STJ - Estupro de Vulnerável - Absolvição - Ferimento ao Princípio da Correlação Denúncia e Sentença
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
Inteiro Teor
HABEAS CORPUS Nº 847163 - PE (2023/0291848-8)
RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS
DECISÃO Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de E. J. DA S. contra acórdão da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Pernambuco, na Apelação n. 0002521- 50.2021.8.17.2420, assim ementado:
PENAL E PROCESSO PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A, CAPUT E §1º, DO CP). NULIDADE DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA. VÍCIOS ALEGADOS PELA DEFESA INEXISTENTES. PRELIMINAR REJEITADA, UNANIMEMENTE. MÉRITO. ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO PARA DELITO MENOS GRAVE. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA EVIDENCIADAS PELO CONJUNTO PROBATÓRIO. PALAVRA DA VÍTIMA AMPARADA NA PROVA TESTEMUNHAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL CARACTERIZADO. APELO IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. I – Hipótese em que não procede a alegação defensiva de que a sentença condenatória é nula pois nenhum dos vícios apontados pela defesa merece guarida. Preliminar rejeitada, unanimemente. II – Mérito. A materialidade e autoria delitivas ficaram bem delineadas sobretudo em face do relato feito firme e detalhado feito pela vítima que encontra amparo na prova testemunhal. Estupro de vulnerável caracterizado. III – Apelo improvido. Decisão unânime. (e-STJ, fls. 107-108)
O impetrante alega que que o paciente foi condenado por fato não descrito na inicial acusatória, em evidente violação ao art. 384 do Código de Processo Penal. Requer o trancamento da Ação Penal n. 0002521-50.2021.8.17.2420 por incongruência entre a denúncia e a sentença e por violação à regra da mutatio libelli. Sem pedido liminar e dispensadas as informações, o Ministério Público opinou pela concessão da ordem para anular a sentença condenatória. É o relatório.
Decido. Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício. De início, cumpre registrar que, existindo sentença condenatória, não há que se falar em trancamento da ação penal.
Extrai-se dos autos que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do art. 217-A do Código Penal porque, segundo a exordial, teria praticado ato libidinoso e mantido conjunção carnal com a vítima I. D. S., menor de 14 anos. Sobreveio sentença que o condenou pela prática do delito previsto no art. 217-A, § 1º, do Código Penal, "porque a vítima já tem mais de 14 anos [...] e que o §1º, do art. 217-A, do CPB, prevê que na mesma pena incorre quem pratica ato contra deficiente mental.
No presente caso, fica patente pelos documentos acostados ao Inquérito policial que a vítima tinha retardo mental, apesar de já ter 14 anos completos." (e-STJ, fl. 60). "O princípio da correlação entre a denúncia e a sentença condenatória representa no sistema processual penal uma das mais importantes garantias ao acusado, porquanto descreve balizas para a prolação do édito repressivo ao dispor que deve haver precisa correspondência entre o fato imputado ao réu e a sua responsabilidade penal" (AgRg no HC 583.056/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 9/6/2020, DJe 17/6/2020).
Assim, constatado o erro de capitulação na peça inicial, pode o magistrado proceder à correção e à adequação da tipificação, atribuindo aos fatos definição jurídica diversa, ainda que tenha que aplicar pena mais grave. Cuida-se, nesse caso, da emendatio libeli, previsto no art. 383 do CPP.
Não há nessa situação a superveniência de fato novo, tal como ocorre no caso da mutatio libeli, regulada pelo art. 384 do CPP, em que deverá haver o aditamento da denúncia, e, consequentemente, abertura de prazo para a defesa se manifestar. In casu, da leitura da inicial acusatória, não houve nenhuma menção ao fato de que a vítima é deficiente mental, tendo a condenação se amparado em fato não descrito na denúncia, em evidente prejuízo ao exercício da ampla defesa e do contraditório.
