STJ Mar24 - Furto de Água - Trancamento de Ação Penal - Ausência de Perícia que Comprove Ligação Clandestina na Rede

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 811562 - RJ (2023/0099966-1)

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Nome em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (Recurso em Sentido Estrito 0122507-91.2019.8.19.0001).

A paciente foi absolvida da apontada prática do crime tipificado no art. 155§ 4ºII, do Código Penal, ante a ausência de justa causa. O Tribunal de origem deu provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público para receber integralmente a denúncia e determinar o prosseguimento da ação penal. Vale conferir a respectiva ementa (e-STJ fl. 30):

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DECISÃO QUE REJEITA A DENÚNCIA ALEGANDO AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA, TENDO EM VISTA NÃO TER SIDO REALIZADO LAUDO DIRETO DE LOCAL PARA EXAME DAS SUPOSTAS LIGAÇÕES À REDE DE ÁGUAS DA CEDAE. Com razão o apelante.

In casu, a recorrida foi denunciada pela prática, em tese, do delito descrito no artigo 155§ 4ºII, do CP. Decisão guerreada que rejeita a denúncia sob a alegação de suposta ausência de justa causa, prestigiando ausência de materialidade, visto que ausente o laudo pericial direto. Inicial acusatória ofertada nos termos do artigo 41 do Código de Processo Penal. Indícios de autoria e prova da materialidade. Denúncia que descreve suficientemente a conduta do agente, permitindo o exercício da ampla defesa. Laudo indireto que aponta para o consumo de água potável no estabelecimento comercial da denunciada e confirma a existência de irregularidade caracterizada como uma ligação clandestina de tubo de PVC de 3⁄4, sem que houvesse o devido registro do consumo de água. Existência de lastro probatório mínimo para a deflagração da ação penal. Fase processual em que vigora o princípio do in dubio pro societate. Recurso que se conhece e ao qual É DADO PROVIMENTO para desconstituir a decisão recorrida, recebendo a denúncia a fim de que seja dado o regular prosseguimento ao processo.

Por intermédio deste habeas corpus, a defesa sustenta, em síntese: a) ausência de justa causa para o exercício da ação penal, haja vista a falta de realização do laudo pericial; b) "não foi realizado laudo de exame local direto para averiguar as ligações ilegais à rede de esgoto que comprovariam o delito de furto de água, tendo sido lavrado apenas laudo de exame indireto, baseado em fotografias enviadas pela própria parte lesada e, portanto, interessada na reparação financeira e na procedência da presente demanda, documentação essa despida de fé pública, bem como de isenção" (e-STJ fl. 5); e c) violação ao art. 41 do Código de Processo Penal.

Requereu, liminar e definitivamente, deferimento da ordem visando trancamento da ação penal por ausência de justa causa.

A liminar foi indeferida (e-STJ fls. 35/37).

As informações foram prestadas (e-STJ fls. 40/42 e 51/55).

O Ministério Público Federal se manifestou pelo não conhecimento do habeas corpus ou pela denegação da ordem (e-STJ fls. 57/63).

É o relatório.

Decido.

A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso , sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição a recurso próprio, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, sendo possível a concessão da ordem de ofício, o que sói a ocorrer na hipótese dos autos. Veja-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PRISÃO DOMICILIAR. GENITOR. IMPRESCINDIBILIDADE DE CUIDADOS AO FILHO MENOR NÃO DEMONSTRADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. RECURSO DESPROVIDO.

I - A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso pertinente. Precedentes.

II - O art. 318, inciso VI, do Código de Processo Penal dispõe que o magistrado poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.

III - No caso dos autos, conforme consignado pelo Tribunal a quo a defesa não se desincumbiu do ônus de demonstrar a imprescindibilidade do ora agravante aos cuidados de seus filhos.

IV - Para desconstruir as conclusões alcançadas na origem seria necessário o revolvimento da matéria fático-probatória do caso em apreço, providência que é vedada em sede de habeas corpus.

Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC n. 764.589/PR, relator Ministro Nome, Quinta Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 14/2/2024.). Grifos acrescidos.

