STJ 2024 - Associação - Absolvição - Lei de Drogas - Arguir que o Local era Dominado por Orcrim. Não é Fundamento Idôneo para Condenação
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
HABEAS CORPUS Nº 778279 - RJ (2022/0330201-9)
RELATOR : MINISTRO JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJDFT)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão assim ementado (fls. 111- 112):
EMENTA: PENAL - PROCESSO PENAL - TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO - PROVA - DEPOIMENTO POLICIAL - VALIDADE - PENA BASE - MAJORAÇÃO EXCESSIVA - REDUÇÃO DE OFÍCIO.
Não mais se controverte acerca da validade do depoimento policial, podendo a sentença condenatória nele se escorar. Matéria já pacificada nos Tribunais (Súmula 70 do TJRJ). No caso presente, não há qualquer contradição de valor no que foi dito pelos autores da prisão em flagrante, ficando certa a apreensão com os acusados de considerável quantidade de material entorpecente (96g de maconha, distribuídas em 51 sacolés, 31g de haxixe, acondicionadas em 76 tabletes, 92g de cocaína em 169 frascos plásticos, 39g de crack, embaladas em 77 sacolés, além de 360ml de solvente organoclorado, distribuídos em 18 frasco plásticos), evidenciando as circunstâncias da prisão que as drogas se destinavam à ilícita comercialização, mormente em razão de sua diversidade e quantidade, estando em local conhecido como ponto de venda de entorpecentes, o que deixa suficientemente demonstrado o crime de tráfico, mostrando-se inviável o pleito absolutório, não tendo a defesa apresentado qualquer prova capaz de afastar o que foi dito pelos policiais. Prova bem analisada na sentença, que não merece qualquer retoque.
De outro giro, para a caracterização da associação criminosa de que trata o artigo 35 da Lei 11343/06, não será necessário que seus integrantes venham a iniciar a execução ou mesmo praticar os crimes dos artigos 33, caput e § 1º e 34, ambos do mesmo diploma legal. O que se exige para a configuração de tal infração é que as pessoas se unam em caráter rotineiro e não eventual com o objetivo de traficar e não que efetivamente pratiquem o tráfico, destacando a doutrina "a necessidade de um animus associativo, isto é, um ajuste prévio no sentido da formação de um vínculo associativo de fato, uma verdadeira societas sceleris, em que a vontade de se associar seja separada da vontade necessária à prática do crime visado. Excluído, pois, está o crime no caso de convergência ocasional de vontades para a prática de determinados delito, que determinaria a coautoria" (cf. Vicente Greco Filho). No caso concreto, a prova carreada aos autos deixou indicado que os acusados estavam associados uns com os outros e com outros elementos para a prática do tráfico, mormente em razão da quantidade da droga apreendida, a variedade, sem esquecer a reação de um dos acusados ao desferir disparos de arma de fogo contra os policiais ao perceber a aproximação dos mesmos, comportamento notadamente compatível ao reconhecimento da prática associativa e da habitualidade na conduta delitiva.
Pena aplicada corretamente, mostrando-se adequado e proporcional o aumento na primeira etapa em razão da natureza, quantidade e diversidade da droga apreendida, bem como o reconhecimento da reincidência na etapa intermediária e da majorante pelo emprego de arma na fase final.
Recurso desprovido.
Consta dos autos que o paciente foi condenado como incurso no art. 33 e art. 35 c/c o art. 40, IV, da Lei n. 11.343/06, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena de 12 anos e 3 meses de reclusão, em regime fechado, e pagamento de 1.768 dias-multa.
Interposto recurso de apelação pela defesa, o Tribunal de origem negou provimento ao recurso.
Neste writ , o impetrante sustenta, em síntese, que é devida a absolvição pelo crime de associação para o tráfico.
Aduz a falta de fundamentação para a exasperação da pena-base, bem como para a aplicação da causa de aumento prevista no art. 40, IV, da Lei n. 11.343/06.