Verifica-se se tratar de imputação ao acusado da prática de fato diverso, não narrado, implícita ou explicitamente na denúncia, sendo, portanto, obrigatório o aditamento da peça acusatória ou o oferecimento de nova ação penal. Nos termos do parecer ministerial:
O réu defende-se dos fatos que lhe são imputados, e não de outros fatos que não foram narrados pela acusação. Assim, não tendo constado na denúncia que a vítima era deficiente mental (fato pelo qual o réu foi condenado), mas sim, equivocadamente, que a vítima era menor de 14 anos de idade, é de se reconhecer a nulidade da condenação, pois houve condenação por fato diverso do narrado pela acusação, descumprindo-se a regra do art. 384 do Código de Processo Penal. É absolutamente distinta a defesa a ser feita no caso de acusação de estupro de vulnerável por ser a vítima menor de 14 anos do que aquela que enfrenta acusação de estupro de vulnerável por alienação mental. É certo que em ambos os casos se trata de estupro de vulnerável, mas por fatos absolutamente distintos entre si. A causa da vulnerabilidade da vítima é distinta, razão por que o exercício da defesa será distinto numa e noutra hipótese. [...] Trata-se, na hipótese de mutatio libelli e a nulidade é insanável, pois a inobservância da regra do art. 384 do CPP implicou grave violação ao devido processo legal, já que o réu defendeu-se deum fato e foi condenado por outro.(e-STJ, fls. 138-139)
Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DENÚNCIA. ROUBO TENTADO. CONDENAÇÃO POR TENTATIVA DE ESTUPRO. NOVA CAPITULAÇÃO. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. NULIDADE. MUTATIO LIBELLI. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONFIGURAÇÃO. 1. O princípio da correlação entre a denúncia e a sentença condenatória representa uma das mais importantes garantias ao acusado, porquanto descreve balizas para a prolação do édito repressivo ao dispor que deve haver precisa correspondência entre o fato imputado ao réu e a sua responsabilidade penal. 2. A decisão do Juízo de primeiro grau não observou o princípio da correlação ao condenar o réu pela prática do delito de estupro tentado, quando a denúncia narra o crime de tentativa de roubo, sem que sejam descritos todas as elementares descritas no artigo 213 do Código Penal. 3. Salvo a "violência ou grave ameaça", comum aos dois tipos, os demais elementos dos crimes apontados são diversos, não havendo narrativa clara na exordial acusatória do verbo "constranger" ou de "praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso", impossibilitando a ampla defesa, o que afasta a hipótese de emendatio libelli. 4. A alteração do tipo penal requer a observância do procedimento especificado no artigo 384 do Código de Processo Penal. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AgRg no REsp n. 1.377.430/SE, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 26/2/2019, DJe de 12/3/2019.) PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NÃO IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 182/STJ. INCIDÊNCIA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. CONDENAÇÃO LASTREADA EM FATOS NÃO DESCRITOS NA DENÚNCIA. HIPÓTESE DE MUTATIO LIBELLI. ANULAÇÃO DA SENTENÇA PARA QUE SE OBSERVE EM PRIMEIRA INSTÂNCIA O RITO DO ART. 384 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AGRAVO NÃO CONHECIDO. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. 1. A ausência de impugnação específica aos fundamentos da decisão agravada impede o conhecimento do recurso, nos termos do que dispõe a Súmula 182/STJ. 2. Embora o réu tenha sido denunciado pela prática de conjunção carnal, e diante do laudo pericial inconclusivo, a sentença o condenou por atos libidinosos diversos da conjunção, mesmo sem o aditamento da denúncia. Ofensa ao princípio da correlação configurada. 3. Agravo regimental não conhecido. Habeas corpus concedido, de ofício, para anular a sentença e determinar que se observe em primeira instância o rito do art. 384 do Código de Processo Penal. (AgRg no AREsp n. 2.261.639/PE, deste relator, Quinta Turma, julgado em 16/5/2023, DJe de 22/5/2023.)
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem, de ofício, para reconhecer a nulidade da sentença e dos atos subsequentes, determinando que outra seja prolatada, em observância do disposto no art. 384 do Código de Processo Penal. Publique-se. Intime-se. Brasília, 20 de novembro de 2023.
Ministro Ribeiro Dantas Relator
(STJ - HC: 847163, Relator: RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: 22/11/2023)
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