STJ Mar24 - Quebra da Cadeia de Custódia - Ausência de Individualização das Drogas Apreendidas em Diferentes Contextos - Invasão Ilegal de Domicílio: "art. 158-D, § 1.º, do Código de Processo Penal, segundo a qual "[t]odos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. INGRESSO FORÇADO EM DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. ILICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. PROVAS INDEPENDENTES DECORRENTES DE BUSCA PESSOAL. INCONSISTÊNCIA QUANTO AO RESULTADO DA PERÍCIA DE PARTE DAS SUBSTÂNCIAS RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE NUMERAÇÃO INDIVIDUALIZADA DOS LACRES NA PERÍCIA DEFINITIVA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. IMPOSSIBILIDADE DE DISTINÇÃO ENTRE AS SUBSTÂNCIAS APREENDIDAS EM DIFERENTES CONTEXTOS. INCERTEZA QUANTO À NATUREZA ENTORPECENTE DAS SUBSTÂNCIAS APREENDIDAS DURANTE A BUSCA PESSOAL INICIAL. ABSOLVIÇÃO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE ADMITIU PARCIALMENTE O APELO NOBRE. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. SÚMULAS N. 292 E 528 DO STF. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. No caso, o ingresso forçado na residência do Recorrente, sem autorização judicial, foi justificado pelo Tribunal estadual apenas com base na suposta confissão informal do Acusado, que foi alvo de busca pessoal em via pública - ocasião em que foram apreendidas em seu poder 8 (oito) buchas de maconha (4g), além da quantia de R$ 35, 00 (trinta e cinco reais), e ele teria, voluntariamente, informado que guardava mais drogas em sua residência -, bem como no caráter permanente do delito de tráfico de drogas. 2. A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça tem sedimentado entendimento no sentido de que é inverossímil a suposta confissão informal do réu sobre armazenamento de drogas no interior do imóvel, seguida de autorização para ingresso dos policiais, quando não há comprovação do consentimento do morador, como ocorreu no presente caso. Assim, deve ser declarada a nulidade das provas obtidas a partir do ingresso dos policiais na residência do Recorrente. 3. No entanto, observa-se que o acervo probatório presente nos autos não está composto exclusivamente pela prova declarada ilícita e suas derivações, havendo outros elementos probatórios, quais sejam:apreensão prévia de drogas durante a busca pessoal - não havendo insurgência defensiva específica quanto a essa abordagem policial inicial, tampouco manifestação das instâncias ordinárias - e prova testemunhal. 4. Nessa situação, o desfecho comumente aplicado pela jurisprudência da Sexta Turma seria no sentido de se anular a condenação, determinando ao Juízo de origem que, após desentranhar a prova ilícita e as dela derivadas, realizasse um novo julgamento da ação penal. Porém, na hipótese específica destes autos, há ainda outra nulidade, arguida pela Defesa: a suposta violação da cadeia de custódia, aduzida, indistintamente, quanto a todos os entorpecentes apreendidos, inclusive aqueles encontrados durante a busca pessoal. 5. O Tribunal a quo consignou, quanto ao Laudo Definitivo, que "apenas os itens nºs 01 e 05 foram inconsistentes quanto ao resultado, tendo todos os outros itens e, portanto, todas as outras amostras, detectado a presença da substância Tetrahidrocannabinol (THC)". Porém, da simples leitura do Laudo Definitivo, constata-se que, diferentemente do que ocorrera no Laudo Provisório, todas as substâncias foram identificadas com a mesma numeração de lacre e as amostras conservadas para perícia definitiva têm massas idênticas, de forma que não é possível distinguir se as substâncias em relação às quais a perícia foi inconsistente - inconsistência essa já reconhecida pela Jurisdição ordinária no aresto recorrido - são as drogas apreendidas na residência do Recorrente ou durante a busca pessoal. 6. Nessa conjuntura, não foi observada a norma disposta no art. 158-D, § 1.º, do Código de Processo Penal, segundo a qual "[t]odos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte". 7. Embora, em princípio, nem todas as provas sejam ilícitas por desrespeito à inviolabilidade domiciliar, de todo modo, em razão da falta de numeração individualizada do material objeto da perícia definitiva, não é possível comprovar, com segurança, a natureza entorpecente das substâncias encontradas na posse do agente, quando de sua abordagem em via pública, de forma que o Acusado deve ser absolvido por falta de materialidade delitiva (art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal). 8. Não se está a dizer que a mera inobservância do procedimento descrito no art. 158-D, § 1.º, do Código de Processo Penal acarrete, automaticamente, a imprestabilidade das provas, mesmo porque, conforme orientação jurisprudencial desta Turma, a consequência processual concreta de eventual desconformidade com as regras previstas no Código de Processo Penal para as etapas de rastreamento dos vestígios (158-A a 158-F) dependerá do cotejo com os demais elementos de prova constantes dos autos. 9. Ocorre que, na hipótese, a quebra da cadeia de custódia resultou na impossibilidade de se distinguir, com segurança, se a reconhecida inconsistência de parte da perícia referia-se às substâncias apreendidas por ocasião da busca pessoal ou do ingresso domiciliar. 10. A admissão parcial do recurso especial pelo Tribunal de origem não impede seu amplo conhecimento por esta instância especial, na medida em que não vincula seu próprio juízo de admissibilidade, conforme disposto nas Súmulas n. 292 e 528 da Suprema Corte. 11. Recurso especial provido para: a) declarar a nulidade das provas obtidas mediante a busca e apreensão domiciliar realizada ilegalmente, bem como as provas dela decorrentes; b) quanto às drogas remanescentes, apreendidas durante a busca pessoal inicial, reconhecer a quebra da cadeia de custódia e a consequente incerteza quanto à natureza entorpecente dessas substâncias; e c) por conseguinte, absolver o Réu da imputação delitiva, por falta de comprovação da materialidade delitiva, com amparo no art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal. Agravo em recurso especial não conhecido.
(STJ - REsp: 2024992 SP 2022/0280024-6, Relator: Ministro TEODORO SILVA SANTOS, Data de Julgamento: 05/03/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/03/2024)
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