STJ 2023 - Prisão Preventiva Revogada - Lei de Drogas - Reincidente Específico e Agente não faz parte de Ocrim

 

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 833364 - SP (2023/0215876-5)

RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK

DECISÃO

Cuida-se de habeas corpus , com pedido liminar, impetrado em benefício de SAMUEL XXXXXXXX, contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO no julgamento do HC n. 2140870-61.2023.8.26.0000.

Extrai-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante, em 5/6/2023, por ter supostamente praticado o delito tipificado no art. 33, caput , da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de drogas). Referida custódia foi convertida em prisão preventiva.

Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, o qual denegou a ordem nos termos do acórdão de fls. 21/26.

No presente writ , alega o impetrante ausência dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, de modo que a custódia cautelar não estaria suficientemente fundamentada, porquanto baseada em elementos genéricos.

Pondera que a quantidade de droga apreendida e a reincidência não seria motivação hábil a justificar a imposição da segregação antecipada.

Ressalta a suficiência da aplicação de medidas alternativas ao cárcere.

Requer, liminarmente e no mérito, a expedição de alvará de soltura, ainda que mediante a fixação de medidas diversas da prisão.

A liminar foi indeferida às fls. 186/187. Informações prestadas às fls. 193/195 e 196/200. O Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem às fls. 204/209.

É o relatório.

Decido.

Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ.

Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício.

Conforme relatado, busca-se, com o presente mandamus , a revogação da custódia cautelar imposta ao paciente.

Verifica-se que o Juízo de primeiro grau converteu a prisão em flagrante em preventiva sob os seguintes fundamentos:

"[...] De mais a mais, infere-se do expediente flagrancial que o increpado mantinha considerável quantidade e variedade de entorpecentes, petrechos comuns ao tráfico e considerável quantia de dinheiro em espécie: R$ 741,00 (setecentos e quarenta e um reais) em espécie, 01 (uma) pedra abruta de crack 4,47g, 8 (oito) ependorfs contendo cocaína 0,94g,uma porção der maconha - 2,58g, dois sacos contendo ependorfs vazios e uma balança digital. Não bastassem referidos aspectos, cumpre destacar que SAMUEL ostenta diversos antecedentes policiais (fls. 89/96), relacionados a delitos de receptação, furtos, crimes da antiga Lei de Drogas. Além disso, verifico que se trata de REINCIDENTE ESPECÍFICO Proc. 0001770- 48.2009.8.26.0637 Vara Criminal de Tupã, fls. 93. Trata- se, portanto, de indicativo concreto da reiteração delitiva, o que exige medida drástica para tutela da ordem pública. Pelos motivos já exaustivamente expostos, indiscutível que a fixação de medidas cautelares diversas da prisão não é suficiente para a tutela da ordem pública e evitar a reiteração delitiva- notadamente pela variedade de drogas, bem como pela existência de circunstâncias que denotam a renitência delitiva. Atenta ao art. 312§ 2º, do Código de Processo Penal, que estabelece que"a decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada", consigno que SAMUEL era alvo de investigações da Especializada, que culminaram com a expedição de mandado de busca e apreensão. Destarte, pela existência de atos investigatórios prévios da DISE, que subsidiariam a representação em voga, resta indubitável que o increpado estava envolvido com o comércio funesto neste Município e Comarca de Tupã. Diante de referido cenário, incogitável a concessão de liberdade provisória, uma vez que a prisão preventiva é imprescindível para a tutela da ordem pública. Portanto, está bem delineada a contemporaneidade exigida pelo preceptivo em comento, bem como há prova do inegável risco gerado pelo autuado, que coloca em perigo a saúde e a tranquilidade da comunidade, haja vista (I) a natureza e quantidade de drogas 01 (uma) pedra abruta de crack

4,47g, 8 (oito) ependorfs contendo cocaína 0,94g , uma porção de maconha - 2,58g, (II) a dedicação de SAMUEL às atividades criminosas. Em suma, apesar do esforço argumentativo da defesa, tendo em vista a gravidade concreta da conduta do investigado (que dispunha de considerável quantidade de maconha e cocaína), reputo que a prisão preventiva é medida insofismável . Registre-se, por oportuno, que a custódia cautelar ora decretada não ofende a presunção de inocência, por expressa previsão legal e constitucional - uma vez que os requisitos foram satisfeitos no caso concreto" (fls. 19/20).

