STJ Mar24 - Pena de Multa não Pode Ser Fato Impeditivo para a Extinção da Execução Penal de Reeducando Hipossuficiente: "O Débito é de Natureza Fiscal"

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 829047 - GO (2023/0193304-5)

RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ

DECISÃO

O paciente alega sofrer coação ilegal em face de acórdão do Tribunal a quo , proferido no Agravo em Execução n. 5080504-76.2023.8.09.0000. Busca a extinção de sua punibilidade pelo cumprimento integral da pena, ante a incapacidade econômica para adimplir a multa.

O MPF opinou pela denegação da ordem.

Decido.

A multa prevista no preceito secundário do tipo incriminador tem natureza de pena e desempenha importante papel de prevenção geral e retribuição dos delitos, mas o paciente comprovou a impossibilidade de arcar com seu adimplemento. A mera declaração de hipossuficiência é documento que se presume verdadeiro e o ônus de demonstrar a falsidade da afirmação e a ocultação de patrimônio é do Ministério Público, com exclusividade.

O Juiz da VEC informou que "o paciente cumpriu, integralmente, a pena privativa de liberdade imposta e que a ausência de pagamento da multa é a única circunstância impeditiva da declaração de extinção de sua punibilidade". Ainda, esclareceu que o postulante "efetuou a juntada de declaração de hipossuficiência" e o "Ministério Público não indicou bens ou patrimônio do sentenciado para infirmar a hipossuficiência alegada" (fl. 434).

Nesse panorama:

[...] o condicionamento da extinção da punibilidade, após o cumprimento da pena corporal, ao adimplemento da pena de multa transmuda-se em punição hábil tanto a acentuar a já agravada situação de penúria e de indigência dos apenados hipossuficientes, quanto a sobreonerar pessoas próximas do condenado, impondo a todo o seu grupo familiar privações decorrentes de sua impossibilitada reabilitação social, o que põe sob risco a implementação da política estatal proteção da família (art. 226 da Carta de 1988).

13. Demais disso, a barreira ao reconhecimento da extinção da punibilidade [...] frustra fundamentalmente os fins a que se prestam a imposição e a execução das reprimendas penais, e contradiz a inferência lógica do princípio isonômico (art. 5º, caput da Constituição Federal) segundo a qual desiguais devem ser tratados de forma desigual. Mais ainda, desafia objetivos fundamentais da República, entre os quais o de "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3º, III).

14. A extinção da punibilidade, quando pendente apenas o adimplemento da pena pecuniária, reclama para si singular relevo na trajetória do egresso de reconquista de sua posição como indivíduo aos olhos do Estado, ou seja, do percurso de reconstrução da existência sob as balizas de um patamar civilizatório mínimo, a permitir outra vez o gozo e o exercício de direitos e garantias fundamentais, cujo panorama atual de interdição os conduz a atingir estágio de desmedida invisibilidade, a qual encontra, em última análise, semelhança à própria inexistência de registro civil.

[...]

(REsp n. 1.785.861/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 24/11/2021, DJe de 30/11/2021.)

Aplicável ao caso a compreensão exarada pela Terceira Seção desta Corte quando do julgamento dos Recursos Especiais n. 1.785.861/SP e 1.785.383/SP ( Tema n. 931 ), pois, "[n]a hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária, pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo , não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade".

Repito: a declaração de pobreza tem presunção relativa de veracidade, podendo a "parte contrária demonstrar a inexistência do alegado estado de hipossuficiência ou o julgador indeferir o pedido se encontrar elementos que coloquem em dúvida a condição financeira do peticionário" (AgInt no REsp n. 2.061.951/MG, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 27/11/2023, DJe de 30/11/2023).

Não é do próprio apenado o ônus de afastar a dúvida sobre sua declaração, até mesmo porque é extremamente difícil a alguém juridicamente pobre apresentar documentos sobre a inexistência de patrimônio. Seria atribuição do condenado providenciar declarações de bancos ou documentar seu cotidiano para convencer terceiros sobre a hipossuficiência? Penso que não, pois é ônus do Ministério Público infirmar o documento e o Juiz pode indeferir sua consideração para fins de extinção da punibilidade se indicar elementos sinalizadores de falsidade da declaração. Cito, nesse sentido, julgado da Corte Especial, in verbis:

[...] a declaração de hipossuficiência é dotada de presunção relativa da situação de pobreza, podendo o magistrado indeferir o pedido na hipótese em que verificar outros elementos que infirmem a condição declarada, devendo se fazer acompanhar por outros documentos ou fundamentos que a confirmem"(AgInt nos EAREsp n. 990.935/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 4/10/2017, DJe de 18/10/2017).

Assim, é de rigor a extinção da punibilidade do paciente pois houve cumprimento integral da pena privativa de liberdade. A multa criminal, considerada dívida de valor , poderá remanescer como obrigação de natureza fiscal, passível de cobrança por outros meios estranhos à seara penal se não alcançada pelo indulto (Decreto n. 11.846/2023) ou pela prescrição.

À vista do exposto, concedo o habeas corpus para julgar extinta a punibilidade do paciente por cumprimento integral da pena privativa de liberdade e determinar o encerramento definitivo e a baixa da Execução n. 0277371-97.2017.8.09.0175.

Publique-se e intimem-se.

Brasília (DF), 27 de fevereiro de 2024.

Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Relator

(STJ - HC: 829047, Relator: ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: 01/03/2024)

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