Requer, assim, a absolvição do paciente pelo crime do art. 35 da Lei n. 11.343/06 ou, subsidiariamente, a realização de nova dosimetria da pena.
Prestadas as informações, o Ministério Público manifestou-se pelo não conhecimento.
Quanto ao pleito absolutório do delito de associação para o tráfico, consta da sentença (fls. 80-81):
[...]
Quanto ao crime de previsto no artigo 35 da Lei nº 11.343/06, a materialidade delitiva é cristalina. As provas que integram os autos do processo, sobretudo os depoimentos prestados pelos policiais militares, são conclusivos neste sentido.
No que tange à autoria, a mesma é certa quanto aos acusados. Sob o crivo do contraditório foi produzida a prova oral formadora da convicção acerca da existência da conduta imputada aos réus, eis que estavam associados entre si, de forma estável e permanente, para a prática do crime de tráfico de drogas. Neste sentido são valiosas as declarações prestadas pelo policiais militares que diligenciaram a prisão dos réus.
Dolosas as conduta dos agentes, eis que subjetivamente se conduziram a vulnerar o artigo 35 da Lei nº 11.343/06, pois se associaram, de forma estável e permanente, entre si e com terceiros para a prática de tráfico de entorpecentes, conforme descrito na denúncia. A prova oral carreada aos autos é precisa para afirmar que a facção criminosa "comando vermelho" é a que domina a prática do nefasto comércio de drogas na localidade em que os réus foram presos .
Merece registro, ainda, o fato de que na quadrilha de traficantes integrada pelos réus, como é comum em casos e semelhantes, há verdadeira divisão de tarefas para o alcance do fim criminoso visado pelos seus integrantes. Assim, é inegável que a atividade criminosa desenvolvida pelos réus era organizada, portanto, com ânimo de estabilidade.
Apesar do esforço manifestado pelas combativas defesas, suas teses não podem ser
acolhidas diante da prova produzida no processo, pois segura para acolher a pretensão estatal.
Assim, diante de todo o acervo probatório trazido aos autos, certas são a materialidade e autoria delitivas em relação a todos os réus.
[...]
Sobre o tema, consta do acórdão (fls. 118-126):
[...]
Da mesma forma, o pleito de absolvição dos apelantes pela prática do injusto do art. 35 da Lei 11.343/06 não merece provimento.
Com efeito, para que seja reconhecido o crime de associação para o tráfico se exige a prova, ainda que indiciária, que os agentes estivessem unidos com a finalidade permanente de traficar drogas, devendo ficar certa a relação estável e rotineira. Esse liame subjetivo não pode ser presumido, devendo ser provado pela acusação.
[...]
Não se desconhece a dificuldade na produção da prova da estabilidade entre os associados, elemento indispensável para o reconhecimento do crime de associação para o tráfico.
Na verdade, diante do quadro de criminalidade atual, mormente nos crimes financeiros e outros envolvendo organização criminosa e associação para o tráfico, não se exige para condenação prova direta, porquanto praticamente impossível de ser produzida. Risível a expectativa de se encontrar documentação comprovando a prática de tais ilícitos, se satisfazendo o juiz com a chamada verdade possível ou viável, sendo mais valorizada a prova indiciária.
Assim, através de um fato devidamente provado, pode o julgador, mediante raciocínio lógico, concluir pela ocorrência de outro suficiente para configurar ilícito no campo penal, administrativo ou financeiro.
[...]
A mesma regra deve ser aplicada no exame da prova com relação ao crime de associação para o tráfico, sendo evidente que o juiz deve se valer da prova indiciária, porquanto impossível prova direta com apreensão de contratos sociais e estatutos confirmando a associação dos meliantes para o exercício daquele nefando comércio, como também impossível se exigir o testemunho de moradores confirmando o envolvimento dos acusados naquela prática criminosa.
