STJ Fev24 - Lei de Drogas - Art. 33 -Absolvição - Ausência de Materialidade - Inexistência de Entorpecentes Apreendidos - laudo toxicológico definitivo é imprescindível
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
Inteiro Teor
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2257695 - MG (2022/0378262-0)
RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
DECISÃO
Trata-se de agravo do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - MPE contra decisão proferida no TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - TJMG que inadmitiu seu recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, alínea a, da Constituição Federal - CF, contra acórdão proferido no julgamento de embargos de declaração na Apelação Criminal n. 1.0642.20.000120-3/002.
Consta dos autos que o ora agravado, CLEBER XXXXXXX, foi condenado como incurso nas penas do art. 33, caput , da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de entorpecentes), ao cumprimento de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 550 (quinhentos e cinquenta) dias-multa (fls. 540/541).
Recurso de apelação interposto pela defesa foi provido para absolver o agravado. O acórdão ficou assim ementado:
"APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - ABSOLVIÇÃO - NECESSIDADE - CARÊNCIA DE PROVAS DA MATERIALIDADE DO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/06 - AUSÊNCIA DE APREENSÃO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES - PROVA INSUFICIENTE A SUSTENTAR O ÉDITO CONDENATÓRIO - RECURSO PROVIDO. - Impõe-se a absolvição do réu referente ao delito previsto no artigo 33 da LeÍ 11.343/06, diante da não apreensão de qualquer substância entorpecente, estando, assim, ausente prova da materialidade delitiva quanto ao crime de tráfico de drogas." (fl. 631).
Os embargos de declaração opostos pelo MPE foram rejeitados, conforme acórdão de fls. 663/667.
Nas razões do recurso especial (fls. 672/683), o MPE apontou violação aos arts. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, 158, 167 e 386, II, todos do Código de Processo Penal - CPP, porque o TJMG absolveu o réu em razão da falta de apreensão de droga. Sustenta a possibilidade de condenação pela prática do delito de tráfico de drogas com base em prova documental e testemunhal, mesmo nos casos de não apreensão da droga. Aduz que há elementos de provas, devidamente mencionados no acórdão, demonstrando a comercialização de drogas, pois:
"Apesar da negativa do recorrido em seu interrogatório, constata-se do Relatório de Investigações vários diálogos mantidos por aplicativo de mensagens via aparelho de telefone celular, nos quais o recorrido negocia a venda, aquisição e trocas de diferentes espécies de drogas, além de indicar aos usuários outros traficantes, quando não possuía determinado tipo de droga para fornecimento.
Vale mencionar o depoimento da testemunha XXXXXXXXXX, prestado às fis. 225/226 e 240/242, durante a fase inquisitiva e confirmado em juízo, confirma que comprava as drogas que consumia nas mãos do ora recorrido, e que Cleber mandava um rapaz lhe entregar." (fl. 677).
Requer seja restabelecida a condenação.
Sem contrarrazões (fl. 686).
O recurso especial foi inadmitido no TJMG em razão do óbice da Súmula n. 7 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ (fls. 688/691).
Em agravo em recurso especial, o MPE impugnou o referido óbice (fls. 694/704). Sem contraminuta (fl. 706).
Os autos vieram a esta Corte, sendo protocolados e distribuídos. Aberta vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MPF, este opinou pelo provimento do recurso especial (fls. 719/721).
É o relatório. Decido.
Atendidos os pressupostos de admissibilidade do agravo em recurso especial, passa-se à análise do recurso especial.
Como bem deduzido pelo MPE, o TJMG absolveu o agravado em razão de não ter sido apreendida qualquer droga. Vejamos:
"Vê-se que razão lhe assiste, pois não há provas da materialidade do delito de tráfico de drogas.
No presente caso, o que se verifica dos autos é que inexiste prova da materialidade do referido crime, uma vez que não houve a apreensão de qualquer quantidade de droga, sendo a acusação relativa à prática do tráfico de drogas decorrente das informações colhidas no aparelho celular periciado às fls. 31/48 e da apreensão de uma bucha de maconha com terceira pessoa, meses após a busca e apreensão realizada na residência do apelante.
Com efeito, depreende-se dos autos que a presente ação penal foi subsidiada pelo desempenho da Polícia Civil, que iniciou investigação para apurar a prática do tráfico de drogas na casa de CleberXXXXXXXXXX.
Com suporte nas informações preliminares, principalmente em"denúncias anônimas", a Polícia Judiciária realizou trabalho investigativo, apurando que diversos usuários de drogas eram vistos entrando e saindo do mencionado imóvel.
Assim, houve representação para expedição de mandado de busca e apreensão na residência do apelante, o qual foi deferido, sendo a diligência efetivamente cumprida por Policiais Militares na data de 06/12/2019, resultando na apreensão do do aparelho celular utilizado por Cleber.
