STJ 2024 - Gravação de Entrevista Reservada com o Réu - Nulidade Absoluta do Processo - Cerceamento de Defesa - Lei de Drogas
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
Inteiro Teor
HABEAS CORPUS Nº 805331 - SP (2023/0061543-4)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido liminar, impetrado em favor de LUCASXXXXXXXXXXX, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de 6 anos e 8 meses de reclusão, em regime fechado, mais pagamento de 666 dias-multa, como incurso no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, sendo-lhe negado o recurso em liberdade.
Em sede recursal, o Tribunal de origem afastou a preliminar e negou provimento ao apelo defensivo.
Neste habeas corpus, alega o impetrante, preliminarmente, nulidade absoluta do feito, visto que foi juntado aos autos trecho de entrevista privativa entre o réu e sua advogada, gravada equivocada e indevidamente no momento em que a magistrada e as demais partes saíram da sala para possibilitar a conversa entre o acusado e sua defensora.
Aduz ser inidônea e desproporcional a exasperação da pena-base em 1/3 acima do mínimo legal com amparo nos antecedentes do acusado e na quantidade do entorpecente, sobretudo por ser inexpressivo o quantum apreendido.
Requer, assim, o reconhecimento da nulidade dos atos instrutórios, com desconstituição da sentença condenatória, permitindo que o réu responda ao feito em liberdade.
Alternativamente, pugna pela fixação da pena-base no mínimo legal ou a redução da fração de aumento para 1/6.
Liminar indeferida (e-STJ, fls. 294).
Informações prestadas (e-STJ, fls. 298-322).
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento ou pela denegação da ordem (e-STJ, fls. 328-337).
É o relatório.
Decido.
Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Sob tal contexto, passo ao exame das alegações trazidas pela defesa, a fim de verificar a ocorrência de manifesta ilegalidade que autorize a concessão da ordem, de ofício.
A Corte de origem refutou a nulidade arguida pela defesa, em decisão assim motivada:
"2. Afasta-se, desde logo, a preliminar arguida.
Sustenta a Defesa o reconhecimento da nulidade absoluta dos atos instrutórios ocorridos na audiência, já que foi constatado que a entrevista privativa entre a advogada e o réu foi gravada na mídia da audiência.
Sem razão.
Como bem ressaltou a MMa. Juíza sentenciante,"conforme certificado pela serventia e se depreende da própria gravação da audiência de instrução, esta magistrada não teve qualquer acesso à gravação, equivocadamente feita, da entrevista mantida entre a advogada e o réu antes do início da audiência.
Com efeito, a sentença foi proferida, na própria audiência, após a oitiva das testemunhas, interrogatório do réu e alegações finais do MP e da Defesa, sem qualquer contato da magistrada com o teor da conversa privativa, fato que somente veio a tona com a alegação de nulidade.
Além disso, conforme asseverou o representante do Ministério Público, a defesa não relatou o prejuízo sofrido pelo réu em decorrência da gravação da entrevista prévia, o que é indispensável para o reconhecimento de eventual nulidade."4 De fato, logo após o encerramento da instrução, as partes apresentaram oralmente as alegações e, em seguida, a digna Magistrada proferiu a r. sentença.
Nenhuma das partes, nem tampouco a MM. Juíza de Direito, tiveram acesso ao conteúdo da gravação da audiência e, muito menos, ao teor da entrevista privativa entre a advogada e o réu, equivocadamente registrada.
Assim, embora a entrevista reservada entre a defensora e o réu tenha sido gravada não houve violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório.
De qualquer forma, não comprovou a douta Defesa a ocorrência de efetivo prejuízo ao acusado, o qual confessou espontaneamente a prática do crime.
Ausente prejuízo, inviável a declaração da nulidade, ex vi do artigo 563 do Código de Processo Penal.
Não se vislumbram, portanto, razões suficientes para reconhecer a alegada nulidade.
Rejeita-se, pois, a preliminar suscitada"(e-STJ, fls. 261-264) Nos termos da atual jurisprudência dos Tribunais Superiores, no sistema de nulidades processuais, seja o vício de natureza absoluta ou relativa, a declaração de invalidade do ato depende da efetiva demonstração de prejuízo ao réu, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief, consagrado pelo legislador no art. 563 do CPP.
