STJ 2024 - Lei de Drogas - Desclassificação para Informante (Art.37) - Ausência de Indícios do Art. 33 - Pena Reduzida para 2 anos
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
Inteiro Teor
HABEAS CORPUS Nº 879956 - SP (2023/0463012-5)
RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
EMENTA
HABEAS CORPUS . TRÁFICO DE DROGAS. COLABORAÇÃO COMO INFORMANTE DO GRUPO CRIMINOSO DEDICADO AO TRÁFICO DE DROGAS. ELEMENTOS DOS AUTOS QUE DESCREVEM OS ELEMENTOS DO ART. 37 DA LEI N. 11.343/2006. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE PARTICIPAÇÃO DIRETA NO TRÁFICO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O TIPO DO ART. 37 DA LEI N. 11.343/2006. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. FUNDAMENTOS DO PARECER MINISTERIAL ACOLHIDOS.
Ordem concedida nos termos do dispositivo.
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de RXXXXXXXXXXX - condenado como incurso no art. 33, caput , da Lei n. 11.343/2006, à pena de 5 anos de reclusão, em regime semiaberto, e pagamento de 500 dias-multa -, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação Criminal n. 1502129-30.2023.8.26.0540).
Alega a defesa constrangimento ilegal, visto que o Magistrado reconheceu que a conduta do paciente se amolda ao tipo do art. 37 da Lei Drogas, mas, arbitrariamente, não desclassificou a conduta. [...] O olheiro realiza exatamente a função de informante, de modo que sua condenação não pode se dar sobre o art. 33 da Lei n. 11.343/2006, sob pena de violação da legalidade e do princípio da culpabilidade (fl. 7).
Aduz, ainda, que não houve fundamentação válida para afastar a minorante do tráfico privilegiado.
Requer, assim, a concessão da ordem para para absolver o paciente, ou subsidiariamente: a) A desclassificação da conduta para o crime do art. 37, da Lei n. 11.343/2006; b) O reconhecimento da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006; e c) A fixação do regime mais benéfico permitido em lei, inclusive à luz dos enunciados de Súmula 718 e 719, do E. Supremo Tribunal Federal e 440, do E. Superior Tribunal de Justiça (fl. 24).
Liminar indeferida (fls. 63/64).
Informações prestadas (fls. 66/68), o Ministério Público Federal ofereceu parecer pela concessão da ordem (fls. 74/78).
É o relatório.
Estou de acordo com o parecer oferecido pelo Subprocurador-Geral da República Elton Ghersel, cujos fundamentos a seguir transcritos adoto como razão de decidir (fls. 75/77 - grifo nosso):
[...]
A condenação resulta da prisão em flagrante do paciente, que portava dois radio comunicadores , quando foi avistado por uma equipe da Polícia Civil na frente de um imóvel de onde um indivíduo conseguiu se evadir. Dentro da casa, foram encontrados 1.574,52g de maconha, 522,4g de cocaína, 2.953,05g de crack e cadernos com anotações do tráfico de drogas.
Ao afastar o enquadramento da conduta no tipo do art. 37 da Lei 11.343/2006, asseverou o juízo sentenciante (fl. 43):
A quantidade de droga encontrada na residência e as demais circunstâncias da apreensão, tais como a variedade e a forma em que estava armazenada, além dos rádios transmissores e anotações apreendidos, trazem elementos suficientes de que o acusado atuava para o narcotráfico.
Não se amolda ao caso em tela o disposto no art. 37 da Lei nº 11.343/06, tendo em vista que não há prova da existência de grupo, organização ou associação para o tráfico de drogas para o qual o réu pudesse estar colaborando, ao contrário, participou de forma determinante para o êxito do tráfico de drogas, uma vez que responsável pela segurança do local e comunicação sobre a aproximação da polícia.