Não obstante, realizou-se a quebra do sigilo telefônico, realizando análises de dados e conversas existentes no aparelho celular, degravando-se parte delas, conforme Relatório de Análise e Transcrição de fis. 31/48.
Realmente há diversas conversas com pessoas diferentes, no sentido de que Cleber XXXXXXXXs negociou substâncias entorpecentes.
Com efeito, uma das pessoas que trocou mensagem com o réu, Juliane Cordeiro da Silva, também foi alvo do mandado de busca e apreensão, sendo apreendida, no dia 30/04/2020, em sua residência uma bucha de maconha, pensando 2,26g (dois gramas e vinte e seis centigramas) conforme Laudo Preliminar e Laudo Definitivo (fls. 364 e 366).
Na ocasião, Juliane prestou declarações na delegacia de polícia e afirmou que a bucha de maconha, encontrada debaixo do móvel do seu quarto lhe pertencia, pois é usuária de drogas. Disse ainda que SamXXXXXXXXXX foi quem lhe forneceu referida droga (fls. 225/226). Em juízo (mídia disponível no PJE-Midias, no sítio eletrônico do CNJ), Juliane confirmou as declarações prestadas na fase policial.
Nesse contexto, o que se percebe é que esta bucha de maconha foi apreendida meses após (30/04/2020) a busca e apreensão realizada na residência do apelante (06/12/2019), em local diverso, ou seja, na casa de Juliane XXXXXXX.
No entanto, esta apreensão da bucha de maconha ou mesmo as conversas extraídas do aparelho de telefone celular do réu, por si só, não são suficientes para a caracterização do delito de tráfico de drogas por parte de Cleber, sendo as conclusões apresentadas no laudo pericial incapazes de subsidiar a acusação referente ao delito previsto no artigo 33 da Lei de Drogas.
Quanto à conclusão exposta, válido colacionar julgados deste Eg. Tribunal de Justiça em que foi ressaltada a impossibilidade de condenação pelo delito de tráfico de drogas em casos em que não houve a apreensão de entorpecentes:
( ...)
Em que pese haver provas acerca da negociação de substâncias, em tese, entorpecentes por parte do apelante, quando das buscas no imóvel do réu não foram apreendidas quaisquer substâncias que pudessem ter sido submetidas a perícia para que a natureza entorpecente fosse constada.
Certo que o apelante foi processado e condenado pelo tráfico de drogas com base nas degravações das conversas telefônicas interceptadas, através das quais ele negociava a venda das supostas drogas, sem que qualquer substância fosseapreendida e periciada.
Ocorre que, a meu ver, há a necessidade de se comprovar com a apreensão de substâncias comercializadas, a natureza do material ilícito, haja vista que tais substâncias poderiam não ser substância entorpecente.
Ademais, para a configuração do delito previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/06, é imprescindível a realização da perícia técnica, a fim de se comprovar a materialidade delitiva, não podendo esta ser demonstrada apenas por prova testemunhal ou degravações realizadas a partir de quebra de sigilo telefônico no aparelho celular do réu.
Destarte, o que se observa é a manifesta impossibilidade de manutenção da imputação referente ao delito previsto no artigo 33 da Lei 11.343106, uma vez que ausentes provas acerca da materialidade de tal delito." (fls. 637/641):
Tal entendimento encontra respaldo na jurisprudência desta Corte, consoante recentes precedentes:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. APREENSÃO DE ENTORPECENTE. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DA PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA. PRECEDENTE DO STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O recente posicionamento da Terceira Seção desta Corte Superior é no sentido da impossibilidade de condenação pelo crime do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 quando não há apreensão de droga, mesmo que sejam mencionadas outras provas robustas a indicar a dedicação do acusado à mercancia de entorpecentes.
2. Na hipótese, não obstante a prova testemunhal e documental tenham apontado para a suposta prática do crime de tráfico de drogas pelo agravado e demais corréus, restou incontroverso nos autos que, em nenhum momento, houve a apreensão de qualquer substância entorpecente, seja em poder dele, seja em poder dos corréus ou de terceiros não identificados.
3. O entendimento da Corte de origem de que "a ausência de apreensão de substância entorpecente em posse do paciente não descarta a autoria e a comprovação do delito" vai de encontro à atual orientação jurisprudencial desta Corte sobre o tema, no sentido de que, para a caracterização do delito de tráfico de drogas, é imprescindível que haja a apreensão de entorpecente com ao menos um dos acusados, e, nesse caso, demonstrado o liame subjetivo entre os agentes, o que não ocorreu na hipótese.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 832.382/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 2/10/2023, DJe de 5/10/2023.)