O Tribunal de origem manteve a custódia antecipada destacando que:

"Ademais, além da gravidade da conduta supostamente cometida, como bem destacado pelo juízo de origem:"SAMUEL ostenta diversos antecedentes policiais (fls. 89/96), relacionados a delitos de receptação, furtos, crimes da antiga Lei de Drogas. Além disso, verifico que se trata de REINCIDENTE ESPECÍFICO Proc. 0001770- 48.2009.8.26.0637Vara Criminal de Tupã, fls. 93", fundamento suficiente para a decretação da prisão preventiva.

Nesse contexto, cabe salientar que condições pessoais favoráveis não desautorizam a prisão cautelar; esta decorre das infrações em análise, não da condição pretérita do agente. Os objetivos da custódia não são afastados por tais predicados, atendendo a segregação ao imperativo de garantia da ordem pública, em cujo conceito não se visa apenas a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça.

Ademais, não se olvida que o tráfico ilícito de entorpecentes, dentre outros crimes igualmente sérios e graves, compõe a criminalidade organizada, que fomenta e dissemina outros crimes, dando-lhes suporte financeiro. Em razão disso, repita-se, a Constituição Federal presumiu a gravidade do delito para com a ordem pública, dando clara demonstração do desejo de aplicar-lhe de forma mais severa a lei. A prisão cautelar, assim, se mostra necessária para garantia da ordem pública, que se viu seriamente abalada com a conduta criminosa.

E, por isso, as medidas cautelares elencadas no artigo 319 do Código de Processo Penal revelam-se inadequadas e insuficientes para prevenção e repressão do crime, fazendo-se necessária a prisão para garantia da ordem pública. Nesse ponto, aliás, demonstrada a necessidade da prisão, resta por óbvio, afastada a aplicação das cautelares, por insuficiência" (fl. 25).

O Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento segundo o qual, considerando a natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição e manutenção quando evidenciado, de forma fundamentada em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do CPP.

Convém, ainda, ressaltar que, considerando os princípios da presunção da inocência e a excepcionalidade da prisão antecipada, a custódia cautelar somente deve persistir em casos em que não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, de que cuida o art. 319 do CPP.

No caso dos autos, não obstante as instâncias ordinárias tenham feito menção a elementos concretos do caso aptos a demonstrar a necessidade de resguardar a ordem pública, verifica-se que a quantidade de droga apreendida - 5,25g de maconha, 7,35g de crack , e 7,79g de cocaína - não se mostra exacerbada, não havendo circunstâncias que extrapolem a normalidade do tipo penal, o que permite concluir que a potencialidade lesiva da conduta imputada ao paciente não pode ser tida como das mais elevadas.

Ademais, embora o paciente seja reincidente específico, não há nos autos notícias de seu envolvimento com organização criminosa, o que, somado ao fato de o crime em questão não envolver violência ou grave ameaça à pessoa, indica a desproporcionalidade da prisão preventiva e a suficiência das medidas cautelares menos gravosas.