Desse modo, analisando o conjunto probatório carreado aos autos, mormente as circunstâncias da prisão, estou convencido que os acusados estavam ligados entre si, em caráter permanente, para o fim de traficar substância entorpecente, o que é suficiente para tipificar o crime de associação previsto no artigo 35 da Lei 11343/06.
No caso concreto, as circunstâncias da prisão, mormente a reação empreendida pelo acusado DIEGO contra os policiais, desferindo disparos de arma de fogo, bem como a tentativa de fuga dele e dos demais acusados ao perceberem a aproximação da patrulha policial e algumas peculiaridades da hipótese em exame permitem reconhecer o crime de associação.
Como se vê dos depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão, estavam em patrulhamento no local da diligência exatamente para coibir o comércio ilegal de drogas, já que a localidade é conhecida pela prática da referida prática delituosa. Afirmaram que conseguiram ingressar na comunidade pela linha férrea, onde havia grande concentração de pessoas. Relataram a reação do acusado DIEGO, bem como a captura dos apelantes, com os quais, após abordagem e revista, foram localizadas as drogas descritas no respectivo Laudo de Exame de Entorpecentes.
Os argumentos utilizados pela defesa para afastar a condenação pela associação ao tráfico não convencem, especialmente se considerarmos as circunstâncias da prisão e a quantidade de droga encontrada com os apelantes.
Todos os fatores acima mencionados permitem concluir que todos os acusados estavam associados entre si e a outros elementos com a finalidade de traficar drogas de maneira estável e rotineira.
A prova é firme neste sentido, não apresentando a defesa qualquer elemento probatório que pudesse levar este relator a desconsiderar o que foi dito pelos autores da prisão.
Assim, correta também a condenação pela prática do delito insculpido no artigo 35 da Lei 11343/06.
[...]
Quanto à configuração do delito de associação para o tráfico, observa-se dos excertos acima transcritos que as instâncias ordinárias apontaram elementos para demonstrar o vínculo estável e permanente do paciente com os demais integrantes da facção "CCXXXXXXX" atuantes naquela área, consignando que "A prova oral carreada aos autos é precisa para afirmar que a facção criminosa"XXXXXXXXXXX"é a que domina a prática do nefasto comércio de drogas na localidade em que os réus foram presos".
Como se vê, conquanto as instâncias ordinárias tenham apresentado fortes indícios da participação do paciente em organização criminosa, não comprovaram, por meio de elementos concretos, o efetivo vínculo estável e permanente entre os acusados.
Nos termos da jurisprudência desta Corte, "para a configuração do delito de associação para o tráfico de drogas, é necessário o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião de duas ou mais pessoas sem o animus associativo não se subsume ao tipo do art. 35 da Lei n. 11.343/2006" ( HC 415.974/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 11/10/2017).
Ve-se que a condenação do ora paciente pelo crime de associação para o tráfico tem como fundamento ilações relativas à configuração do tipo previsto no art. 35 da Lei 11.343/2006, como crime autônomo, o que não é suficiente para ensejar a condenação, que exige um contingente mínimo, pelo menos razoável, da autoria.
Assim, a instrução deve deixar evidenciado o ajuste prévio dos agentes, no intuito de formar um vínculo associativo no qual a vontade de se associar seja distinta da vontade de praticar o (s) crime (s) visados (s). A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DO ART. 35 DA LEI DE DROGAS. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS DA ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. PRECEDENTES. ABSOLVIÇÃO. CABIMENTO. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Para a configuração do crime de associação para o tráfico, exige-se a demonstração do vínculo de estabilidade e permanência entre duas ou mais pessoas, nos termos do art. 35, caput, da Lei n. 3.433/2006.
