STJ Mar24 - Tráfico Privilegiado Aplicado - Prática que envolver ou visar a atingir adolescente não é Causa de Afastamento do Redutor: "art. 40, VI da Lei de Drogas quanto para afastar o redutor do tráfico privilegiado configura bis in idem"

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 788690 - SP (2022/0384330-9)

DECISÃO

Tendo em vista as orientações e valores destacados no Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, o qual está pautado em instrumentos internacionais de direitos humanos e de acesso à Justiça, adoto o relatório de fls. 137 (e-STJ):

"Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Nome, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal n. 1500758- 21.2020.8.26.0545).

O paciente foi condenado à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 583 dias-multa, pela prática do delito descrito no art. 33, caput, c/c art. 40III, ambos da Lei n. 11.343/2006.

A impetrante sustenta que o paciente faz jus à aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33§ 4º, da Lei de Drogas, em patamar máximo, ao argumento de que preenche os requisitos legais para a concessão da benesse.

Alega, ainda, que deve ser excluída a majorante prevista no art. 40III, da Lei de Drogas,"já que ausentes provas em comprovar o dolo do paciente em se beneficiar da proximidade dos estabelecimentos de ensino, para realizar o tráfico de entorpecentes"(e-STJ fl. 50).

Defende, ademais, que, ante a incidência da causa especial de diminuição de pena em comento, deve ser alterado o regime inicial de cumprimento de pena para o aberto, bem como substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Requer, liminarmente, seja assegurado ao paciente aguardar em liberdade o julgamento da apelação, com imediata expedição de alvará de soltura em seu favor.

No mérito, pretende a revisão da dosimetria, nos moldes acima delineados, bem como o abrandamento do regime inicial de cumprimento de pena e, ainda, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos."

A liminar foi indeferida pelo Min. Nome (e-STJ fls. 137-139).

As informações foram prestadas às e-STJ fls. 143-205 e 206-268.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento do writ e, caso conhecido, pela concessão parcial da ordem para aplicar o redutor do tráfico privilegiado, fixar o regime inicial aberto e substituir a pena por restritivas de direitos. (e- STJ fls. 273-281)

"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO VIA REVISÃO CRIMINAL. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO. MAJORANTE DO ARTIGO 40III, DA LEI Nº 11.343/06. TRÁFICO DE DROGAS NAS IMEDIAÇÕES DE ESTABELECIMENTO DE ENSINO. CARÁTER OBJETIVO DA CAUSA DE AUMENTO. PENA ELEVADA EXCLUSIVAMENTE EM FUNÇÃO DO LUGAR DO COMETIMENTO DA INFRAÇÃO. INCIDÊNCIA. MINORANTE DO ARTIGO 33§ 4º, DA LEI Nº 11.343/06. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA NÃO EXPRESSIVA (49 GRAMAS DE MACONHA E 22 GRAMAS DE COCAÍNA). AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS QUE INDIQUEM A DEDICAÇÃO DO ACUSADO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. FIXAÇÃO DO REGIME MAIS BRANDO E SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO HABEAS CORPUS E, CASO CONHECIDO, PELA PARCIAL CONCESSÃO DA ORDEM."

Intimada para se manifestar, a defesa notícia que remanesce o interesse no julgamento desta impetração (e-STJ fls. 287).

É o relatório.

Decido.

A controvérsia posta em julgamento é se a diversidade, quantidade e natureza das drogas - aproximadamente 22g de cocaína e 49g de maconha (e-STJ fl.

110) -, conjugadas com a prática do crime nas proximidades de estabelecimento de ensino, são elementos suficientes para negar a aplicação da causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006.

A respeito da matéria em análise, "a Terceira Seção, no julgamento do REsp n. 1.887.511/SP, Relator Ministro Nome, realizado em 9/6/2021, DJe 1º/7/2021, decidiu que a aplicação do benefício do art. 33§ 4º, da Lei n. 11.343/2006 não pode ser afastada somente com fundamento na natureza, na diversidade e na quantidade da droga apreendida, sendo necessário que esse vetor seja conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou à integração a organização criminosa " (AgRg no AgRg no REsp n. 2.078.919/RS, relator Ministro Nome, Quinta Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 27/11/2023.) - grifos acrescidos.

Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. AUSÊNCIA.
DOSIMETRIA. ILEGALIDADE FLAGRANTE. MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. DEDICAÇÃO AO CRIME RECONHECIDA COM BASE EM FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO.
1. De acordo com o entendimento jurisprudencial remansoso neste Superior Tribunal de Justiça, os julgadores não estão obrigados a responder todas as questões e teses deduzidas em juízo, sendo suficiente que exponham os fundamentos que embasam a decisão"(EDcl no AREsp n. 771.666/RJ, relatora Ministra Nome, Sexta Turma, DJe 2/2/2016).
2. Na hipótese, o Tribunal de origem se manifestou de forma clara e fundamentada acerca da não ocorrência de violência policial. 3. A quantidade e a natureza do entorpecente, associadas ao contexto em que se deu a sua apreensão, podem evidenciar a dedicação do agente à atividade criminosa. Contudo, na espécie, a quantidade de droga apreendida - aproximadamente 55,10g de maconha, 0,8 de crack e 12 gramas de cocaína - não se mostra suficiente para se concluir pela dedicação do paciente à atividade criminosa, razão pela qual deve ser aplicada a minorante prevista no art. 33§ 4º, da Lei n.º 11.343/2006.
4. Agravo regimental improvido. Habeas corpus concedido de ofício, para, reconhecida em favor do agravante a causa de diminuição do tráfico privilegiado, em sua fração máxima de 2/3, fixar a sua pena em 1 ano e 8 meses de reclusão. (AgRg no REsp n. 2.097.557/MG, relator Ministro Nome, Quinta Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 27/11/2023.) - grifos acrescidos.
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE. TRÁFICO DE DROGAS (20 KG DE MACONHA). CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. NÃO RECONHECIMENTO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. QUANTIDADE DO ENTORPECENTE APREENDIDO. IMPOSSIBILIDADE DE, ISOLADAMENTE CONSIDERADA, TER O CONDÃO DE AFASTAR A MINORANTE. RECONHECIMENTO QUE SE IMPÕE. RETORNO DOS AUTOS PARA ESCOLHA DO PATAMAR DE REDUÇÃO APLICÁVEL AO CASO.
[...].
3. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que isoladamente consideradas, a natureza e a quantidade do entorpecente apreendido, por si sós, não são suficientes para embasar conclusão acerca da presença das referidas condições obstativas e, assim, afastar o reconhecimento da minorante do tráfico privilegiado (AgRg no REsp n. 1.687.969/SP, Ministro Nome, Sexta Turma, DJe 26/3/2018) - (AgRg no AREsp n. 1.480.074/SP, Ministro Nome, Quinta Turma, DJe 1º/7/2019).
4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 2.071.188/SP, relator Ministro
Nome
, Sexta Turma, julgado em 18/12/2023, DJe de 20/12/2023.) - grifos acrescidos

Ademais, a utilização de elemento tanto para majorar a pena diante de causa de aumento prevista no art. 40 da Lei de Drogas quanto para afastar o redutor do tráfico privilegiado configura bis in idem.

Colhe-se da jurisprudência:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33§ 4º, DA LEI N. 11.343/2006. QUANTIDADE DE ENTORPECENTES. ÚNICO FUNDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTE. MAJORANTE DO ART. 40VI, DA LEI N. 11.343/2006. AGRAVO NÃO PROVIDO.

[...]

4. Noutro giro, a participação da adolescente na prática do delito já ensejou a majoração da pena diante da causa de aumento prevista no art. 40VI, da Lei n. 11.343/2006. Assim, à míngua de elementos probatórios que indiquem a dedicação da recorrida em atividade criminosa, é de rigor a manutenção do redutor do art. 33§ 4º, da Lei n. 11.343/2006 no grau máximo.

5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.035.592/RS, relator Ministro

Nome

, Quinta Turma, julgado em 29/3/2022, DJe de 1/4/2022. - grifos acrescidos.)