Quanto ao tema, consigna-se que "O advento da Lei nº 10.792/2003 tornou indispensável, no interrogatório judicial, a presença do defensor, constituído ou nomeado, sendo, inclusive, assegurado ao acusado o direito de prévia entrevista reservada. A inobservância das formalidades legais previstas nos art. 185 a 188 do CPP constitui nulidade absoluta uma vez que fere os princípios da ampla defesa e devido processo legal"(AgRg no REsp n. 1.458.725/PA, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 4/10/2016, DJe de 26/10/2016.)
Na hipótese, é evidente o prejuízo ao réu, na medida em que a juntada da gravação audiovisual da entrevista reservada do acusado com seu defensor viola os princípios da ampla defesa e do contraditório, por flagrante inobservância do disposto nos arts. 5º, LV, da Constituição da Republica, 185, § 5º do Código de Processo Penal e 7º, III, do Estatuto da OAB.
Nesse sentido:
"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRÁFICO E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. AUSÊNCIA DE DEFENSOR NO INTERROGATÓRIO. ATO REALIZADO EM 20/1/2004. NULIDADE ABSOLUTA. CERCEAMENTO DE DEFESA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. APLICAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA E CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA PROGRESSÃO DE REGIME. PEDIDOS PREJUDICADOS.
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, bem como do Supremo Tribunal Federal, firmou-se no sentido de que a Lei nº 10.792/03, ao mudar a sistemática do interrogatório, transformou-o em meio de defesa, garantindo ao réu a efetiva defesa técnica, inclusive o direito a entrevista reservada com seu defensor constituído ou nomeado.
2. Dessarte, o descumprimento do disposto no art. 185 do Código Penal, com a redação dada pelo referido diploma legal, acarreta a nulidade absoluta do processo, por afronta ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.
3. Constato ainda que, com a anulação do processo desde o interrogatório, e consequentemente, com a prolação de outra sentença - que não pode reformar para pior a situação do réu - já haverá decorrido o prazo prescricional de 4 (quatro) anos, uma vez que a denúncia foi recebida em 10/12/2003. Assim sendo, impõe-se, desde logo, declarar extinta a punibilidade em relação ao crime posse ilegal de arma de fogo, pela prescrição da pretensão punitiva, com base no art. 109, V, e 110, § 1º e § 2º, ambos do Código Penal.
4. Anulado o feito, entendo que deve ser expedido alvará de soltura em favor do paciente, diante do evidente excesso de prazo decorrente da anulação de todos os atos da instrução criminal que, agora, deverá ser renovada.
5. Ante o exposto, concedo o habeas corpus para anular a ação penal de que aqui se trata, a partir do interrogatório, conferindo ao paciente o direito à liberdade provisória, mediante assinatura de termo de compromisso de comparecimento a todos os atos do processo, ficando prejudicadas as demais alegações. (HC n. 50.401/MS, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 12/5/2009, DJe de 1/6/2009.);
"[...]
Com efeito, juntado aos autos a mídia que trata de gravação audiovisual da comunicação privada ocorrida entre os réus (...) e a Defensora Pública que os representou na solenidade, desrespeitados os princípios da ampla defesa e do devido processo legal, bem como violados os artigos 185, § 5º, do CPP, 7º, III, do Estatuto da OAB e 5º, LV, da CF/88, que garantem o direito de entrevista privada do réu com seu advogado.
[...]
Ademais, é evidente o prejuízo ao recorrido, pois violado o princípio da ampla defesa e do contraditório , tendo sido juntado aos autos a gravação em audiovisual da conversa privada que o recorrido teve com sua defesa, em violação do art. 185, § 5º, do CPP.
[...]
(REsp n. 1.861.051, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, julgado em 19/10/2020, DJe de 20/10/2020.)
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Contudo, concedo a ordem, de ofício, a fim de anular a audiência de instrução e julgamento, determinando a realização de nova assentada, com a observância do art. 185, § 5º, do Código de Processo Penal, devendo o Juízo de primeiro grau verificar, de imediato, a necessidade de manutenção da custódia cautelar do acusado, nos termos dos arts.312, 315 e 316 do diploma adjetivo penal .
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 14 de março de 2024.
Ministro Ribeiro Dantas
(STJ - HC: 805331, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: 18/03/2024)
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