STJ Mar24 - Absolvição Importunação Sexual - Ausência de Justa Causa - Palavra da Vítima Não Pode Ser Isolada dos Demais Elementos dos Autos - Ato Praticado Por Meio de Envio de Fotos e Vídeos Por Aplicativos Não Caracteriza o Art. 215-A CP
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1984169 - DF (2022/0031847-3) RELATOR : MINISTRO JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT)
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. ART. 215-A DO CP. DENÚNCIA REJEITADA POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. As instâncias ordinárias entenderam não estar devidamente caracterizado o dolo específico do denunciado, tampouco a questão da discordância da vítima (ex-companheira) teria sido especialmente amoldada ao conteúdo normativo. 2. “É certo que a palavra da vítima tem peso preponderante sobre demais elementos que venham a ser colhidos na investigação ou na instrução criminal de crimes sexuais, afinal, conforme a posição desta Corte, confere-se este peso especial à palavra da vítima, devido ao contexto de clandestinidade em que normalmente são praticados tais delitos. Mas tal conclusão deve observância também aos demais fatos trazidos aos autos, assim como, aos indícios passíveis de induzir à conclusão sobre as circunstâncias fáticas, sempre sob a lente da razoabilidade e de demais garantias constitucionais” (AgRg no RHC n. 174.353/MS, rel. p/ ac. Min. Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe 23/8/2023.) 3. Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1984169 - DF (2022/0031847-3) RELATOR : MINISTRO JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), Dje: 14/03/2024)
Inteiro Teor
RECURSO ESPECIAL Nº 1984169 - DF (2022/0031847-3)
RELATOR : MINISTRO Nome (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJDFT)
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E
TERRITÓRIOS
RECORRIDO : F P M
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SE000000M
DECISÃO
Trata-se de recurso especial, interposto com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal.
Sustenta o recorrente, em síntese, ofensa ao dispositivo do artigo 215-A do Código Penal, argumentando que a conduta do agravado, de enviar mensagens e vídeos, todos com conotação sexual, à sua ex-companheira, via whatsapp, se amolda ao tipo penal da importunação sexual. Entende que a lei não exige que o ato seja praticado na presença física da vítima, sendo que a conduta delitiva pode também ser praticada via rede mundial de computadores.
Requer o provimento do recurso para o recebimento da denúncia.
Intimada a defesa para apresentar contrarrazões, esta permaneceu silente. Instado a se pronunciar, o Ministério Público Federal manifesta-se pelo provimento do recurso especial.
O recurso é tempestivo e ataca os fundamentos da decisão impugnada. Passa- se a sua análise.
Consta dos autos que o recorrido foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 215-A do CP, uma vez que teria enviado à sua ex-companheira, através do aplicativo de mensagens Whatsapp, mensagens e vídeo de conteúdo sexual.
O magistrado de primeiro grau, entendendo não estarem presentes todos os elementos do tipo, rejeitou a denúncia. Irresignado, o Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito, o qual foi desprovido.
Na primeira instância, a denúncia foi rejeitada pelos seguintes argumentos (fls. 77-78):
Instaurado o presente Inquérito Policial para apurar as circunstâncias nas quais
Nome
teria ofendido a honra subjetiva da ex-companheira Nome com o envio de mensagens de cunho sexual a representante do Ministério Público apresentou denúncia em 10 de fevereiro de 2021 atribuindo àquele a conduta descrita no artigo 215-A do Código Penal, ocasião em que oficiou pela extinção da punibilidade da injúria caso a ofendida tenha deixado de ingressar com a correspondente queixa-crime.
Contudo, verifico que a despeito de imputada ao denunciando a prática de importunação sexual os elementos dispostos nos autos não apresentam os contornos necessários à tipificação de tal delito.
Com efeito, consoante informam os autos o apontado ofensor enviou mensagens para Nome nas quais registrou: "sonhei com você (...) vc sobrevive. Muito gostosa! Deixa? Te morder te beijar (...) vc pegar minha cabeça e apertar (...) nossa (....) molhadinha (...) o melhor era ouvir me ama toda molhadinha e ouvir de 4 me come de 4 (...) pingando (...) me aperta, me aperta que eu vou gozar (...)", bem como enviou a esta um vídeo no qual aparece se masturbando (id 83356320).