No caso, o acórdão negou a aplicação da causa de diminuição de pena com a seguinte fundamentação (e-STJ fls. 67-68):

"Na terceira fase, com o reconhecimento da causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso III, da Lei Federal 11.343/06, ante o cometimento do delito nas imediações de escolas, como fundamentado acima, aumento a pena na fração de 1/6 (um sexto), resultando as penas em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias- multa.

Por fim, assiste razão à acusação ao pleitear o afastamento do redutor previsto no § quarto, do artigo 33, da Lei Federal 11343/06, tendo em vista que o conjunto probatório demonstra que o réu estava dedicado às atividades criminosas como meio de vida, sendo impossível a aplicação da benesse contida no § quarto, do artigo 33 da Lei antitóxicos.

Isso porque, pese a primariedade do acusado, tem se que a quantidade, diversidade e natureza das drogas encontradas e apreendidas em poder do réu, ainda mais sendo vendidos nas proximidades de estabelecimentos de ensino, circunstâncias incompatíveis com mera ação eventual, demandam maior censura, com resposta severa do Estado, e impedem a concessão do benefício, tendo sido o acusado surpreendido quando trazia consigo, para fins de tráfico, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, 30 (trinta) papelotes de cocaína e 18 (dezoito) porções de maconha, demonstrando que o acusado se dedicava à atividade criminosa e fazia dela o seu meio de subsistência, a comprovar que ele não estava, por mero acaso, a praticar o crime de tráfico de entorpecentes.

Portanto, considerando que a expressiva quantidade, diversidade e natureza das drogas apreendidas, aliadas às circunstâncias do caso concreto, permitem concluir que o acusado é adepto à atividade criminosa do tráfico ilícito de entorpecentes, evidenciando que faz do tráfico seu meio de vida, a comprovar que ele não estava, por mero acaso, a praticar o crime de tráfico de entorpecentes, não fazendo jus à aplicação da referida causa de diminuição prevista na Lei de Tóxicos."

Sendo assim, na medida em que os argumentos aduzidos pelo acórdão não são idôneos para negar a aplicação da causa de diminuição de pena, aplico o redutor do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 e, não existindo razões de destaque, faço em seu patamar máximo de 2/3.

Passo a redimensionar a pena.

Tem-se que a pena-base do crime de tráfico de drogas ficou estabelecida em 5 anos de reclusão e 500 dias-multa (e-STJ fl. 67).

Na segunda fase, ausentes agravantes e reconhecida a atenuante da menoridade relativa, manteve-se a pena no mínimo legal, nos termos da Súmula 231/STJ (e-STJ fl. 67).

Na terceira etapa, reconhecida a causa de aumento do art. 40III, da Lei de Drogas, ante o cometimento do delito nas imediações de estabelecimento de ensino, majora-se a pena em 1/6, resultando em 5 anos e 10 meses de reclusão e 583 dias-multa e; pelo acima exposto, verificadas as condições para aplicação do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, no patamar de 2/3, torno definitivo o quantum de 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão e 194 dias-multa.

Não observando circunstâncias dignas de nota além daquelas já consideradas na dosimetria da pena, estabeleço o regime aberto como inicial de cumprimento de pena, nos termos do art. 33§ 2º, c, do CP.

Atendidos os requisitos do art. 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade deve ser substituída por restritivas de direitos, a serem definidas pelo Juízo da execução penal.

Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus para aplicar a causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 e redimensionar a pena do paciente para 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, e 194 dias-multa.

O paciente deverá ser imediatamente posto em liberdade, se por outro motivo não estiverem presos.

Expeça-se, com urgência, os respectivos alvarás de soltura , bem como as demais comunicações pertinentes ao Tribunal de origem e ao Juízo a quo.

Comunique-se, com urgência, o teor desta decisão ao Tribunal de origem e ao respectivo juízo de primeiro grau.

Após, ciência ao Ministério Público Federal.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 13 de março de 2024.

(STJ - HC: 788690, Relator: DANIELA TEIXEIRA, Data de Publicação: 14/03/2024)

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