2. No caso, o Juízo singular indicou como circunstâncias para condenar o Acusado pela prática do crime de associação para o tráfico de drogas a quantidade e diversidade da droga e a apreensão de 4 (quatro) rádios transmissores em local dominado pelo Terceiro Comando Puro - TCP. Apesar de poderem, em tese, indicar a prática de outros delitos, essas
circunstâncias não evidenciam a presença das elementares subjetivas do crime de associação para o tráfico ilícito de drogas.
3. Sem a indicação concreta do ânimo do Acusado de associarse de forma estável e permanente com outros agentes, mostra-se indevida a condenação pelo delito tipificado no art. 35 da Lei n. 11.343/2006.
4. Agravo regimental desprovido. ( AgRg no HC n. 709.289/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 8/2/2022, DJe de 15/2/2022.) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PROVA DA CONCRETA ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA DOS AGENTES. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que é "indispensável para a configuração do crime de associação para o tráfico a demonstração concreta da estabilidade e da permanência da associação criminosa" ( AgRg no HC 454.775/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 21/02/2020), que devem ser demonstradas de forma aceitável (razoável), ainda que não de forma rígida, para que se configure a societas sceleris e não um simples concurso de pessoas, é dizer, uma associação passageira e eventual.
2. É preciso atenção processual, sem estereótipos, para a distinção, em cada caso, entre o crime de associação para o tráfico, nos termos do art. 35 da Lei 11.343/2006, e a coautoria mais complexa, não podendo a associação ser dada como comprovada por inferência do crime de tráfico perpetrado.
3. Os dizeres do acórdão, com referências genéricas à configuração do tipo previsto no art. 35 da Lei 11.343/2006, como vínculo subjetivo entre os agentes, não se afiguram suficientes para embasar a condenação nesse ponto da imputação.
4. Agravo regimental improvido. ( AgRg no AREsp n. 2.046.638/MG, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1a Região), Sexta Turma, julgado em 14/9/2022, DJe de 20/9/2022.)
Não se cuida, na espécie, de revolvimento do conjunto probatório dos autos, se não de requalificação (revaloração) jurídica de fatos incontroversos, amplamente debatidos pelas instâncias ordinárias. Em verdade, os elementos informativos destacados pelo acórdão - as provas indiciárias e as circunstâncias da prisão - indicam as elementares do crime do tráfico de drogas, em concurso mais elaborado de agentes.
As premissas fáticas delineadas pelas instâncias ordinárias não demonstraram, de forma concreta e efetiva, o vínculo associativo autônomo, estável e permanente, além do mero concurso de agentes para a configuração do delito de tráfico. Nesse sentido:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. VÍNCULO ESTÁVEL E PERMANENTE. NECESSIDADE PARA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ART. 35 DA LEI 11.343/06. DISPENSADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. ABSOLVIÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO PROVIDO.
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal firmou o entendimento de que, para a subsunção da conduta ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imprescindível a demonstração concreta da estabilidade e da permanência da associação criminosa. ( HC 270.837/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/03/2015, DJe 30/03/2015).
2. Considerando que os fundamentos utilizados no acórdão impugnado para reconhecer que o réu praticou o delito de associação para o tráfico não se mostram idôneos, notadamente por ter dispensado o vínculo estável e permanente do recorrente com outros indivíduos, não há falar-se em caracterização do crime de associação para o tráfico.3.
Recurso especial provido para absolver o recorrente pela prática do delito de associação para o tráfico de drogas. ( REsp 1713168/RJ, Rel. NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe 20/03/2018).
A condenação pelo crime de associação para o tráfico não pode ter base apenas em estereótipos, em inferências oriundas da forma como perpetrado o crime de tráfico de drogas, pelo que se impõe a absolvição do paciente por insuficiência de provas da autoria e da materialidade (art. 386, VII - CPP).
A respeito da dosimetria, extrai-se do acórdão impugnado (fl. 126):
[...]