PROCESSO PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE APREENSÃO DA DROGA E DE LAUDO TOXICOLÓGICO DEFINITIVO. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA. ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. No julgamento do EREsp n. 1.544.057/RJ, de minha relatoria, julgado em 26/10/2016, DJe 09/11/2016, a Terceira Seção uniformizou o entendimento de que o laudo toxicológico definitivo é imprescindível à demonstração da materialidade delitiva do delito e, nesse sentido, tem a natureza jurídica de prova, não podendo ser confundido com mera nulidade, implicando na absolvição do acusado.
Foi ressalvada, ainda, a possibilidade de se manter o édito condenatório quando a prova da materialidade delitiva está amparada em laudo preliminar, dotado de certeza idêntica ao do definitivo, certificado por perito oficial e em procedimento equivalente, o que não ocorreu na hipótese.
2. Não ocorrendo a apreensão de drogas, imprescindível para a demonstração da materialidade do crime de tráfico, de rigor a absolvição.
3. Não se desconhece que a ausência de apreensão de drogas na posse direta do agente não afasta a materialidade do delito de tráfico quando estiver delineada a sua ligação com outros integrantes da mesma organização criminosa que mantinham a guarda dos estupefacientes destinados ao comércio proscrito (HC n. 536.222/SC, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe de 4/8/2020). Ocorre que, como visto, no presente caso, as provas coletadas não demonstram nexo entre o tóxico arrecadado - parte dele em poder da quadrilha formada pelos irmãos Alefe e Alexandre Junior e o restante na posse de outros acusados - e os réus Aiane Ataíde e Welbert Henrique (e-STJ fls. 6034/6035).
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AgRg no AREsp n. 2.401.442/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 29/9/2023.)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE APREENSÃO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS ACERCA DA MATERIALIDADE DO DELITO. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS APTOS A COMPROVAR A PRÁTICA DO CRIME. IRRELEVÂNCIA. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. IMPRESCINDIBILIDADE DE APREENSÃO DE DROGAS NA POSSE DIRETA DO AGENTE. ORDEM CONCEDIDA, COM EXTENSÃO, DE OFÍCIO AOS CORRÉUS.
No julgamento do HC n. 350.996/RJ, de relatoria do Ministro Nefi Cordeiro, a Terceira Seção reconheceu, à unanimidade, que o laudo toxicológico definitivo é imprescindível para a comprovação da materialidade dos delitos envolvendo entorpecentes, sem o qual é forçosa a absolvição do acusado, admitindo-se, no entanto, em situações excepcionais, que a materialidade do crime de tráfico de drogas possa ser demonstrada por laudo de constatação provisório, desde que ele permita grau de certeza idêntico ao do laudo definitivo e haja sido elaborado por perito oficial, em procedimento e conclusões equivalentes.
Por ocasião do julgamento dos EREsp n. 1.544.057/RJ, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (DJe 9/11/2016), a Terceira Seção desta Corte uniformizou o entendimento de que a ausência do laudo toxicológico definitivo implica a absolvição do acusado, por ausência de provas acerca da materialidade do delito, e não a nulidade da sentença. Foi ressalvada, no entanto, a possibilidade de se manter o édito condenatório quando a prova da materialidade delitiva estiver amparada em laudo preliminar de constatação, dotada de certeza idêntica ao do definitivo, certificado por perito oficial e em procedimento equivalente, que possa identificar, com certo grau de certeza, a existência dos elementos físicos e químicos que qualifiquem a substância como droga, nos termos em que previsto na Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.
Pelo que decidido nos autos dos EREsp n. n. 1.544.057/RJ, é possível inferir que, em um ou outro caso, ou seja, com laudo toxicológico definitivo ou, de forma excepcionalíssima, com laudo de constatação provisório, é necessário que sejam apreendidas drogas.
Em outros termos, para a condenação de alguém pela prática do crime de tráfico de drogas, é necessária a apreensão de drogas e a consequente elaboração ao menos de laudo preliminar, sob pena de se impor a absolvição do réu, por ausência de provas acerca da materialidade do delito.
Pelo raciocínio desenvolvido no julgamento dos referidos EREsp n. 1.544.057/RJ, também é possível depreender que, nem mesmo em situação excepcional, a prova testemunhal ou a confissão do acusado, por exemplo, poderiam ser reputadas como elementos probatórios aptos a suprir a ausência do laudo toxicológico, seja ele definitivo, seja ele provisório assinado por perito e com o mesmo grau de certeza presente em um laudo definitivo.
O art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 apresenta-se como norma penal em branco, porque define o crime de tráfico com base na prática de dezoito condutas relacionadas a drogas - importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer -, sem, no entanto, trazer a definição do elemento do tipo "drogas".
Segundo o parágrafo único do art. 1º da Lei n. 11.343/2006, "consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União."
