Ainda, o recurso foi embargado, pois alegou a defesa que o reconhecimento da atipicidade da conduta de posse de colete balístico não foi analisado pelo Tribunal.

Ademais, alega acerca da ausência de fundamentação na substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito face à substituição por multa e uma restritiva de direitos.

Por fim, entende que, para aplicar a substituição mais gravosa, deve o juiz fundamentar com base em elementos concretos a opção mais gravosa.

Requer, assim, a concessão da ordem para que o paciente seja absolvido da imputação do crime de posse irregular de colete balístico (Lei n. 10.826/2003, art. 12), e a readequação das penas substitutivas para uma restritiva e multa (em vez de duas restritivas de direitos), nos termos do § 2º do art. 44 do Código Penal.

O pedido liminar foi indeferido às fls. 515-516.

O Ministério Público Federal, às fls. 519-524, manifestou-se pela concessão parcial da ordem, de ofício, para que o paciente seja absolvido do crime do art. 12 da Lei

n. 10.826/2003.

É o relatório.

Decido.

Conforme relatado , busca-se na presente impetração a absolvição da imputação do crime de posse irregular de colete balístico, bem como a readequação das penas substitutivas para uma restritiva e multa.

No tocante ao primeiro ponto, insta consignar que o Decreto nº 3.665/2000 conferiu nova redação ao Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R- 105), do Ministério do Exército.

O artigo 3º do referido Decreto apresenta as seguintes definições para acessório (grifei):

"[...] I - acessório: engenho primário ou secundário que suplemente um artigo principal para possibilitar ou melhorar o seu emprego ;

II - acessório de arma: artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da arma [...]".

Por sua vez, o artigo 15 do Decreto nº. 3.665/2000 estabelece que as armas, munições, acessórios e equipamentos são classificados, quanto ao uso, em restrito e permitido, mencionando de forma expressa que os coletes são equipamentos de proteção balística , vejamos:

"[...] Art. 15. As armas, munições, acessórios e equipamentos são classificados, quanto ao uso, em:

I - de uso restrito; e

II - de uso permitido.

Art. 16. São de uso restrito:

(...)

XX - equipamentos de proteção balística contra armas de fogo de porte de uso permitido, tais como coletes , escudos, capacetes, etc;

Art. 17. São de uso permitido:

(...)

X- equipamentos de proteção balística contra armas de fogo de porte de uso permitido, tais como coletes , escudos, capacetes, etc; [...]". (grifos nossos)

Verifica-se, dessa forma, que tanto os coletes balísticos de uso permitido, como os de uso restrito, destinados à proteção contra armas de fogo, não se enquadram no conceito de acessórios, mas sim no de equipamentos , de forma que não adequam aos tipos penais previstos no Estatuto do Desarmamento.

Assim, conclui-se pela atipicidade da conduta, com consequente absolvição do paciente da imputação do artigo 12, caput, da Lei nº 10.826/03.

Em relação ao segundo ponto, a substituição da pena privativa de liberdade foi realizada pelo juízo a quo , dentro dos limites da discricionariedade que lhe é conferida pela legislação penal e após proceder à análise das particularidades do caso concreto, onde decidiu pela imposição de duas penas restritivas de direitos no lugar de uma pena restritiva de direitos e multa, nos termos do art. 44§ 2º, do Código Penal.

Sobre o tema, cabe frisar que "[a] teor do que prescreve a segunda parte do § 2º do inciso III do art. 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade superior a um ano pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos, sendo a escolha entre uma das possibilidades parte da discricionariedade vinculado do julgador" (HC n. 617.281/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 8/2/2021).

No mesmo sentido: (AgRg no HC n. 596.880/SC, Quinta Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 20/10/2020).

E ainda, sobre o assunto, é assente o entendimento desta Corte Superior de Justiça, de que, quando o preceito secundário do tipo penal possuir previsão de multa cumulada com a pena privativa de liberdade, não se mostra socialmente recomendável a aplicação de uma nova reprimenda de multa, em caráter substitutivo.

No presente caso, o paciente ainda restou condenado pela prática do crime previsto no art. 16, da Lei n. 10.826/03, que prevê em seu preceito secundário a pena de multa cumulada com pena de reclusão.

Nesse contexto, não há ilegalidade no entendimento do Tribunal local em aplicar a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, sendo uma de prestação pecuniária e outra de prestação de serviços à comunidade, na hipótese em que foi cominada sanção privativa de liberdade superior a um ano.

Nesse sentido: AgRg no HC n. 782.272/SC, Sexta Turma, Rela. Mina. Laurita Vaz, DJe de 17/2/2023; AgRg no HC n. 625.310/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe de 26/9/2022; AgRg no HC n. 749.440/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), DJe de 26/8/2022; e AgRg no HC n. 622.369/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJe de 18/12/2020.

Ante o exposto, concedo parcialmente a ordem apenas para absolver o paciente da imputação do artigo 12, caput, da Lei nº 10.826/03, com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, mantido os demais termos da condenação.

P. e I.

Brasília, 04 de setembro de 2023.

Ministro Messod Azulay Neto

Relator

(STJ - HC: 755599, Relator: MESSOD AZULAY NETO, Data de Publicação: 06/09/2023)

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STF Maio24 - Nulidade do Processo Até o Recebimento da Denúncia - MP Não Juntou Todas as Provas - SV 14 do STF - Quebra da Cadeia de Custódia - Códigos HASHs Divergentes

STJ Abr24 - Quebra da Cadeia de Custódia - Prints de Mensagens do Whatsapp - Inadmissibilidade da Prova

STJ Set24 - Júri - MP Proibido de Usar Documentos da Vida Pregressa do Réu em Plenário - Uso Como Argumento de Autoridade :"Direito Penal do Autor - Ilegalidade Absoluta"