Nesse sentido, cito os seguintes julgados desta Corte:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. DESPROPORCIONALIDADE PARA O ACAUTELAMENTO DA ORDEM PÚBLICA. RÉ REINCIDENTE ESPECÍFICA. QUANTIDADE NÃO TÃO EXPRESSIVA DE ENTORPECENTES APREENDIDOS. MEDIDAS CAUTELARES DO ART. 319 DO CPP. SUFICIÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Para ser compatível com o Estado Democrático de Direito - o qual se ocupa de proteger tanto a liberdade quanto a segurança e a paz públicas - e com a presunção de não culpabilidade, é necessário que a decretação e a manutenção da prisão cautelar se revistam de caráter excepcional e provisório. A par disso, a decisão judicial deve ser suficientemente motivada, mediante análise da concreta necessidade da cautela, nos termos do art. 282I e II, c/c o art. 312, ambos do CPP.

2. A reincidência específica não tem o condão, por si só, de obstar a revogação da medida cautelar pessoal mais severa quando os elementos concretos demonstram ser a medida mais severa desproporcional para o acautelamento da ordem pública.

3. As providências cautelares do art. 319 do CPP não se equiparam à impunidade, haja vista que a segregação da liberdade do indivíduo, por si só, não assegura ser o meio mais eficaz na contenção da criminalidade.

4. Agravo regimental não provido.

AgRg no HC n. 800.481/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 11/5/2023).

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE ABSTRATA. POUCA QUANTIDADE DE DROGA. REITERAÇÃO QUE NÃO JUSTIÇA A CUSTÓDIA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. CABIMENTO. AGRAVO DESPROVIDO.

1. O Ministério Público Federal se insurge contra decisão monocrática desta relatoria que revogou a prisão preventiva do paciente, mediante a imposição de medidas cautelares menos gravosas.

2. A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico, e a medida deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da CF), que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Exige-se, ainda, na linha perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em motivação concreta, sendo vedadas considerações abstratas sobre a gravidade do crime.

3. As decisões proferidas pelas instâncias ordinárias carecem de fundamentação idônea. Conforme exposto, o fato imputado não se reveste de maior gravidade, tendo em vista que foram apreendidos, na posse do paciente, 27 microtubos contendo 21,86g de cocaína e 20 microtubos contendo 16,01g de cocaína, circunstância que, por ora, não autoriza o total cerceamento da sua liberdade. Enfatizou-se, ainda, que o suposto crime teria sido praticado sem violência ou grave ameaça e que não há indícios de que o paciente integre organização criminosa.

4. Sobre o tema, o STF "Se a quantidade de droga apreendida é reduzida e estão ausentes outros elementos que autorizem conclusão acerca do envolvimento profundo ou relevante do agente com o tráfico de drogas, não se justifica a prisão preventiva para resguardar a ordem pública" ( HC n. 112.766/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 6/11/2012, DJe 07/12/2012).

5. Ademais, o mero fato de as instâncias ordinárias terem ressaltado que o paciente é reincidente específico, dado indicativo de aparente reiteração, não é suficiente para justificar a prisão preventiva. Nesse sentido, cumpre lembrar que "[...] a reincidência, por si só, não é fundamento válido para justificar a segregação cautelar"(PExt no HC 270.158/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 3/2/2015, DJe 23/2/2015).

6. Assim, entendo que a prisão preventiva do paciente é ilegal, sendo perfeitamente possível a aplicação de outras medidas mais brandas, como as previstas no art. 319 do CPP.

7. Agravo regimental a que se nega provimento.

AgRg no HC n. 801.642/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 6/3/2023).

Assim, demonstrada a inadequação e a desproporcionalidade no encarceramento do paciente, deve ser substituída a prisão preventiva por medidas cautelares alternativas.

Prejudicada a análise do pedido de reconsideração de fls. 211/212.

Ante o exposto, com fulcro no art. 34 c/c 203, inciso II, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do presente habeas corpus , mas concedo a ordem, de ofício, para revogar a prisão preventiva do paciente, mediante a aplicação de medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, a serem definidas pelo Juiz de primeiro grau.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília, 31 de agosto de 2023.

JOEL ILAN PACIORNIK

Relator

(STJ - HC: 833364, Relator: JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Publicação: 01/09/2023)

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