Por derradeiro, embora a matéria devolvida neste recurso não englobe questão atinente ao processo dosimétrico, verifico que o processo dosimétrico se realizou de forma correta, sendo justificado o aumento na primeira etapa em razão da quantidade, diversidade e natureza da droga apreendida, mostrando-se, igualmente, acertado, na fase intermediária, o reconhecimento da reincidência, bem como, na terceira etapa, o acréscimo pela majorante do artigo 40, IV, da Lei 11343/06, sempre tendo sido observada a regra da razoabilidade .
[...]
Por sua vez, consta da sentença (fls. 84-86):
[...]
1a fase: atento às circunstâncias judiciais traçadas pelo artigo 42 da Lei nº 11.343/06 c/c artigo 59 do Código Penal, em atenção ao preceito secundário do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, para o acusado Willian Duarte Dezidério , considerando de quantidade de drogas apreendidas, isto é, cerca de 96g de maconha, 31g de haxixe, 92g de cocaína em pó, 39g de cocaína (crack), 360 ml de solvente, fixo a pena-base acima do mínimo legal, ou seja, pena privativa de liberdade de 06 (seis) anos de reclusão e pagamento de 600 (seiscentos) dias-multa, calculados no mínimo legal.
2a fase: presente a circunstância agravante genérica da reincidência , exaspero a pena de 1/6, alcançando o patamar de 07 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa.
3a fase: presente a causa especial de aumento de pena prevista no artigo 40, IV da Lei nº 11.343/06, aumento a pena provisoriamente aplicada de um sexto , alcançando o patamar de 08 (oito) anos e 02 (dois) meses de reclusão e pagamento de 816 e (oitocentos e dezesseis) dias-multa, que torno definitiva à míngua de outras moduladoras.
Quanto ao disposto no artigo 35 da lei 11.343/06:
1a fase: Atento às circunstâncias judiciais traçadas pelo artigo 42 da Lei nº 11.343/06 c/c artigo 59 do Código Penal, para o acusado Willian Duarte Dezidério, em atenção ao preceito secundário do artigo 35 da Lei nº 11.343/06, fixo a pena-base no mínimo legal, ou seja, pena privativa de liberdade de 03 (três) anos de reclusão e pagamento de 700 (setecentos) dias-multa, calculados no mínimo legal.
2a fase: presente a circunstância agravante genérica da reincidência, exaspero a pena de 1/6 (um sexto), alcançando o patamar de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 816 (oitocentos de dezesseis) dias-multa.
3a fase: Presentes a causa especial de aumento de pena prevista no artigo 40, IV da Lei nº 11.343/06, aumento a pena provisoriamente aplicada de um sexto, alcançando o patamar de 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão e 952 (novecentos e cinquenta e dois) dias- multa, que torno definitiva à míngua de outras moduladoras.
As penas aplicadas são somadas por força do cúmulo material, n/f do artigo 69 do Código Penal.
[...]
O regime inicial para o cumprimento da pena é o fechado pois é o único compatível com
o atuar dos sentenciados, o somatório das penas, os maus antecedentes e reincidência verificados. Ademais, para o crime de tráfico de drogas o regime inicial é o fechado, por força do disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8072/90.
[...]
Acerca, especificamente, da causa de aumento do art. 40, IV, da Lei n. 11.343/06, consta da sentença (fls. 81-82):
[...]
Quanto ao emprego de arma como meio de intimidação, a causa de aumento imputada sobre a conduta dos réus em praticar o nefasto comércio de drogas mediante emprego de meio difuso e coletivo de intimidação. Neste ponto, a materialidade está comprovada através do auto de apreensão de fls. 26 e do laudo de exame em arma de fogo e munições de fls. 124/126, bem como pelo depoimento dos policiais, que relataram o emprego desta pelos acusado Diego para tentar se evadir do local.
No que tange à autoria, quanto ao emprego de meio difuso de intimidação, vejo que ela é indissociável da pessoa dos acusados, eis que associados entre si para a prática do crime do tráfico de drogas e, para tanto, todos se valiam do meio difuso para intimidação de pessoas.