O acórdão impetrado manteve o entendimento, com os seguintes argumentos (fls. 30/31):
Pois bem, a despeito dos argumentos defensivos, não foi produzida qualquer prova concreta no sentido de que Robson estivesse atuando tão somente como informante do narcotráfico.
Ao contrário disso, as circunstâncias dos fatos, detalhadas pelos policiais que participaram da ocorrência, demonstraram que o acusado agia em comparsaria com outro indivíduo, não identificado, na prática do comércio espúrio. Além disso, não houve qualquer prova defensiva no sentido de que a suposta colaboração do acusado fosse meramente eventual.
Nesse contexto, correta a condenação pelo crime de tráfico de drogas, não havendo falar em absolvição ou reclassificação para o art. 37 da Lei de Drogas.
Em outra perspectiva, o réu afirmou, em juízo, que recebeu R$ 50,00 para atuar como "olheiro" apenas na data dos fatos e que não sabia o que era guardado no local e tampouco era proprietário das drogas.
Quanto às declarações policiais que deram suporte à condenação, consignou a sentença (fl. 42):
Os policiais civis, na fase antejudiciária, historiaram que (sic) "em diligências da OPERAÇÃO TUDO 3, foram dar cumprimento a Mandado de Busca e Apreensão para endereço à Travessa Itaparica, 311. Tal diligência restou infrutífera, com nada sendo encontrado, mas quando saiam da comunidade lograram avistar um" olheiro "com um HT defronte ao domicílio situado no local dos fatos. Efetuaram então a abordagem, momento em que um segundo indivíduo que estava no pavimento inferior da casa se evadiu do local, tendo ainda arrombado uma porta de alumínio, adentrado num barraco, e fugido pelos telhados para o interior da comunidade. Tal indivíduo deixou uma porta aberta no barraco onde estava, sendo que os policiais ao adentrarem no referido local, lograram encontrar as quantidades de entorpecentes supra descritas, bem como cadernos contendo anotações do tráfico. O indivíduo detido apresentou seu documento de identidade, em que se identificou ser ROBSON XXXXXXXXXX, e alegou aos policiais que era catador de recicláveis, não tinha relação direta ao tráfico, e que teria recebido R$ 50,00 para ficar no local de olheiro, apenas naquela vez (fls. 02-4).
Em juízo, o policial civil Fabio reiterou integralmente a dinâmica do ocorrido, confirmando que o réu foi abordado em frente a uma residência com dois rádios transmissores. Ao perceber a abordagem do acusado, um outro indivíduo evadiu-se do imóvel, deixando-o aberto. Em buscas pelo local, verificaram que a residência era desprovida de móveis e tinha um piso falso, onde estava escondida grande quantidade de entorpecentes . Informalmente, Robson afirmou que estava exercendo a função de olheiro ( mídia digital).
Ou seja, desde a denúncia, atribuiu-se ao paciente a condição de olheiro, sem que fossem apresentados indícios de que sua participação fosse além da colaboração como informante do grupo dedicado à prática do tráfico de drogas. Recomenda-se, portanto, a desclassificação para o crime do art. 37 da Lei 11.343/2006. Nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA RECONHECIDA. ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006, C/C O ART. 29, § 1º, DO CP. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FIGURA DO ART. 37 DA LEI DE DROGAS. COLABORADOR COMO INFORMANTE.
1. O conflito aparente de normas penais incriminadoras tem lugar quando um mesmo fato admite, em tese, a subsunção de mais de um tipo penal a ele. Em nome da unidade do sistema jurídico e, buscando evitar a ocorrência da dupla punição pelo mesmo evento (bis in idem), cumpre ao aplicador da norma se valer dos critérios interpretativos, afastando a incidência de múltiplas leis sobre um mesmo fato.
2. O tipo do art. 37 da Lei n. 11.343/2006 acresce elementos normativos à sua descrição que, uma vez afastados, fariam recair a capitulação do fato no tipo do art. 33 do mesmo diploma legal. Enquanto nesse último estão abarcadas todas as condutas enquadráveis nos 18 verbos do tipo, no primeiro, apenas aquela modalidade de participação - a colaboração como informante para prática dos mencionados verbos - é tipificável.
