STJ 2024 - Júri Anulado - Revisão Criminal com Prova Nova - Declarações de Testemunhas em Cartório - Possibilidade de Alteração da Condenação por Homicídio - Nulidade da Condenação e Novo Júri
Inteiro Teor
HABEAS CORPUS Nº 862789 - MS (2023/0380434-9)
RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
EMENTA
HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO QUALIFICADO. REVISÃO CRIMINAL. EXISTÊNCIA DE PROVA NOVA CAPAZ DE AUTORIZAR O REEXAME DA CONDENAÇÃO. DEPOIMENTOS QUE NÃO FORAM ANALISADOS PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA, NEM PELO TRIBUNAL DO JÚRI. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENTE. PARECER ACOLHIDO.
Ordem concedida nos termos do dispositivo.
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Emanuel XXXXXXXXXXX , apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (Revisão Criminal n. 1416000-17.2022.8.12.0000).
Narram os autos que, na Ação Penal n. 0001294-97.2004.8.12.0047, o paciente foi condenado à pena de 12 anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de homicídio qualificado.
Neste mandamus , o impetrante alega, em síntese, que a condenação do paciente foi contrária à prova dos autos, destacando que as instâncias ordinárias não analisaram a tese de legítima defesa (fl. 8).
Aduz que, no julgamento da ação revisional, a defesa apresentou prova nova, que foi afastada pela maioria dos Desembargadores estaduais.
Requer, inclusive, em liminar, a reforma do acórdão impugnado, julgando-se
procedente a revisão criminal.
Indeferida a liminar, prestadas as informações de praxe, o Ministério Público Federal opinou, pelas palavras do Subprocurador-Geral da República José Augusto Torres Potiguar, pelo não conhecimento do habeas corpus, mas pela concessão da ordem, de ofício, para anular o julgamento do paciente e determinar que seja submetido novamente ao Tribunal do Júri (fl. 81).
É o relatório.
No caso dos autos, busca o impetrante desconstituir os efeitos da coisa julgada decorrente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sob o pretexto de existir prova nova, consistente em declarações de testemunhas colhidas mediante escritura pública. Defende o impetrante a tese de que houve cerceamento de defesa.
Vejamos, no ponto, o que disse o Tribunal de Justiça, ao julgar a revisão criminal (fls. 50/52 - grifo nosso):
[...]
Com relação ao pleito de nulidade do feito por alegado cerceamento do direito de defesa do requerente, assim como ao pedido de anulação do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, sob a justificativa de que o decisum é manifestamente contrário ao acervo probatório carreado no caderno processual, compete frisar que tais temas já foram exaustivamente apreciados e decididos tanto na primeira quanto na segunda instância, sendo induvidoso que tais pretensões se limitam à mera rediscussão de questões já exauridas, inexistindo no decisório condenatório proferido qualquer ofensa frontal às provas constantes dos autos ou infringência grave à norma prevista no Estatuto Repressivo e no Diploma Processual Penal.
[...]
Sendo assim, diante das circunstâncias apresentadas, bem como ante a falta de fundamentos que tornem legítimo o intento revisional proposto pelo autor no que se refere aos pedidos de nulidade do processo por cerceamento de defesa e anulação do julgamento realizado pelo Tribunal Popular, resta inequívoca sua inadmissibilidade, razão pela qual o não conhecimento quanto a eles é medida que se impõe .
[...]
Contudo, no voto divergente, temos o seguinte (fls. 53/55 - grifo nosso):
[...]
In casu, o requerente além das teses de cerceamento de defesa e julgamento contrário às provas dos autos, argumenta que traz provas novas consistentes em declarações de testemunhas colhidos por meio de escritura pública, que demonstram suas alegações são pertinentes.
Assim, seria necessário conhecer do pedido para analisar as alegações defensivas.
Portanto, não há falar que a matéria foi objeto de análise nos autos originários, visto que há novo elemento a ser analisado.
[...]
Em relação ao pedido de afastamento da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima ou anulação do julgamento por estar contrário às provas dos autos, não é possível apenas sua exclusão, ante a competência constitucional dos jurados para tal proceder, de modo que o acolhimento do pedido somente pode acarretar em anulação do julgamento.
A pessoa de GesZZZZZZZZZs (p. 29-30) afirma na escritura pública de declaração que ouviu dizer da vítima AnZXXXXXXXXXs, em conversa informal há mais de dezessete anos, que tinha intenção em matar os filhos de Jacira, dentre eles o ora requerente Emanuel, mas achou que não falava sério, não tendo contado a ninguém. Alega que dias antes do crime Jacira lhe disse que AnXXXXXXXXXis havia atirado contra seus filhos.
Quanto a esse depoimento nada acrescentou sobre os fatos, pois apenas falou sobre fatos que já tinham sido abordados durante a instrução penal acerca da rixa prévia entre autor e vítima.