Apesar de nem todos os réus estarem na posse de armas de fogo no momento da prisão, a verdade é que a imputação permanece hígida. Isto porque a própria natureza da imputação, que consiste em associação para a prática do crime de tráfico de drogas, evidencia o liame subjetivo entre todos os integrantes do bando, qualquer que seja a função desempenhada por cada um no nefasto comércio de drogas.
O auto de apreensão de arma de fogo e respectivo laudo pericial comprova que os acusados praticavam o tráfico de drogas, mediante emprego arma de fogo, o que garantia o sucesso da empreitada criminosa.
Diante de tudo até agora exposto, apesar da negativa manifestada em juízo pelas nobres defesas, a imputação restou comprovada, motivo pelo qual a acusação deve prosperar tal como invocada pelo órgão ministerial na prefacial acusatória.
Por oportuno, não podemos olvidar, é fato notório que em muitos casos os traficantes de drogas praticam o nefasto comércio mediante emprego de arma de fogo e até emprego de artefatos explosivos com capacidade lesiva apta a ensejar danos a um número indeterminado de pessoas.
No caso concreto, os acusados José Carlos, Diego Cunha e Willian foram reconhecidos pelos policiais militares na fase policial e judicial, portanto, não há dúvida que a ação foi praticada pelos três acusados, o que se mostra suficiente para o reconhecimento da forma majorada respectiva.
[...]
Como se vê, a pena do paciente foi exasperada, nos termos do art. 40, IV da Lei 11.343/2006, consignando o Juízo a quo que "quanto ao emprego de meio difuso de intimidação, vejo que ela é indissociável da pessoa dos acusados, eis que associados entre si para a prática do crime do tráfico de drogas e, para tanto, todos se valiam do meio difuso para intimidação de pessoas", destacando, especificamente quanto ao ora paciente, que "foram reconhecidos pelos policiais militares na fase policial e judicial, portanto, não há dúvida que a ação foi praticada pelos três acusados, o que se mostra suficiente para o reconhecimento da forma majorada respectiva".
Com efeito, de acordo com o que foi assentado pelas instâncias ordinárias, o
armamento foi utilizado para viabilizar a prática do narcotráfico, o que autoriza a incidência da majorante.
"A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que, se no momento da apreensão, a arma estiver sendo usada como parte do processo de intimidação difusa ou coletiva para viabilizar a prática do tráfico, correta a aplicação da majorante do art. 40, IV, da Lei de drogas" ( AgRg no AREsp n. 2.014.637/ES, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022.)
Por outro lado, as instâncias ordinárias indicaram a quantidade de drogas apreendidas, a fim de justificar o aumento da pena-base em 1/5.
A Terceira Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.887.511, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, DJe 01/07/2021, fixou a diretriz de que a natureza e a quantidade das drogas apreendidas são fatores a serem necessariamente considerados na fixação da pena-base, nos termos do art. 42 da Lei 11.343/2006.
No caso, a apreensão de "96g de maconha, 31g de haxixe, 92g de cocaína em pó, 39g de cocaína (crack), 360 ml de solvente", autoriza a fixação da pena-base acima do mínimo legal.
Consigne-se que "o legislador ordinário não estabeleceu percentuais fixos para nortear o cálculo da pena-base, deixando a critério do julgador encontrar parâmetros suficientes a desestimular o acusado e a própria sociedade a praticarem condutas reprováveis semelhantes, bem como a garantir a aplicação da reprimenda necessária e proporcional ao fato praticado" ( AgRg no HC 598.856/SC, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/05/2021, DJe 12/05/2021).