Entretanto, embora não reste dúvida de que o ato de se masturbar vise à satisfação da própria lascívia forçoso reconhecer que o encaminhamento das correspondentes imagens e mensagens não caracteriza, concessa venia, o crime de importunação sexual descrito no artigo 215-A do Código Penal.
Com efeito, a importunação sexual incluída no Código Penal pela lei 13.718/18 apresenta como objetividade jurídica a liberdade sexual da vítima assim entendida como o direito de escolher quando, em quais quais circunstâncias e com quem quer praticar algum tipo de ato libidinoso, o que não se verifica no caso em análise tendo em vista que o ora denunciando não promoveu ato libidinoso "contra" a excompanheira, pois o envio de mensagens com frases ou imagens obscenas não apresenta tal característica e considerado que o encaminhamento de gravação em vídeo em que, ao que consta, aparece manuseando o próprio pênis não indica a necessária concomitância entre a ação - masturbação - e a ciência da destinatária, o que afasta por conseguinte a possibilidade do ofendido ou da ofendida expressar sua anuência ou discordância, elementar da correspondente figura penal, ou seja, trata-se de envio de material que apresenta cunho sexual ou pornográfico que não se insere na descrição do tipo penal em análise .
Oportuno consignar que a conduta como descrita na peça acusatória não autoriza identificar a ocorrência de delito diverso.
Por tais considerações REJEITO A DENÚNCIA com fundamento no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal.
No julgamento do recurso em sentido estrito, o entendimento de primeira instância foi confirmado (fls. 149-154):
É certo que a falta de justa causa para o exercício da ação penal impõe a rejeição da denúncia, na forma do art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal[1]. A justa causa consiste na prova da materialidade e na existência de lastro probatório mínimo da autoria delitiva. Provada a materialidade delitiva e havendo indícios da autoria não há que se falar em ausência de justa causa para o ajuizamento da ação penal, devendo ser recebida a denúncia desde que preenchido os requisitos elencados no art. 41 do Código de Processo Penal[2].
Consta dos autos que o Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de F. P. M. pela prática do crime de importunação sexual (art. 215-A do CP) em contexto de violência doméstica (art. 5º, inciso III, da Lei nº 11.340/2006). A inicial acusatória narra que, no dia 03/07/2020, por volta das 14h35min, no Acampamento Pacheco Fernandes, Rua 1, Casa 2, Setor de Preservação Vila Planalto - SPVP, Brasília/DF, o acusado, com vontade livre e consciente, praticou atos libidinosos, com o objetivo de satisfazer a própria lascívia, em desfavor de sua ex-companheira J. S. A., sem a sua anuência e prevalecendo-se das pretéritas relações íntimas de afeto.
Registra que, nas circunstâncias de tempo e local acima mencionadas, o recorrente encaminhou várias mensagens para a vítima, mediante aplicativo de Whatsapp, com conotação sexual, nos seguintes termos: "sonhei com você (...) vc sobrevive. Muito gostosa! Deixa? Te morder te beijar (...) vc pegar minha cabeça e apertar (...) nossa (....) molhadinha (...) o melhor era ouvir me ama toda molhadinha e ouvir de 4 me come de 4 (...) pingando (...) me aperta, me aperta que eu vou gozar (...)". Na ocasião, o recorrido também encaminhou vídeo para a ofendida, no qual ele aparece se masturbando.
No entanto, ressalte-se que o delito de importunação sexual está previsto no art. 215-A do Código Penal, nos seguintes termos:
Importunação sexual
[...].
Verifica-se, portanto, que a conduta delitiva consiste em praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso, a fim de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. Logo, é necessário para caracterizar o delito de importunação sexual que ato libidinoso seja cometido contra uma pessoa e sem o seu consentimento.
[...].
Portanto, "praticar contra alguém" é elementar do tipo penal da importunação sexual. Logo, o ato libidinoso praticado pelo autor, para configurar o crime de importunação sexual, tem que necessariamente ter sido cometido contra a ofendida ou na presença dela, bem como ter sido praticado sem o seu consentimento.
[...].