Por outro lado, a pessoa de MaXXXXXXXXXXXssis no depoimento prestado em cartório (p. 31-32) traz informações que permitem a revisão do julgamento.
Marinetti afirma que ela e o companheiro eram funcionários do cônjuge da vítima na época dos fatos e que ela e o marido não foram testemunhar perante o Tribunal do Júri porque a família da vítima pediu aos mesmos e lhes prometeu dinheiro e uma chácara para mentirem que a vítima não possuía arma, mas preferiram não comparecer para não mentir perante os jurados, esclarecendo que nem chegaram a receber nada. Declarou que não chegou a ver Emanuel (réu) atirar ou Moraes (vítima) cair, só ouviu os tiros porque estava dentro de casa com o neto e o filho.
Acrescentou que o irmão da vítima, Pedro, não deixou que ligassem para o resgate antes de pedir a um vizinho para esconder as armas deles.
Afirmou que ela e o marido foram obrigados a mentir sobre a presença de crianças no local e a ausência de armas com a vítima e seu irmão.
Embora Marinetti e o companheiro Valdeni XXXXXXXXXXmargo (XXXXX) não tenham sido ouvidos perante o Tribunal do Júri, o Promotor de Justiça leu em plenário trechos de seus depoimentos prestados em juízo (p. 528-530 e 530-533), conforme consta na no Termo de Assentada do Julgamento (p. 39).
Ou seja, tal declaração indica que as circunstâncias relatadas acerca da posse de arma pela vítima no momento do crime (fato que havia afirmado diferentemente pela depoente Marinetti XXXXXX ao ser ouvida em juízo - p.530-533 cujo depoimento foi lido em plenário pela acusação) poderia ter sido considerada pelos jurados, tanto na análise da alegação de legítima defesa quanto para julgamento acerca da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima.
Logo, plenamente possível a anulação do julgamento com base no art. 621, III, do CP que admite a revisão criminal "quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena."
Reforçando referido depoimento sobre Marinette não falar totalmente a verdade quando foi ouvida durante a instrução acerca da posse de arma pela vítima no momento do crime, a defesa traz outra declaração da pessoa de EXXXXXXX (p. 33-34), a qual relata que ouviu dizer acerca da pessoa de Pedro, irmão da vítima, ter mentido em juízo, pois soube em reunião de família que a vítima portava armas e instigou o réu com ofensas e apresentando arma de grosso calibre, tendo como mira o réu ao sacar bruscamente uma arma, sendo revidado pelo réu em legítima defesa. Disse também ter ouvido dizer que o funcionário Valdeni BXXXXXXXXXo e sua esposa (MarinettXXXXXXXXX) não compareceram para depor perante o Tribunal do Júri porque a família da vítima lhes pediu para mentir, tendo os mesmos optado por não comparecerem para depor perante os jurados.
Portanto, o julgamento, tanto em relação à possiblidade de existência de excludente de ilicitude da legítima defesa, como da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, pode ter sido emanado pelas omissões apontadas pelas testemunhas.
Assim, deve ser anulado o julgamento em relação ao ora requerente Emanuel XXXXXXXXXXX, a fim de que seja novamente submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.
[...]
Pois bem, não obstante o voto vencedor, filio-me ao voto vencido, principalmente, no sentido de que o julgamento do réu, ora paciente, tanto no que se refere à possibilidade de excludente de ilicitude (legítima defesa), quanto da exclusão da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, pode ter sido fruto da ausência dos relatos das testemunhas só agora conhecidos.
Contudo, trata-se de novo depoimento feito em Cartório extrajudicial, mediante escritura pública, prestado por testemunhas, cujas declarações parecem ser essenciais para o resultado do julgamento.
Assim, como bem destacou o nobre parecerista, tem-se, portanto, evidenciada a existência de "prova nova" apta a determinar o reexame da condenação, em razão da juntada, após o julgamento popular do réu, de prova defensiva, a qual embasa "tanto análise da alegação de legítima defesa quanto para julgamento sobre a qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima" (fl. 80).
Nesse sentido, a propósito, a jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que somente é " cabível o ajuizamento de revisão criminal para anular condenação penal transitada em julgado quando a sentença for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, fundada em depoimentos, exames ou documentos falsos, ou se descobrirem provas novas da inocência ou de circunstância de autorize a diminuição da pena" (REsp n. 1.371.229/SE, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 6/11/2015 - grifo nosso).
Ante o exposto, à vista do parecer, concedo a ordem a fim de anular o julgamento do paciente, determinando-se que ele seja submetido a novo julgamento pelo Tribunal de Júri.
Comunique-se com urgência.
Intime-se o Ministério Público estadual.
Publique-se.
Brasília, 23 de janeiro de 2024.
Ministro Sebastião Reis Júnior
Relator
(STJ - HC: 862789, Relator: SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Publicação: 24/01/2024)
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