O entendimento é de elevada importância, porquanto deve-se utilizá-lo com fito de preservar a real utilidade e eficácia da ação constitucional, qual seja, a proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a necessária celeridade no seu julgamento.

Pois bem. Antes de adentrar o mérito da discussão, convém salientar que a análise da controvérsia não demanda reexame aprofundado de prova - inviável na via estreita do habeas corpus -, mas sim valoração da prova devidamente estampada no acórdão do Tribunal de origem, o que é perfeitamente admitido no julgamento do writ.

Importa salientar, ainda preliminarmente, que não se olvida o posicionamento desta Corte no sentido de que o trancamento da ação penal, pela via do habeas corpus, é medida excepcional, somente admissível quando emerge dos autos a atipicidade da conduta, extinção da punibilidade ou ausência de indícios capazes de fundamentar a acusação , sendo esta circunstância a hipótese dos autos.

Com efeito, verifica-se do caderno processual que a paciente foi denunciada pela pela prática do aludido delito, pois, "no salão de beleza situado na Rua Sacadura Cabral, nº. 253, loja, no bairro Saúde, nessa comarca, a ora denunciada, na qualidade de microempresária, de forma livre e consciente, subtraiu para si, mediante fraude, água potável de propriedade da"Cedae", concessionária de serviço público" (e-STJ fl. 10).

Ocorre que, como bem sublinhado pela decisão que rejeitou a peça acusatória (e-STJ fls.20/21), verifica-se a ausência de laudo pericial apto a atestar as ditas ligações espúrias à rede de águas. Dito mais claramente, o que consta é um laudo indireto produzido a partir de fotografias que foram enviadas pela própria vítima (CEDAE), pessoa interessada e sem fé pública, frise-se, o que, a toda evidência, não pode ser aceitável.

Com efeito, se as fotografias foram tiradas do local pelos técnicos da referida vítima, constata-se que estavam presentes os vestígios e as circunstâncias do crime permitiram a confecção do laudo o que, por certo, deveria subsidiar a confecção de um exame direto, consoante disciplina o artigo 167 do CPP.

Sobre o tema, outro não é o posicionamento deste Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO PRATICADO MEDIANTE ESCALADA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. IMAGENS DE CÂMERA DE SEGURANÇA. PROVA TESTEMUNHAL. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. No que tange à imprescindibilidade da prova técnica para o reconhecimento do furto qualificado pela escalada, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça tem-se orientado pela possibilidade de substituição do laudo pericial por outros meios de prova quando o delito não deixa vestígios, estes tenham desaparecido ou, ainda, se as circunstâncias do crime não permitirem a confecção do laudo.

2. No caso, ficou consignado que a escalada não deixou vestígios e que a vítima e o policial militar, por meio de imagens captadas por câmeras de segurança, viram o réu escalando o muro e pulando a grade para adentrar na casa.

3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.047.386/MG, relator Ministro

Nome

, Quinta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022.)

Como é sabido, a justa causa "identifica-se com a existência de uma causa jurídica e fática que legitime e justifique a acusação (e a própria intervenção penal). Está relacionada, assim, com dois fatores: existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade de um lado e, de outro, com o controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal" (LOPES JR., Aury.

Direito Processual Penal, 17a edição, 2020, Saraiva Jur, p. 240) . Nome vai além para afirmar, ainda, que:

"(...) Deve a acusação ser portadora de elementos - geralmente extraídos da investigação preliminar (inquérito policial) - probatórios que justifiquem a admissão da acusação e o custo que representa o processo penal em termos de estigmatização e penas processuais. Caso os elementos probatórios do inquérito sejam insuficientes para justificar a abertura do processo penal, deve o juiz reiterar a acusação " ( Ibidem,p.240). Grifos acrescidos.

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem para determinar o trancamento da ação penal por ausência de justa causa.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 12 de março de 2024.

Ministra Nome

Relatora

(STJ - HC: 811562, Relator: DANIELA TEIXEIRA, Data de Publicação: 14/03/2024)

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