Portanto, a definição do que sejam "drogas", capazes de caracterizar os delitos previstos na Lei n. 11.343/2006, advém da Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (daí a classificação doutrinária, em relação ao art. 33 da Lei n. 11.343/2006, de que se está diante de uma norma penal em branco heterogênea). Vale dizer, por ser constituída de um conceito técnico-jurídico, só será considerado droga o que a lei (em sentido amplo) assim reconhecer como tal.
Mesmo que determinada substância cause dependência física ou psíquica, se ela não estiver prevista no rol das substâncias legalmente proibidas, ela não será tratada como droga para fins de incidência da Lei n. 11.343/2006. No entanto, para a perfectibilização do tipo previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, é necessário mais do que isso: é necessário que a substância seja efetivamente apreendida e periciada, para que se possa identificar, com grau de certeza, qual é o tipo de substância ou produto e se ela (e) efetivamente encontra-se prevista (o) na Portaria n. 344/1998 da Anvisa.
A caracterização do crime de tráfico de drogas prescinde de apreensão de droga em poder de cada um dos acusados; basta que, evidenciado o liame subjetivo entre os agentes, haja a apreensão de drogas com apenas um deles para que esteja evidenciada, ao menos em tese, a prática do delito em questão. Assim, a mera ausência de apreensão de drogas na posse direta do agente "não afasta a materialidade do delito de tráfico quando estiver delineada a sua ligação com outros integrantes da mesma organização criminosa que mantinham a guarda dos estupefacientes destinados ao comércio proscrito", conforme decidido por ocasião do julgamento do HC n. 536.222/SC, de relatoria do Ministro Jorge Mussi (5a T., DJe de 4/8/2020).
Na hipótese dos autos, embora os depoimentos testemunhais e as provas oriundas das interceptações telefônicas judicialmente autorizadas tenham evidenciado que a paciente e os demais corréus supostamente adquiriam, vendiam e ofereciam
"drogas" a terceiros - tais como maconha, cocaína e crack -, não há como subsistir a condenação pela prática do delito descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, se, em nenhum momento, houve a apreensão de qualquer substância entorpecente, seja em poder dela, seja em poder dos corréus ou de terceiros não identificados.
Apesar das diversas diligências empreendidas pela acusação, que envolveram o monitoramento dos acusados, a realização de interceptações telefônicas, a oitiva de testemunhas (depoimentos de policiais) etc., não houve a apreensão de droga, pressuposto da materialidade delitiva. Assim, mesmo sendo possível extrair dos autos diversas tratativas de comercialização de entorpecentes pelos acusados, essas provas podem caracterizar o crime de associação para o tráfico de drogas, mas não o delito de tráfico em si.
Ao funcionar como regra que disciplina a atividade probatória, a presunção de não culpabilidade preserva a liberdade e a inocência do acusado contra juízos baseados em mera probabilidade, determinando que somente a certeza pode lastrear uma condenação. A presunção de inocência, sob tal perspectiva, impõe ao titular da ação penal todo o ônus de provar a acusação, quer a parte objecti, quer a parte subjecti. Não basta, portanto, atribuir a alguém conduta cuja compreensão e subsunção jurídico- normativa, em sua dinâmica subjetiva - o ânimo a mover a conduta -, decorre de avaliação pessoal de agentes do Estado, e não dos fatos e das circunstâncias objetivamente demonstradas.
Uma vez que houve clara violação da regra probatória inerente ao princípio da presunção de inocência, não há como subsistir a condenação da acusada no tocante ao referido delito, por ausência de provas acerca da materialidade.
Permanece hígida a condenação da ré no tocante ao crime de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343/2006), haja vista que esta Corte Superior de Justiça entende que, para a configuração do referido delito, é irrelevante a apreensão de drogas na posse direta do agente. Precedentes.
Embora remanescente apenas a condenação pelo crime de associação para o tráfico de drogas, deve ser mantida inalterada a imposição do regime inicial fechado. Isso porque, embora a acusada haja sido condenada a reprimenda superior a 4 e inferior a 8 anos de reclusão, teve a pena-base desse delito fixada acima do mínimo legal, circunstância que, evidentemente, autoriza a fixação de regime prisional mais gravoso do que o permitido em razão da pena aplicada.
Ordem de habeas corpus concedida, a fim de absolver a paciente em relação à prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, objeto do Processo n. 0001004-55.2016.8.12.0017, por ausência de provas acerca da materialidade do delito. Extensão, de ofício, dos efeitos da decisão a todos os corréus, para também absolvê-los no tocante ao delito de tráfico de drogas.
(HC n. 686.312/MS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 12/4/2023, DJe de 19/4/2023.)
Ante o exposto, conheço do agravo para conhecer do recurso especial e, com fundamento na Súmula n. 568 do STJ, negar-lhe provimento.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 01 de fevereiro de 2024.
JOEL ILAN PACIORNIK
Relator
(STJ - AREsp: 2257695, Relator: JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Publicação: 02/02/2024)
👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10
👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv
Comentários
Postar um comentário