3. A Lei n. 11.343/2006, ao estabelecer uma tipificação própria para quem colabora com informante, afastou a possibilidade de concurso entre o
" colaborador como informante "e o" traficante ". Considerando que o concurso de pessoas exige: i) a pluralidade de participantes e de condutas, ii) a relevância causal de cada conduta, iii) o vínculo subjetivo entre os participantes e, ressalto, iv) a identidade de infração penal, sendo que a tipificação própria da conduta do colaborador afasta a aplicação da norma de extensão (art. 29 do CP) cumulada com os arts. 33, caput e § 1º, ou 34 da Lei de Drogas.
4. Na espécie, a conduta do recorrente pode ser enquadrada tanto na figura do art. 37 quanto do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, c/c o art. 29 do Código Penal. No entanto, a elementar" colaborar como informante "afasta a incidência dos tipos mais gerais, descritos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 do mesmo diploma.
5. Pleito absolutório afastado, visto que não se trata de aplicação do art. 384 do Código de Processo Penal, procedimento este vedado em sede recursal, mas de emendatio libelli , figura do art. 383 do Código de Processo Penal, em que se atribui nova capitulação jurídica aos fatos descritos. Súmula 453/STF afastada.
6. Considerando que a pena do delito do art. 37 da Lei de Drogas varia entre 2 e 6 anos de reclusão, mantida a exasperação da pena-base operada na instância local em 1/5, mantida também a compensação entre confissão espontânea e reincidência, ausentes causas de aumento ou diminuição, fica a reprimenda definitiva em 2 anos, 4 meses e 24 dias.
7. Recurso especial parcialmente provido a fim de desclassificar a conduta para o delito do art. 37 da Lei n. 11.343/2006, redimensionando a pena imposta ao recorrente para 2 anos, 4 meses e 24 dias de reclusão, mantidos os demais termos da condenação. (STJ, REsp n. 1.698.621/MG, 6 Turma, DJe 5/4/2019).
[...]
Com efeito, especificamente no caso dos autos, não houve o revolvimento de matéria fático-probatória, procedimento vedado na via estreita do habeas corpus , de cognição sumária. No presente caso, houve apenas a revaloração de fatos incontroversos narrados nos autos. Depende, ademais, da definição, meramente jurídica, acerca da interpretação a ser dada sobre os fundamentos apontados pelas instâncias de origem para condenar o réu pela prática do crime de tráfico de drogas, vis-à-vis os elementos (subjetivos e objetivos) do tipo penal respectivo (HC n. 727.297/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe 24/5/2022).
Fixadas essas premissas e seguindo as demais determinantes da instância de origem, passo à fixação da pena.
Na primeira fase, diante da ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, fica a reprimenda estabelecida em 2 anos de reclusão e pagamento de 300 dias-multa. Na segunda fase, apesar da atenuante da confissão, a pena segue no mesmo patamar (Súmula 231/STJ). Na terceira fase, não havendo causas de aumento ou diminuição, fica a pena final fixada em 2 anos de reclusão e pagamento de 300 dias-multa, em regime aberto, nos termos do art. 33, § 2º, c, do Código Penal.
Ante o exposto, acolhendo os fundamentos do parecer ministerial, concedo a ordem para desclassificar a conduta do paciente para o delito do art. 37 da Lei n. 11.343/2006, redimensionando a pena imposta para 2 anos de reclusão e pagamento de 300 dias-multa, em regime aberto.
Comunique-se.
Intime-se o Ministério Público estadual.
Publique-se.
(STJ - HC: 879956, Relator: SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Publicação: 17/01/2024)
Brasília, 15 de janeiro de 2024.
Ministro Sebastião Reis Júnior
Relator
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