Saliente-se, que sobre os fatos, a ofendida J. S. A., na delegacia (ID nº 27940362, fl. 7), relatou que manteve relacionamento afetivo com F. P. M. por 4 anos e que eles possuem uma filha. Afirmou que, desde a separação, F. P. M. a procurou inúmeras vezes tentando reatar a relação amorosa. Declarou que, no dia 03/07/2020, F. P. M. passou a enviar-lhe uma série de mensagens com conteúdo sexual, pelo aplicativo Whatsapp , nos seguintes termos: "sonhei com você (...) vc sobrevive. Muito gostosa! Deixa? Te morder te beijar (...) vc pegar minha cabeça e apertar (...) nossa (..) molhadinha (...) o melhor era ouvir me ama toda molhadinha e ouvir de 4 me come de 4 (...) pingando (...) me aperta, me aperta que eu vou gozar (...)". Assegurou que F. P. M. enviou um vídeo em que aparece se masturbando . Por sua vez, o recorrido F. P. M., ouvido pela autoridade policial sobre os fatos em apuração, apenas disse que ainda estava apaixonado pela ofendida e "foi um momento de fraqueza" (ID Nº 24940363, fl. 16).
Assim, da análise dos autos, extrai-se que o ato libidinoso praticado por F.P.M., consistente em enviar um vídeo se masturbando, foi auto infligido e não praticado contra a ofendida J.S.A.
Logo, não restou claramente tipificado o crime de importunação sexual, em razão da ausência da elementar "praticar contra alguém" ato libidinoso. Portanto, correta a rejeição da denúncia.
[...].
Logo, não estando presentes todas as elementares do tipo penal previsto no art. 215-A do Código Penal, deve ser mantida a decisão que rejeitou a denúncia oferecida em desfavor de
F. P. M., por ausência de justa causa para o exercício da ação penal.
Conforme os extratos, observa-se que as instâncias pretéritas não entenderam como adimplidas as elementares do tipo de importunação sexual, a partir das provas presentes nos autos.
Destacou-se no primeiro grau que "o ora denunciando não promoveu ato libidinoso"contra"a excompanheira, pois o envio de mensagens com frases ou imagens obscenas não apresenta tal característica e considerado que o encaminhamento de gravação em vídeo em que, ao que consta, aparece manuseando o próprio pênis não indica a necessária concomitância entre a ação - masturbação - e a ciência da destinatária, o que afasta por conseguinte a possibilidade do ofendido ou da ofendida expressar sua anuência ou discordância, elementar da correspondente figura penal".
Na segunda instância, o entendimento do magistrado singular foi confirmado pois ""praticar contra alguém"é elementar do tipo penal da importunação sexual. Logo, o ato libidinoso praticado pelo autor, para configurar o crime de importunação sexual, tem que necessariamente ter sido cometido contra a ofendida ou na presença dela, bem como ter sido praticado sem o seu consentimento".
Pois bem, o crime de importunação sexual encontra-se tipificado no art 215-A, do Código Penal, da seguinte maneira:
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
Com efeito, para a configuração do ilícito é preciso que haja um comportamento do agente em praticar, contra terceira pessoa (e na sua presença) e sem seu consentimento, ato libidinoso que objetive satisfazer a própria lascívia, ou de outrem.
Do que se tem do presente feito, e nos termos consignados nas instâncias anteriores, observa-se que o recorrido enviou mensagens de texto, e vídeo, para sua ex- companheira, todos com conteúdo sexual. O caso, da forma posta, aparenta mais se tratar de tentativa de retorno ao relacionamento finito do que propriamente um crime.
Em que pese o conteúdo erótico das mensagens, não ficou devidamente caracterizado o dolo específico do recorrido, sequer a elementar do tipo "praticar contra alguém". Tampouco a questão da discordância da vítima (ex-companheira do recorrido) restou especialmente amoldada ao conteúdo normativo, uma vez que só após o envio do material é que esta demonstrou incômodo, não havendo demais elementos nos autos a indicar que a conduta tornou a se repetir.
Nesse sentido, é importante sempre lembrar que no processo de aplicação do Direito Penal, a subsunção do fato à norma deve ser perfeita, não cabendo interpretações que estendam a abrangência legal a situações que a ela não se encaixem, sob pena de violação ao princípio da legalidade.
Outrossim, não há nos autos qualquer outra evidência de que o então denunciado, pai da filha da vítima (com quem relacionou-se por aproximadamente 4 anos), teria comportamento violento, com histórico de agressões, ou imposição de anteriores medidas protetivas de urgência contra si, o que poderia eventualmente configurar algum outro ilícito penal.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília, 08 de junho de 2023.
Ministro Nome (Desembargador Convocado do TJDFT)
Relator
(STJ - REsp: 1984169, Relator: JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), Data de Publicação: 20/06/2023)
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