Assim, "ressalvados apenas os casos de manifesta ilegalidade ou grande desproporcionalidade, não existe um direito subjetivo do acusado de ter 1/6 de aumento da pena mínima para cada circunstância judicial sopesada negativamente"( AgRg no REsp 1919606/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 29/03/2021). Ausente, portanto, flagrante ilegalidade pelo aumento da pena-base em 1/5, em razão da natureza e quantidade das drogas apreendidas . Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA. TRÁFICO DE DROGAS. SUPOSTA ILEGALIDADE NA FUNDAMENTAÇÃO LANÇAD A NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE E NO QUANTUM DE AUMENTO APLICADO. MAUS ANTECEDENTES, QUANTIDADE DE DROGA E NATUREZA DE ALGUMAS DELAS (29,5 G DE COCAÍNA, 9,55 G DE CRACK E 121,29 G DE MACONHA). ELEMENTOS IDÔNEOS. FRAÇÃO DE 1/5. DISCRICIONARIEDADE MOTIVADA. PRESENÇA DE DUAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. CONDENAÇÕES ANTERIORES DIVERSAS. SEGUNDA FASE DA DOSIMETRIA. APLICAÇÃO DE FRAÇÃO SUPERIOR A 1/6 EM RAZÃO DA REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. PENA REDIMENSIONADA. REGIME INICIAL FECHADO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS E REINCIDÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PARECER ACOLHIDO.
1. A exasperação da pena-base na fração de 1/5 restou fundamentada nos maus antecedentes e na quantidade de droga apreendida, bem como na natureza de algumas delas (35 pedras de crack, com peso líquido de 9,55 gramas; 40 invólucros de maconha, com peso líquido de 121,29 gramas; e 64 eppendorfs de cocaína, com peso líquido de 29,5 gramas), o que encontra amparo na jurisprudência desta Corte Superior.
2. Consoante orientação sedimentada nesta Corte Superior, não há óbice em se considerar, na primeira fase da dosimetria, anotações diversas daquelas sopesadas como reincidência, razão pela qual é descabida a alegação de ocorrência de bis in idem, uma vez que os fatos utilizados para a exasperação da pena-base não são os mesmos que autorizaram a majoração na etapa seguinte ( AgRg no HC n. 521.476/SP, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 15/6/2020).
3. A Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, por ocasião do julgamento do HC n. 365.963/SP, pacificou o entendimento de que a reincidência, seja ela específica ou não, deve ser compensada integralmente com a atenuante da confissão, demonstrando, assim, que não foi ofertado maior desvalor à conduta do réu que ostente outra condenação pelo mesmo delito ( HC n. 654.120/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 25/5/2021). Dessarte, a especificidade da reincidência constitui fundamento inidôneo para justificar o agravamento da pena superior à fração de 1/6.
4. Incabível a fixação de regime mais brando, pois inexiste constrangimento ilegal a ser sanado, eis que o paciente detém circunstâncias judiciais desfavoráveis e é reincidente, sendo aplicável, destarte, o regime fechado, nos termos do art. 33, parágrafos 3º e 2º, alínea b, do Código Penal. ( HC 669.583/SP, Rel. Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Quinta Turma, DJe 1/9/2021).
5. Ordem concedida parcialmente para reduzir a fração de agravamento na segunda fase da dosimetria e, assim, fixar a pena do paciente em 7 anos de reclusão, a ser inicialmente cumprida em regime fechado, além do pagamento de 700 dias-multa.
( HC n. 758.154/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 18/10/2022, DJe de 21/10/2022.)
Por fim, com o afastamento da condenação pelo delito de associação ao tráfico, remanesce a condenação pelo crime de tráfico de drogas, ficando a reprimenda definitiva em 8 anos e 2 meses de reclusão, mais 816 dias-multa.
Ante o exposto, concedo, em parte, o habeas corpus para absolver o paciente do delito de associação ao tráfico (art. 35 da Lei nº 11.343/06), tornando definitiva a sanção em 8 anos e 2 meses de reclusão, mais 816 dias-multa, no regime fechado, mantidos os demais termos do acórdão impugnado.
(STJ - HC: 778279, Relator: JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), Data de Publicação: 07/03/2023)
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